Superesportes

Campeãs em família

Na semana que antecede o Dia da Mulher, Correio inicia série de reportagens com protagonistas do país rumo aos Jogos de Tóquio. Mãe e filha, Jane e Lethícia prometem brilhar no paralímpico

Correio Braziliense
postado em 03/03/2020 04:08
Na semana que antecede o Dia da Mulher, Correio inicia série de reportagens com protagonistas do país rumo aos Jogos de Tóquio. Mãe e filha, Jane e Lethícia prometem brilhar no paralímpicoA limitação nos movimentos das pernas de Jane Karla a afastou do esporte até os 28 anos. Em Goiânia, depois de casada e com dois filhos descobriu que a prática esportiva também era possível para ela, que teve poliomelite aos três anos. “Foi amor à primeira raquetada”, brinca, hoje aos 44, sobre o início da experiência com o tênis de mesa paralímpico. Mal imaginaria que o gosto pelo esporte contagiaria toda a família. Agora, ao lado da filha, que também se tornou mesatenista e busca vaga para os Jogos Paralímpicos de Tóquio-2020, a matriarca tem a possibilidade de disputar a quarta Paralimpíada, em agosto.

Enquanto Jane Karla cresceu afastada das aulas de educação física por causa da deficiência, a filha, Lethícia Lacerda, 17 anos, foi criada em meio ao esporte. A mãe disputou as Paralimpíadas de Pequim-2008 e de Londres-2012, no tênis de mesa, e a edição do Rio-2016, no tiro com arco composto, e coleciona cinco ouros em Jogos Parapan-Americanos. O pai, Lincoln Lacerda, também foi mesa-tenista e medalhista parapan-americano. Para completar, o padrasto, Joachim Gogel, foi técnico da Seleção Brasileira e treina a talentosa menina desde os sete anos, quando ela competia no tênis de mesa convencional.

Na adolescência, Lethicia foi diagnosticada com uma doença genética que causa fortes dores nas articulações e compromete a mobilidade. As primeiras crises eram tão fortes que Lethícia chegou a andar de cadeira de rodas. “Ela ficou um ano parada, foi muito triste. Mas convivia com o meu desenvolvimento no esporte paralímpico e viu que o mundo não acabou para a gente por ter deficiência”, conta Jane Karla. Lethícia ocupa a 19ª posição do ranking mundial da classe 8 feminina. Por ser a melhor colocada entre as atletas das Américas, tem grande chances de se classificar para as Paralimpíadas de Tóquio.

A possibilidade de viver o sonho das Paralimpíadas ao lado da filha empolga Jane Karla em busca da primeira medalha paralímpica da carreira, na quarta participação dela nos Jogos. Após 11 anos e duas Paralimpíadas no tênis de mesa, Jane se deparou com a disputa mais dura da vida dela: a luta contra o câncer de mama ao mesmo tempo em que a mãe travava a mesma batalha, que durou de 2010 a 2011. Toda a família viveu esse momento intensamente. As duas se recuperaram, mas a doença voltou a atacar a mãe de forma mais intensa. Pouco depois, ela não resistiu.

Quem são elas

Nome: Jane Karla Gogel
Modalidade: tiro com arco composto paralímpico - classe ARW2
Idade: 44 anos
Naturalidade: Goiânia (GO)
Participações olímpicas:
Pequim-2008 (tênis de mesa), Londres-2012 (tênis de mesa) e Rio-2016 (tiro com arco)
Principais títulos: 10 vezes
campeã brasileira e bicampeã parapan-americana de tênis de mesa; bicampeã parapan-americana de tiro com arco composto; sexta colocada no Mundial da Holanda, em 2019

Nome: Lethícia Rodrigues Lacerda
Modalidade: tênis de mesa - classe 8
Idade: 17 anos
Naturalidade: Goiânia (GO)
Principais títulos: bronze nos Jogos Parapan-Americanos de Lima 2019; e ouro nos Jogos Parapan-Americanos de Jovens 2017, em São Paulo

Três perguntas para Jane Karla

Será sua quarta participação em Paralimpíada. O que te deixa mais ansiosa para Tóquio?
Por enquanto, o frio na barriga é maior porque a vaga não é minha. A gente continua na expectativa e fica nessa apreensão. É um sonho que estamos buscando. Disputar uma Paralimpíada é lindo, é incrível, é um sonho que todo atleta tem. Na hora, a emoção realmente vem, é um sentimento especial em cada edição. É o resultado do trabalho depois de quatro anos. Vou ficar muito feliz de representar o país novamente. A emoção de garantir a vaga paralímpica para o Brasil no Mundial da modalidade, em junho do ano passado, foi muito bacana, mas agora estou aguardando a convocação.

Sua filha, que também é atleta paralímpica, começou a perder parte dos movimentos na adolescência. Como foi lidar com as primeiras manifestações da doença dela?

Foi muito difícil, porque ela participava do tênis de mesa olímpico. Com cinco anos, ela batia bolinha, cresceu vendo aquilo. Aos sete anos, participou do primeiro campeonato e disputava várias competições. Na adolescência, foi descoberto que ela tem uma inflamação nas juntas, no quadril. Foi muito triste. Ela ficou afastada por um ano. Quando a doença começou, ela passou um tempo na cadeira de rodas porque sentia muita dor. Mas depois, como via o meu desenvolvimento no paralímpico, percebeu que o mundo não acabou para a gente por causa da deficiência.

Como é a troca entre você e sua filha na carreira dentro do esporte?
A gente se fala o tempo todo e o coração fica a mil. Além de mãe, a vontade é de estar lá jogando por ela. Ela me pergunta sobre alguma atleta que era da minha época e ainda joga. Eu tento passar o que eu me lembro e, na parte psicológica, dou o meu apoio, a minha força. Ela fala das coisas que sente e são muito parecidas com o que eu sentia. Então, conversamos sobre o que eu fazia para melhorar a ansiedade.

Do tênis de mesa para o tiro com arco 

As doenças e o luto pela mãe fortaleceram ainda mais os laços familiares. Quando voltou ao esporte, com a vaga assegurada para os Jogos Paralímpicos de Londres-2012, a Seleção Brasileira de tênis de mesa se mudou para São Paulo. “Todos da minha família ficaram comigo e deram todo o apoio na fase mais difícil da minha vida. Decidi ficar próxima da minha família e procurar outro esporte”, lembra. Jane buscou uma modalidade que pudesse treinar na capital goiana. Encantou-se pela esgrima, mas viu que teria de se mudar para o Sul do país para se aperfeiçoar. Foi quando conheceu o tiro com arco.

No início de 2015, entregou-se de corpo e alma à nova modalidade. “Faltava dormir no treino. Levava a marmitinha e passava o dia inteiro. Treinava até de noite, com o farol do carro ligado”, conta. Logo na primeira seletiva que disputou para os Jogos Parapan-Americanos de Toronto, ganhou o ouro. Também subiu ao lugar mais alto do pódio na maior competição das Américas e, com isso, conseguiu se classificar para as Paralimpíadas do Rio-2016. “Esse foi o momento mais marcante da minha carreira, porque eu tinha desistido de tudo para começar do zero. Foi tudo em cima da hora”, emociona-se.

A sexta colocação de Jane Karla no Mundial da Holanda de 2019 garantiu a classificação para o Brasil nas Paralimpíadas de Tóquio. Como a vaga no tiro com arco é do país, a atleta aguarda a convocação oficial para confirmar a participação dela nos Jogos. Até Tóquio, a arqueira terá três competições: o Parapan da modalidade, em março, em Monterrey, no México; e duas etapas do Mundial, em abril, em Tucson, nos Estados Unidos; e em junho, em Nové Mesto, na República Tcheca.

582 pontos

Recorde mundial estabelecido por Jane Karla no Torneio de Nimes, na França, em janeiro

Curiosidade

As mulheres não podiam participar nem assistir aos Jogos Olímpicos da Antiguidade, do século VIII a.C. ao século V d.C. 
Só era permitida a presença de mulheres sacerdotisas, consideradas “mensageiras dos deuses” para dar boa sorte aos competidores. Elas também eram responsáveis pela entrega das coroas de oliveira aos campeões.

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