Primeiro brasileiro da história a conquistar uma das etapas juvenis do Grand Slam, na madrugada deste sábado em Melbourne, o alagoano Tiago Fernandes poderia jogar a chave principal do Brasil Open, mas vai disputar o qualifying no final da próxima semana na Costa do Sauípe (BA). Seu treinador, Larri Passos, recebeu o convite através de um telefonema dos organizadores do principal torneio do país, mas recusou a oferta. "Nada vai mudar na rotina do Tiago. Ele precisa continuar sabendo a lidar com vitórias e derrotas", justifica o treinador.
Campeão juvenil do Aberto da Austrália, Tiago Fernandes treina no Instituto Larri Passos, em Camboriú (SC), há pouco mais de dois anos. O alagoano esteve em Melbourne acompanhado de Marcus Vinicius Barbosa, o Bocão, que faz parte da equipe de Larri Passos. Durante o jogo decisivo nesta madrugada, os dois treinadores se comunicaram através de mensagens pelo telefone celular. "Não deixe o Tiago relaxar, pois o australiano vai voltar para dar trabalho", avisou Larri, quando o brasileiro tinha vantagem de 3 games a 0 no segundo set.
Durante o intervalo de treinos com outros jogadores, neste sábado, em sua academia no balneário catarinense, Larri Passos atendeu a reportagem da Gazeta Esportiva.Net para falar um pouco mais sobre a revelação alagoana.
O Tiago Fernandes chegou ao Aberto da Austrália com apenas 16 anos e ainda como o 25; colocado do ranking mundial juvenil. Este título é surpreendente?
Larri - Não é nenhuma surpresa. Quando estávamos no US Open, no ano passado, eu procurava coloca-lo para treinar na quadra central, com Daniela (Hantuchova), o Guilherme Clezar e o Bocão. Essa visualização foi uma intuição muito grande que tive naquele momento, porque sabia que em breve ele deveria estar numa quadra principal como a Arthur Ashe. Como o Aberto da Austrália era o único Grand Slam que ele ainda não havia jogado, decidi com o Bocão que ele jogaria o Orange Bowl e depois descansaria para se preparar para o torneio em Melbourne. Por isso, não foi surpresa. Já estávamos preparando a cabeça dele para este momento.
Obviamente, a conquista gerará uma expectativa muito grande sobre Tiago. Muitos tenistas com uma carreira prometedora no juvenil tiveram dificuldades na transição ao profissional (o maior exemplo no Brasil é Marcelo Saliola). Ele saberá lidar com isso?
Larri - São situações diferentes. O Tiago treina e convive num local onde já passou um tricampeão de Roland Garros e ex-número 1 do mundo (Gustavo Kuerten). Esse convívio, faz com que ele siga essa linha, essa rotina de trabalho. São tempos diferentes, épocas diferentes. O Tiago tinha quatro anos quando o Guga ganhou Roland Garros pela primeira vez, em 1997. Precisa se espelhar nele e sabe que tem um longo caminho pela frente. Vejo essa conquista como um treinamento mental para o futuro.
Quais os próximos passos da carreira de Tiago. Com 17 anos, ele vai jogar somente mais esta temporada como juvenil? Continuará tentando a sorte em futures e em qualificatórios de challengers? Quais são os planos?
Larri - O Tiago já vem mesclando desde o ano passado torneios juvenis e futures. A programação para 2010 já estava pronta e eu devo estudar apenas algumas modificações estratégicas pra ele ganhar mais experiência ao lado de jogadores profissionais. Na próxima quinta-feira vai para a Costa do Sauípe. Ele ganhou convite para disputar a chave principal do Brasil Open, mas decidi que ele deve disputar o qualifying. Ele precisa conviver com jogadores profissionais, precisa continuar lidando com vitórias e derrotas. Depois ele vai disputar o Banana Bowl e a Copa Gerdau. Volta para mais três semanas de treinos no Instituto e segue depois para quatro challengers pela América do Sul. A partir de maio, terá uma temporada de torneios juvenis na Europa. No segundo semestre, vai mesclar torneios juvenis e profissionais, entre eles o US Open juvenil, futures e qualis de challengers.
A maior parte do sucesso do tênis brasileiro veio no saibro. O que representa um título desse tamanho e tão cedo em uma quadra dura? Quando o Tiago chegou ao Instituto, ele já apresentava facilidade em atuar em qualquer tipo de superfície?
Larri - O Tiago chegou ao Instituto quando saía dos 14 para completar 15 anos. Sempre apresentou mais facilidade e estilo para as quadras duras, sempre foi mais para as paralelas. Pelo porte físico dele, melhoramos bastante as bolas cruzadas, fizemos ele entrar mais na quadra. Mas ele joga bem na grama e no saibro também. É versátil, mas ainda está em fase de formação. Precisamos continuar trabalhando globalmente, em todos os pisos. O jogador moderno precisa ser versátil.
O tênis moderno tem privilegiado o saque e consequentemente os atletas altos (dos top 10, apenas Nikolay Davydenko tem menos que 1,84 m de altura). Com 1,88m e um bom serviço, Tiago Fernandes tem tudo para se encaixar bem como profissional?
Larri - Isso só o tempo vai dizer. A única coisa que posso fazer é trabalhar
Qual o seu papel até agora no trabalho com o Tiago: foi mais lapidação ou você precisou mudar algo mais radicalmente? O que o Tiago precisa para vingar como tenista profissional?
Larri - Ter colocado ele debaixo do braço e ter levado ele comigo para Wimbledon com 15 anos foi muito importante. O pré-quali em Porto Alegre, em 2008, o Orange Bowl, a Copa Gerdau e alguns torneios que estivemos juntos também foram momentos produtivos. Mudança técnica e os exercícios educativos são minha responsabilidade. Temos uma equipe (Bocão, Roberto Carvalho e Djan Carlos Cunha) que está trabalhando firme no Instituto e que segue a mesma filosofia. O resultado do Tiago e de outros dos nossos jogadores mostram que estamos no caminho certo. É continuar trabalhando.
E a questão de apoio? O Tiago tem patrocinadores?
Larri - Ele tem patrocínio da Adidas (roupa) e Dunlop (raquete). Sem esse suporte, não conseguiríamos ter feito essa programação.
O Bocão vai continuar acompanhando o Tiago em torneios ou você vai começar a viajar com o jogador?
Larri - O Bocão trabalha no Instituto. Em alguns momentos é ele quem viaja com o Tiago ou com o Marcos Daniel. A rotina não vai mudar. Quando eu voltar para o circuito, vou acompanhar o Tiago e os outros jogadores. Seja qual for o treinador que estiver com ele, não vai mudar a filosofia de trabalho. Existe toda uma equipe como apoio, desde a dona Lili, que cuida da alimentação, passando pelos técnicos, pela família... Ele terá todo um suporte para caminhar com tranquilidade a sua trajetória.