Igor Silveira
postado em 08/02/2010 10:53
Fazer com que uma pessoa tetraplégica consiga subir escadas sem a ajuda de ninguém ou permitir que alguém que perdeu os movimentos das mãos digite um texto no computador. Existe um ramo da ciência que se dedica a proporcionar mais acessibilidade ; e, consequentemente, direito à cidadania ; aos deficientes físicos. Conhecido como tecnologia assistiva, o setor, para se desenvolver no Brasil, ainda depende de iniciativas de apoio do governo, como o edital publicado no fim do mês passado pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), órgão ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT). As propostas contempladas dividirão R$ 10 milhões, o que representa a esperança de que surjam novas soluções que ajudem na inclusão social de pessoas com algum tipo de deficiência física.
Quando o Estado patrocinou projetos na área pela primeira vez, em 2005, ferramentas importantes foram incorporadas à rotina de cadeirantes, cegos e surdos, como a bengala com um sensor que faz uma varredura no caminho seguido pelo deficiente visual e emite um alarme sonoro no caso de obstáculos. Desenvolvido pela Universidade do Vale do Itajaí (Univale), em Santa Catarina, o dispositivo traz o grande diferencial de avisar o usuário quando há a presença de objetos no alto, evitando que a pessoa bata a cabeça em orelhões e placas de trânsito, por exemplo. Alunos do Centro Universitário da Fundação Educacional Inaciana, em São Paulo, também desenvolveram uma bengala eletrônica que consegue identificar não só obstáculos, mas as cores dos objetos.
O chefe do Departamento de Tecnologias Sociais da Finep, Maurício França, explica que as tecnologias assistivas são de absoluto interesse da sociedade e que muitas empresas de pequeno e médio portes trabalham na criação de projetos do tipo. Por isso, a intervenção do governo é fundamental, já que as pesquisas tecnológicas custam muito caro. As ideias dos cientistas variam de simples protocolos fisioterápicos a softwares que auxiliam a acessibilidade. As invenções envolvem tecnologia de ponta e aparelhos que permitem uma vida com menos obstáculos a esse público.
;Na primeira vez que lançamos o edital, há cinco anos, recebemos cerca de 200 propostas e muitas ideias interessantes. Esse tipo de ajuda financeira é fundamental para que o país tenha avanços significativos no campo da ciência. Não estamos interessados em apoiar, por exemplo, controles automáticos para abrir ou fechar uma cortina. Estamos falando de projetos prioritários, que vão melhorar a vida de milhões de pessoas;, garante França. Ele ressalta, ainda, que os estudos podem levar ao desenvolvimento de equipamentos mais baratos e acessíveis a uma grande parcela da população que acaba excluída por causa do baixo poder aquisitivo.
Readaptação
O jornalista Fábio Grando, 25 anos, sofreu um acidente em 2006. Durante um churrasco com amigos, ele bateu a cabeça no fundo de uma piscina e fraturou duas vértebras. Resultado: Grando ficou tetraplégico e, quatro anos depois, mesmo com o movimento dos braços recuperados e a volta da sensibilidade nas pernas, ainda é bastante dependente, porque não consegue mover as mãos. Simples tarefas como segurar um copo ou digitar um texto demandam grande esforço. No hospital de reabilitação Sarah Kubitschek, em Brasília, onde o jornalista ficou internado logo após o trauma, ele passou a usar um adaptador para comer. Depois, recebeu uma munhequeira desenvolvida para que pudesse manusear o teclado do computador com tranquilidade.
;Essas ferramentas foram tão importantes que, atualmente, consigo usar os talheres sem qualquer recurso. Ou seja, aquelas talas adaptadas me ajudaram a retomar atividades que a perda da habilidade mecânica não me permitia mais;, comemora o jornalista, apaixonado por futebol e torcedor ardoroso do Grêmio. Grando ainda utiliza os adaptadores para digitar e é com a destreza no uso dessas ferramentas que ele alimenta o blog(1) de uma campanha criada para angariar fundos com objetivo de ir aos Estados Unidos participar de um tratamento no centro de recuperação Project Walk. O lugar, em San Diego, Califórnia, também trabalha com métodos diferenciados e aparelhos inovadores na tentativa de treinar os espasmos para que esses se tornem movimentos controláveis pelos deficientes.
A rede de hospitais Sarah Kubitschek também investe em pesquisas de projetos maiores. A cadeira de rodas vertical ficou famosa depois de uma reportagem na tevê com o músico Herbert Vianna, que se tornou paraplégico em um acidente de ultraleve em 2001. O dispositivo permite que o cadeirante se locomova em pé, mas o uso só é permitido depois que os pacientes passam por longas baterias de testes, pois o comportamento dos ossos muda depois de uma lesão na medula. Assim, a cadeira de rodas vertical proporciona à pessoa que não possui os movimentos dos membros inferiores a assumir uma postura com o campo visual na mesma altura das pessoas que andam. Os equipamentos desenvolvidos pelo hospital, no entanto, não são comercializados e são utilizados apenas por pacientes da instituição.
Outra cadeira de rodas com tecnologia de ponta é a iBot. A invenção, comercializada apenas nos Estados Unidos, pode funcionar sobre duas ou quatro rodas, o que permite ao cadeirante a se locomover em pé. A iBot também oferece a vantagem de, por meio de sistema de travas, freios e rodas adaptadas, permitir que o usuário suba e desça escadas e ande em terrenos irregulares com facilidade. Também destinada aos cadeirantes, para que o deficiente físico consiga usufruir da praia, há no mercado uma cadeira de rodas adaptada especialmente para transitar na areia. As rodas são maiores e o material do acento é diferente dos convencionais, absorvendo melhor a água e o salitre.
Aula facilitada
Não são apenas paraplégicos e tetraplégicos os beneficiados pela tecnologia assistiva. Um projeto desenvolvido na Universidade de Brasília (UnB), com o apoio da Finep, ajuda na inclusão social de surdos. O recurso é um software que funciona como uma aula para surdos e ouvintes aprenderem e aprimorarem o uso da Língua Brasileira de Sinais (Libras). Com frases e situações mais complexas, o programa de computador, batizado de Bilingue, consegue melhorar a qualidade do material de ensino, geralmente precário, e aprimora as performances dos professores que dão aulas em turmas com surdos.
Domingos Sábio, professor da Faculdade de Psicologia da UnB, onde o software é utilizado em um projeto de extensão, destaca que o Bilingue consegue trabalhar com frases de estruturas mais completas e imagens em movimento. Essas situações são descritas em português e na Libras. ;Estamos procurando uma maneira de ampliar o software para que outras instituições de ensino possam utilizá-lo. O grande entrave desse projeto é que nem todas as escolas têm computador ou estão conectadas à rede mundial de computadores, o que impossibilita, por enquanto, a expansão do programa;, pontua Sávio.
1 - Para ajudar
O endereço do blog mantido por Fábio Grando é fabiogrando.blogspot.com. Lá, estão informações sobre a campanha Bora, Fabito, o acidente sofrido pelo jovem, além de uma explicação mais detalhada sobre o Project Walk. Para conseguir ficar no centro de recuperação por 180 dias, tempo mínimo permitido, o jornalista precisa de US$ 55 mil. Doações, em qualquer valor, podem ser feitas por meio de depósito no Banco do Brasil, agência 3596-3, conta corrente 9411-0, em nome do próprio Grando.