Igor Silveira
postado em 20/11/2009 09:32
Alheios às marcas famosas que produzem instrumentos e equipamentos musicais em escala industrial, alguns músicos aderiram à filosofia do "faça você mesmo". Com o avanço da tecnologia e a democratização das informações, esses apaixonados por música dedicam tempo e esforço para a construção de guitarras, baixos, pedais de efeito e caixas amplificadas. As vantagens? Os luthiers amadores garantem que são inúmeras: vão desde o preço mais em conta até a qualidade sonora mais apurada, passando pelo prazer de tocar com um material personalizado.
O paulista Paulo Henrique Alziri, 45 anos, é médico e trabalha como anestesista em um tradicional hospital de BrasÃlia. Nas horas vagas, ele troca a medicina pela luthieria (1). Com madeiras recicladas ou reaproveitadas de caixas de bacalhau e móveis velhos, Alziri dá forma a instrumentos musicais que toca em uma banda formada por outros quatro médicos, uma enfermeira e um estatÃstico. A parede da oficina localizada nos fundos da casa do artista está lotada de guitarras, baixos e violões. Todos construÃdos por Alziri.
Os detalhes dos instrumentos impressionam, porque as cores e o formato de cada um deles são muito diferentes dos produtos encontrados em lojas do ramo. A colagem de vários tipos de madeira dá um efeito de mosaico muito interessante aos instrumentos de corda feitos pelo médico. O som das guitarras também chama a atenção. Paulo Alziri faz todos os modelos, como réplicas dos consagrados Les Paul, Stratocaster e Telecaster, além de outros totalmente exóticos, como um inspirado em um corpo feminino e outro na forma de um morcego.
"Eu gosto de carpintaria há muito tempo, desde criança, mas só aprendi a tocar violão em 1993. Juntei as duas paixões e fiz o meu primeiro instrumento em 2002. Muitas pessoas não entendem o valor dos trabalhos feitos à mão (handmades). É tudo feito com muito esmero, muito capricho para que o resultado seja satisfatório", explica Alziri. "O som das minhas guitarras é muito bom. Uma vez, fui ao Clube do Choro e mostrei uma que eu fiz ao Pepeu Gomes. Ele gostou tanto que queria ficar com o instrumento, mas não fabrico com o objetivo especÃfico de vender".
Internet
O músico e luthier profissional Haroldinho Mattos entende que a democratização do conhecimento para a fabricação de equipamentos musicais era algo impensável há 20 anos. Para ele, o avanço tecnológico, assim como a proliferação da internet e a facilidade para importar peças, possibilitou o crescimento da atividade de luthier amador. Mattos também sustenta que a troca de informações em comunidades na rede mundial de computadores é um impulso para melhorar a qualidade dos instrumentos.
"Antigamente, nós tÃnhamos de aprender tudo na marra. Você fazia, errava e tentava novamente até que a peça ficasse com um som legal. De qualquer maneira, a tradição dos instrumentos handmades continua muito forte, consolidada, e é importante que seja dessa maneira. É muito bom pegar uma guitarra feita sob medida, com a sonoridade imaginada e o formato desejado", afirma o músico. "Não tem jeito, enquanto o comércio aponta para a fabricação em escalas gigantescas, a corrente dos handmades continua firme e forte", completa.
Foi justamente procurando em páginas eletrônicas e fóruns de discussão na internet que o engenheiro mecânico Djalma Atanásio, 23 anos, encontrou o projeto de um pedal compressor para guitarra. A curiosidade e o gosto por circuitos elétricos também foram fundamentais para que o guitarrista passasse uma semana preparando o equipamento. Atanásio gostou tanto da "brincadeira" que está montando seu segundo pedal.
"Os equipamentos musicais handmades se tornaram um hobby. A maior dificuldade é o acabamento desses pedais, porque as fábricas têm materiais especÃficos para a finalidade que são difÃceis de encontrar. A sonoridade, porém, fica tão boa quanto as peças fabricadas em escala industrial, além de o preço ficar bem mais em conta. Para mim, o handmade é unir o útil ao agradável: gosto de montar os circuitos e preciso dos pedais para tocar", diz o engenheiro.
Superguidis
O público fica impressionado quando olha para o set de pedais de uma das bandas mais festejadas da cena de rock independente do Brasil e se depara com equipamentos montados em latinhas de cera para carro. Os quatro gaúchos que formam a Superguidis se apresentam com equipamentos fabricados pelo guitarrista do grupo, Lucas Pocamacha. O jovem de 25 anos é estudante de engenharia elétrica e coloca as teorias ensinadas na faculdade em prática fabricando guitarras, pedais e amplificadores. "As pessoas acham o lance da lata de cera tão engraçado que prestam mais atenção nos pedais do que em nossas músicas", exagera Pocamacha.
No inÃcio de 2001, o guitarrista queria um pedal do chamado efeito super fuzz. Sem dinheiro para comprar um modelo de marca tradicional, que custa, em média, R$ 300, Pocamacha resolveu fazer o equipamento por conta própria. Aproveitou os conhecimentos do curso de eletrotécnica que havia concluÃdo, gastou R$ 30 para comprar as peças necessárias e, um mês depois, estava tocando com o efeito desejado. Quase 20 pedais depois, o músico acumulou experiência suficiente para montar cada equipamento em apenas uma tarde. Além de pedais, ele também fez uma réplica da guitarra Fender, modelo Mustang, e um amplificador.
"Eu comparei o som de alguns pedais que fabriquei com os originais e gostei mais dos feitos por mim. Essa história de que os equipamentos feitos em escala industrial são melhores é mito. Os handmades são feitos com mais cuidado e podem ser alterados o tempo inteiro. Isso sem mencionar a questão do preço, que é infinitamente menor que os cobrados por marcas tradicionais. Eu gosto tanto da atividade que construà materiais suficientes para montar um estúdio. Só falta o lugar para instalar tudo", gaba-se Lucas Pocamacha.
1- Esculpindo música
Luthieria é o nome dado para a atividade artÃstica de construir ou restaurar instrumentos musicais de cordas. A expressão, antigamente, era usada para designar apenas a fabricação do instrumento árabe alaúde. Com a popularização da atividade, os fabricantes de violões, guitarras, baixos, violas e violinos também passaram a ser chamados de luthiers.
Ouça entrevista com Lucas Pocamacha, da banda Superguidis