Correio Braziliense
postado em 05/03/2020 04:17
Uma alteração nas regras de classificação tirou Beth Gomes das Paralimpíadas do Rio-2016. Quatro anos depois, a frustração está perto de ser compensada. Agora, ostentando o título de campeã e recordista mundial do lançamento de disco da classe F-52 (para cadeirantes), ela alimenta a expectativa de estrear no atletismo dos Jogos Paralímpicos de Tóquio, de 25 de agosto a 6 de setembro. Aos 55 anos, a brasileira debutará na modalidade como uma das favoritas ao ouro.O status foi confirmado após o ouro no Mundial de Atletismo de Dubai, disputado em novembro de 2019. Mais velha entre os brasileiros no campeonato, Beth foi campeã com direito a quebra de recorde pela terceira vez na temporada. Os 16,89 metros do lançamento ultrapassaram os 16,67 metros que ela mesma havia alcançado em uma etapa do Brasileiro, um mês antes, e que a credenciava às Paralimpíadas de Tóquio.
“Está sendo um momento mágico da minha carreira, até pelo que passei em 2016. A gente estava dentro das Paralimpíadas do Rio e, por uma infelicidade, os classificadores internacionais tiraram a minha categoria e eu fiquei fora”, lamenta. Beth Gomes foi classificada na classe F55, que acabou não tendo prova naquela edição dos Jogos. “Se a prova tivesse ocorrido, eu teria chances de medalhas. Mas tudo isso passou, dei a volta por cima e estou bem para Tóquio, a minha primeira pelo atletismo.”
O auge na carreira com mais de cinco décadas de vida rendeu à Beth o apelido de Fênix, por se reinventar a cada dia. Além do desempenho de sucesso no campo de atletismo, ela disputa uma batalha dura no dia a dia contra a esclerose múltipla. “É uma doença autoimune, degenerativa. Sempre digo que ela é minha amiga, tem de andar ao meu lado, mas eu tenho de vencê-la”, explica.
O esporte sempre esteve presente na vida de Elizabeth Rodrigues Gomes. Nascida em Santos, litoral paulista, ela praticava vôlei desde os 14 anos. Não seguiu carreira profissional no esporte, mas logo se inseriu no time de vôlei da guarda-civil da cidade natal, em que foi tricampeã dos Jogos dos Servidores Públicos.
Aos 27 anos, sofreu uma queda ao pular uma poça d’água, que gerou uma fratura na tíbia. A gravidade da lesão e a demora na recuperação pareciam incompatíveis com o tamanho do acidente. Após investigações médicas, o diagnóstico de esclerose múltipla foi confirmado. Com o avanço da doença, Beth passou a caminhar com a ajuda de muletas. Mas depois ela perdeu o movimento das pernas em um surto da esclerose. “No momento em que o médico me disse que eu não poderia mais jogar vôlei, foi a morte para mim”, conta a atleta.
Quem é ela
Nome: Elizabeth Rodrigues Gomes
Modalidade: atletismo – lançamento de disco e arremesso de peso – classe F52 (para cadeirantes sem controle total de tronco e deficiências dos membros superiores)
Idade: 55 anos
Naturalidade: Santos (SP)
Participações olímpicas: Pequim-2008 no basquete em cadeira de rodas
Principais títulos: ouro no lançamento de disco do Mundial de Atletismo de Dubai-2019, com quebra de recorde na prova; ouro no lançamento de disco nos Jogos Parapan-Americanos de Lima-2019; bronze no arremesso de peso no Mundial de Doha-2015; ouro no lançamento de disco e prata no arremesso de peso nos Jogos Parapan-Americanos de Toronto-2015.
Da depressão ao topo dos pódios
“Pensava que a esclerose múltipla acabaria comigo. Fiquei dois anos em depressão, tentei tirar minha vida, eu não aceitava. Foi quando eu conheci o esporte paralímpico”Beth Gomes, atleta paralímpica
Então veio o período em que nada fazia sentido. “Fiquei dois anos em depressão, tentei tirar minha vida, eu não aceitava”, conta. Foi quando a chamaram para jogar basquete em cadeira de rodas. De primeira, ela rejeitou o convite. “Disse que, se eu não posso jogar vôlei, também não poderia jogar basquete. E eu não gostava de basquete.” Na semana seguinte, ela resolveu ceder. Os treinamentos do basquete sobre rodas eram exatamente na mesma quadra em que ela cresceu jogando vôlei.
“Quando eu entrei na quadra, passou todo aquele filme. Eu revivi o momento do meu último campeonato em que fomos tricampeãs de vôlei, teve muito choro”, emociona-se. Passada a resistência, Beth percebeu que a paixão dela se estendia ao esporte de forma geral. Logo ela começou a gostar do basquete. Com dois meses, era titular da equipe do Santos, que jogava o Campeonato Paulista masculino.
Depois foi contratada pelo São Paulo para jogar na equipe feminina e recebeu convocação da Seleção Brasileira, que defendeu até 2010 após disputar as Paralimpíadas de Pequim-2008. “Foi um sonho realizado defender as cores do meu país dentro das Paralimpíadas, uma emoção muito grande que jamais vai sair de dentro de mim, da minha história”, orgulha-se.
Dois anos antes das Paralimpíadas de Pequim, Beth sofreu novo surto de esclerose, que paralisou o lado direito do corpo e contraiu os dedos das mãos. Com a maior dificuldade para jogar basquete, aventurou-se no atletismo.
Evolução exige acompanhamento
Em 2011, Beth foi convocada pela delegação brasileira de atletismo para o Parapan-Americano de Guadalajara, no México. Em 2017, um novo surto paralisou o lado esquerdo do corpo. A cada sequela, uma nova classificação. Foi assim que passou a competir na classe F52.
“É sempre inesperado um surto, uma sequela e isso me preocupa todos os dias, porque não sei se amanhã estarei bem. Mas lógico que tenho um tratamento todo específico para mim, que eu levo a sério, para que eu possa estar sempre em boa performance na minha patologia”, desabafa.
Cada uma dessas batalhas dentro e fora do campo de atletismo são capítulos de uma história digna de virar livro. “Depois de Tóquio, vou lançar um livro com a história da minha vida. Minha palavra sempre é gratidão por tudo que aconteceu na minha vida”, avisa, mesmo sem ainda saber o desfecho que terá na capital japonesa.
Curiosidade
Na primeira edição dos Jogos Olímpicos da Era Moderna, em 1886, Stamata Revithi fez o percurso da maratona do lado de fora do estádio em protesto à proibição das mulheres de competirem no evento. Stamata terminou o trajeto mais rápido inclusive que alguns competidores, mas chegou a ser vaiada ao fim da maratona. Na edição seguinte, a de Paris-1900, mulheres competiram como “participantes extraoficiais” no tênis e no golfe.
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