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Jogada de independência

Seis times da Série A investem em marcas próprias para a produção de material esportivo. Estratégia proporciona maior arrecadação e engajamento dos torcedores, mas é alvo de críticas de especialista em marketing

Correio Braziliense
postado em 07/02/2020 04:07
Seis times da Série A investem em marcas próprias para a produção de material esportivo. Estratégia proporciona maior arrecadação e engajamento dos torcedores, mas é alvo de críticas de especialista em marketingEm 2020, seis times da Série A usarão material esportivo de produção própria. O número representa o dobro em relação às equipes que disputaram a elite no ano passado. Atlético-GO, Bahia, Ceará, Fortaleza, Goiás e Coritiba estampam marca exclusiva nas camisas. A insatisfação com modelos contratuais, atrasos na entrega de material, aumento da adesão do torcedor e busca por maior arrecadação financeira são os principais motivos do empreendedorismo.

O Bahia foi o primeiro time da primeira divisão a contar com marca própria de material esportivo. A criação foi apontada como principal missão da equipe de gestão do atual presidente do clube, Guilherme Bellintani. “Fizemos estudo de casos, de mercado e mostramos ao torcedor que a marca própria proporciona praticamente triplicar a receita”, disse Lênin Franco, gerente de negócios do Bahia.

O tricolor baiano procurou o Grupo Dass, fábrica que terceiriza a produção de Nike, Adidas e Umbro — esta última era a antiga marca de material esportivo do clube. “Como faziam o material Bahia Umbro, que tinha parte dos insumos como escudos e padrão de cores, encurtamos o caminho. Tiramos o intermediário e fomos direto para a fábrica”, explicou o gerente de negócios. A marca Esquadrão foi lançada em setembro de 2018. De acordo com o gerente de negócio do Bahia, o objetivo da equipe é transformar a receita em investimento no próprio futebol.

De acordo com Lênin Franco, a parte de criação e enxoval é feita basicamente pela torcida. Tanto em 2019 como neste ano, o Bahia abriu um concurso popular para que os interessados desenhassem os uniformes e mandassem a proposta para o clube. Primeiro, ocorre uma pré-seleção. Depois, é feita uma votação popular na internet com as melhores opções, e o torcedor escolhe qual será o uniforme um, dois e três da temporada. “Isso faz com que a gente consiga um engajamento muito maior e consequentemente um potencial de vendas maior, pois assim o torcedor se sente representado por ter criado e escolhido o que o clube vai usar”, aponta.

Manchas de óleo

Em outubro de 2019, o tricolor baiano usou na partida contra o Ceará uma camisa em protesto contra as manchas de óleo que atingiram as praias nordestinas. “Com a marca própria, você tem mais flexibilidade, porque a decisão passa apenas pelo clube. Com as grandes marcas, seria preciso passar por aprovação e, às vezes, em instâncias fora do Brasil. Há padrões internacionais que precisam ser seguidos e você não consegue fazer. Com a marca própria, a gente faz do jeito que bem entender”, defende Lênin Franco.

A iniciativa faz diferença no bolso do torcedor. Antes da marca própria, a camisa oficial do Bahia custava R$ 249. Com a logo do Esquadrão, a peça passou para R$ 219. Para o sócio torcedor, R$ 199. “Nós dobramos o número de venda de camisas. Em termos de faturamento, triplicamos. Temos a loja própria, o que impulsiona as vendas. A nossa margem também é maior, pois vendemos a preço de varejo”, comemora.

O aparente sucesso da estratégia, no entanto, é alvo de críticas. Ivan Martinho, professor de marketing esportivo da ESPM, define a iniciativa dos clubes como “jabuticaba, algo que só tem no Brasil”. De acordo com ele, isso não acontece em outros países. “O clube tem de lembrar que a finalidade não é ser varejo, não é fazer design, isso é para marcas de roupa. O negócio do clube é entregar a melhor experiência técnica de futebol nos estádios e isso dá um trabalho enorme”, destaca.

De acordo com Martinho, o intermediário paga para participar do processo. Após seis anos de contrato com a Adidas, atualmente o Flamengo recebe R$ 17,7 milhões da marca alemã, além de premiações bônus de conquistas de campeonatos, como R$ 300 mil pelo Estadual e R$ 2 milhões pela Libertadores. “Se realmente vale a pena produzir a própria camisa, por que o Flamengo e os grandes times da Europa continuam com as marcas tradicionais?”, questionou.

“O negócio do clube é entregar a melhor experiência técnica de futebol nos estádios e isso dá um trabalho enorme. Se realmente vale a pena produzir a própria camisa, por que o Flamengo e os grandes times da Europa continuam com as marcas tradicionais?”
Ivan Martinho, professor de marketing esportivo

Empreender contra o inconformismo

Após anos de descontentamento com as marcas de material esportivo, o Goiás decidiu realizar um desejo antigo: lançou o próprio selo do time. “Durante anos, as grandes marcas nos ofereciam vantagens, com muitas peças. Mas o Goiás e outros clubes perceberam que as marcas começaram a não cumprir as promessas”, disse Marcelo Almeida, presidente do esmeraldino.

De acordo com o mandatário, as marcas atrasavam a entrega dos materiais ou chegavam sem a qualidade solicitada pelo time. “Em certa ocasião, tivemos de contratar a fábrica da marca e pagamos do bolso para conseguir o que nos era devido. Isso provocou um profundo descontentamento. Hoje, com a marca própria, vivemos só alegrias”, conta.

O clube decidiu colocar um ponto final no contrato com a Topper e, em julho de 2019, inaugurou a marca Green 33. “Agora, conseguimos lançar o material na data que queremos, não temos mais problema de material chegar atrasado. Nossa loja está sempre muito abastecida e antes havia um desabastecimento geral dos produtos”, comemora.

A produção própria, embalada pelos bons resultados da equipe alviverde na Série A, que na temporada passada ficou na 10ª colocação e se classificou para a Sul-Americana, impulsionaram a arrecadação do time com as vendas de camisa. “Está nos trazendo uma boa rentabilidade e atingindo números que jamais atingimos. Esse tipo de produto está relacionado ao desempenho do time nos campeonatos. Se o time vai bem, isso é refletido nas vendas, com o torcedor animado”, analisou o cartola. O bolso do torcedor alviverde agradeceu. A camisa do Goiás é uma das mais baratas da elite do futebol brasileiro. A peça de jogo custa R$ 199, mas existem outros modelos com valores mais acessíveis.

A busca por uma operação de material esportivo rentável foi o principal motivo para o Coritiba iniciar a criação da marca 1909, em agosto de 2018. De acordo com o presidente Samir Namur, nos últimos oito anos, o Coxa teve pouco retorno financeiro para os cofres do clube. “Em tempo de contrato com a Adidas, em mais de dois anos, a marca faturou aproximadamente R$ 6,3 milhões e repassou apenas R$ 200 mil para o Coritiba. As grandes marcas impõem aos clubes condições contratuais ruins”, disse o cartola.

O Coritiba procurou a empresa Bomache, de Fortaleza, que também produz o material independente de Ceará, Fortaleza, Paysandu, entre outros times. Segundo Samir Namur, o que representa a alta lucratividade nesta operação é a inexistência de intermediários para comercializar o material. Em 2019, o clube arrecadou R$ 5 milhões na venda dos produtos da marca 1909.

R$ 5 milhões
Arrecadação da marca 1909, do Coritiba, com a venda de produtos na temporada passada

*Estagiária sob a supervisão de Fernando Brito
 

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