postado em 08/07/2009 09:43
O analista de sistemas Josinei Ferreira da Costa, 28 anos, desliza com desenvoltura as mãos pelas teclas, extraindo do piano elétrico uma melodia que ficou conhecida na voz da cantora Maria Bethânia. O aluno da Escola de Música de Brasília já guarda na memória um vasto repertório da MPB ; seu gênero musical preferido ;, mas sofre com a dificuldade para aprender novas canções. Cego, ele depende de partituras em braille para ler as notas. ;Muitas vezes, escuto uma música que gostaria de tocar, mas não consigo;, conta. Foi pensando em pessoas como ele que a professora de música Dolores Tomé teve a ideia de criar o Musibraille, um software que permite transcrever partituras para o sistema de escrita tátil. ;Queremos dar a oportunidade para pessoas cegas terem as mesmas ferramentas das pessoas com visão normal, lendo partituras, escrevendo e compondo;, explica. O programa, que será lançado hoje, às 10h, na Biblioteca Nacional, faz parte de um projeto que busca capacitar profissionais da área musical que trabalham com alunos portadores de deficiência visual. ;Há uma falsa ideia de que os professores que ensinam cegos precisam saber braille. Isso não é verdade. E o programa vem ajudar nesse aprendizado;, conta Dolores.
O software foi desenvolvido com o professor do Núcleo de Comunicação Eletrônica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Antônio Borges. Permite que uma pessoa sem deficiência transcreva, de forma automática, uma canção para o braille. Para isso, basta digitar a partitura e acionar o comando de conversão. O aluno também pode utilizar o próprio teclado do computador para transcrever a música. Para isso basta usar as letras S, D, F, J, K e L. ;É por isso que as teclas F e J sempre apresentam um pequeno relevo, para que os cegos tenham um ponto de referência para se localizar;, explica Dolores. A partir das seis teclas, o usuário segue, então, a lógica do sistema braille, que se baseia numa combinação de seis pontos para formar letras ou, nesse caso, as notas musicais.
Evolução do aprendizado
Caso o usuário queira conferir o que acabou de escrever, basta apertar o botão F5 para que uma voz eletrônica dite o que foi produzido. Caso ele prefira, também pode escutar a sua produção em midi (formato digital que padroniza o som de instrumentos musicais e equipamentos eletrônicos como piano, guitarras e sintetizadores). ;Dessa maneira, a pessoa com deficiência sabe se escreveu certo ou errado e o professor pode acompanhar de perto a evolução do aluno, vendo se ele está conseguindo ;tirar; corretamente as notas de uma música;, aponta Dolores.
;Outra facilidade oferecida é a transcrição para a forma gráfica (pauta), que permite que uma pessoa que não seja cega ; e trabalhe com o músico cego ; possa ter acesso instantâneo e compartilhado à tradução para pauta da partitura braille;, explica Borges, responsável pelo desenvolvimento técnico do programa. Totalmente desenvolvido em código aberto, o software pode ser alterado para se adequar às necessidades de cada pessoa que o baixar.
Caso o estudante ou professor queira imprimir as partituras em braille, é necessário ter uma impressora especial que reproduza documentos nessa linguagem. Elas custam bem mais caro que as convencionais ; em torno de R$ 12 mil ;, mas associações e escolas especiais para deficientes visuais contam com esse tipo de equipamento. Segundo Dolores, não existe uma grande variedade de programas de computador disponíveis no mercado para transcrição musical em braille. ;Os poucos disponíveis são caros e não estão disponíveis em português, o que impede uma maior disseminação entres os usuários brasileiros;, diz. O estudante de música Josinei está entusiasmado com a nova ferramenta. ;O programa nos ajudará muito, pois conseguiremos ter a música que queremos tocar, sem precisar depender de outras pessoas.;
Oficina de Musibraille
- Capacitação de profissionais que trabalham com músicos e estudantes portadores de deficiência visual, com distribuição gratuita do software (também disponível em www.intervox.nce.ufrj.br/musibraille)
- De hoje a sexta-feira, a partir das 10h, na Biblioteca Nacional (Setor Cultural Sul, lote 2)
- Mais informações: 3325-6131