postado em 13/11/2019 04:06
[FOTO1]Ele ajudou a formar quatro jogadores campeões da Copa América neste ano: o meia-atacante Everton Cebolinha e o volante Arthur na passagem pelo Grêmio; e o zagueiro Eder Militão e o atacante David Neres no São Paulo. Cobiçado por grandes clubes do futebol brasileiro, o diretor das categorias de base do Atlético-MG, Júnior Chávare, também trabalhou na Juventus da Itália. Uma das referências do país quando o assunto são as categorias de base, o profissional é workaholic. Tem um invejável banco de dados com talentos de vários cantos do Brasil e do mundo. Questionado na entrevista ao Correio se os clubes brasileiros estão dormindo no ponto dentro de casa no Mundial Sub-17 ao não pinçar jovens jogadores de países vizinhos da América do Sul ou até mesmo da África, ele responde de bate-pronto e logo blinda o Galo. Diz que vários jogadores do torneio foram mapeados pelo clube mineiro nas competições continentais como o Sul-Americano e a Eurocopa da categoria, por exemplo. ;Vamos fechar o ano com quase 3 mil atletas avaliados;, gaba-se. No bate-papo a seguir, Júnior Chávare avalia o nível técnico do Mundial e fala sobre a dificuldade que o Brasil terá na semifinal de amanhã contra a França, às 20h, no Bezerrão.
Qual é a sua análise sobre o Mundial Sub-17?
Vejo equipes muito aguerridas, muito mais transpiração do que inspiração. No Sub-17 ainda se oscila muito. Embora alguns jogadores estejam em suas equipes principais, não podemos esquecer de que são adolescentes. Talles Magno é referência no Vasco, porém, quando se junta à Seleção sub-17, tem dificuldade em algumas valências.
O Brasil está nas semifinais. A fase de grupos ajudou?
O grupo do Brasil era mais confortável. A avaliação é maior no mata-mata. O futebol passa a ser mais competitivo. O Chile, por exemplo, trouxe mais complicações para nós (nas oitavas).
A França é o bicho-papão?
É mais ou menos como a Itália. O conjunto prevalece sobre a individualidade. O lado do Brasil (no chaveamento) é pesado. Essas equipes têm uma organização tática consolidada. Vamos ver se o Brasil está pronto.
A França é uma seleção multicultural. Isso a deixa mais forte?
O futebol francês, hoje, é um mix, né? Se você for pegar francês nato, mesmo... A França campeã da Copa do Mundo tinha muitos jogadores de ascendência africana. Então, essa característica física está se sobrepondo. Hoje, a prioridade é a formatação física na defesa e nos primeiros homens do meio de campo.
A altura e a força física dos adolescentes chama a atenção neste Mundial...
Altura é a característica que está se sobrepondo. A linha defensiva, hoje, tem zagueiros altos, laterais com boa estatutra e atletas com esse porte também, principalmente, na posição de primeiro volante. Como o futebol é o esporte mais democrático do mundo, permite um jogador de 1,90m jogando ao lado de um com 1,68m e se complementando (risos).
Pela primeira vez desde 2011 não há seleção africana entre as oito melhores.
Isso é uma surpresa, mas, se você analisar, as outras também passaram a investir muito na parte física, que sempre foi um diferencial das seleções africanas. Como a parte técnica dos europeus e sul-americanos continua diferenciada, eles (africanos) passaram a ter mais dificuldade.
Você ajudou a formar quatro campeões da Copa América: Everton, Arthur, David Neres e Eder Militão. Quem é o seu xodó na Seleção Sub-17?
O goleiro Cristian, um dos reservas, é do Atlético-MG. Tivemos outros que não foram convocados, como o Felipe. Ele é um dos artilheiros do país hoje na categoria. Uma das dificuldades que nós estamos enfrentando é a falta de entrosamento. Quando Você perde três, quatro jogadores, isso faz diferença. E teve a saída do Talles. Uma perda técnica e um ganho para o adversário, que se preocuparia mais com ele.
O presidente da Fifa, Gianni Infantino, defende a fusão dos mundiais sub-17 e sub-20 em um só, o sub-18. Concorda?
Sou totalmente contra. Como formação de atleta, como incremento, como desenvolvemento do esporte, isso é um absurdo. Você acaba queimando ou antecipando etapas. Não pode haver regra para a maturação de atletas. Ele deve ter motivos comerciais, de logística, mas técnico não é. Técnico você vai perder muito na formação. Fica comprometida.
Mais do que formar um jogador, vocês preparam homens. Como funciona isso nos clubes?
O departamento em que a gente mais investe hoje no Atlético-MG é o psicossocial. Além da coodenadora do departamento, temos uma pedagoga, uma psicóloga do esporte e uma assistente social. Temos o projeto Atleta Cidadão. Não tenho dúvida de que o fora de campo se reflente diretamente dentro de campo.
E a questão do estudo?
Tem a questão escolar, comportamental, a gestão do atleta como pessoa. Muitas vezes, um jogador de 17, 18 anos, sustenta família e fica sobrecarregado. A tentativa é de potencializá-lo para que isso não se reflita em campo. Por onde passei (Grêmio, São Paulo e Atlético-MG), nunca abrimos mão da escolaridade. Ele tem que encerrar o ensino médio. Desafiamos para que façam curso superior. Até porque, muitos dos treinamentos que a gente faz no dia a dia exige questão cognitiva de alta relevância.
Qual deve ser a conduta de um técnico com meninos sub-17?
Tive oportunidade de trabalhar com o Guilherme Dalla Déa no São Paulo. Foi meu técnico no sub-15. O treinador precisa entender que muitos desses atletas têm, hoje, uma condição financeira e socioeconômica diferenciada. Se o jogador ainda não consegue ter o apetite para esse tipo de competição é muito complicado. O grande segredo é o seguinte: mais do que lidar com esses atletas nesse momento, é saber escolher quem estará nesse momento, quem é o atleta que efetivamente estará lá. Ter convicção no que está fazendo, porque é um projeto importante pra ele. Não se pode ter pouco interesse por isso. É importante ter sabedoria na hora de convocar.
O Brasil não se classificou em campo para os mundiais Sub-17 e Sub-20. Viveremos um drama no Pré-Olímpico de janeiro?
Se o André Jardine tiver todos os atletas com os quais quer contar, nós temos uma grande chance de passar pelo Pré-Olímpico com tranquilidade e fazer um bom papel em Tóquio-2020.
Jorge Jesus e Vanderlei Luxemburgo estão usando Reinier e Talles Magno no elenco principal. Ousadia ou necessidade?
No caso específico do Vasco, me parece que houve muita necessidade. No do Flamengo, também. Mas tem os olhos do comandante. Buscar esses atletas no juvenil, no sub-17, mostra que o Jesus e o Luxemburgo estavam muito atentos ao que estava acontecendo dentro dos clubes. E aí tem a convicção dos técnicos no potencial dos jogadores.
Vinicius Junior e Rodrygo chegaram a jogar juntos na base. Por que ambos vivem momentos distintos no Real Madrid e na Seleção Brasileira principal?
O Rodrygo chegou no momento em que o Real Madrid estava um pouco mais ajustado na formatação tática após a volta do Zidane. O Vinicius pegou uma fase turbulenta, com troca de treinador. Isso prejudicou. Nem irmãos gêmeos têm a mesma maturação. Não sabemos como cada um reage. Vinicius pode estar demandando mais tempo, e o Rodrygo é mais rápido. O momento do clube muitas vezes determina o sucesso ou não do jovem recém-lançado no profissional.
O Mundial Sub-17 tem mais de mil olheiros de clubes. Os times brasileiros não deveriam estar mais ligados nas promessas?
Posso falar por onde estou. Hoje, nós temos o Centro de Inteligência do Galo (CIGA). Monitoramos tudo. Quando um jogador chega ao Mundial Sub-17, ele já foi monitorado. Há um acompanhamento do Mundial, mas é muito difícil termos surpresas. Os jogadores que se destacam em outros torneios são mapeados no Sul-Americano, na Eurocopa...
Mas não falta mais ousadia aos clubes do país?
O Brasil é muito próspero nessa questão. Em qualquer estado, em qualquer divisão, você vai encontrar um ou dois observadores de plantão. Nós vamos fechar o ano aqui no Galo com 3 mil atletas avaliados. Nem sempre você traz o atleta que você quer, principalmente por questões econômicas, mas eles estão monitorados, aparecem na lista.
;Sou totalmente contra (a criação de um Mundial Sub-18). Isso é absurdo. Não pode haver regra para a maturação de atletas. Deve ter motivos comerciais, de logística, mas técnico não é;
;O futebol francês, hoje, é miscigenado. A França campeã da Copa do Mundo da Rússia tinha muitos jogadores de ascendência africana. Essa característica física está se sobrepondo na defesa e nos primeiros homens do meio de campo;