Igor Silveira
postado em 15/03/2010 11:09
O diário fotográfico alimentado, em 2007, na internet, por Gabriela*, 29 anos, servia para manter amigos e familiares informados sobre a vida dela. Cada imagem postada era comentada carinhosamente por pessoas que fazem parte do círculo de convivência da moça. Na época, ela era noiva, mas, por um desses imprevistos da vida, rompeu o relacionamento. Pouco tempo depois, se interessou por outro rapaz e começou a namorá-lo. Aquele acontecimento foi o início de uma fase que Gabriela quer esquecer. Sua página eletrônica foi invadida por uma grande quantidade de mensagens ofensivas, todas anônimas, enviadas diariamente. Os perfis que ela mantinha em redes sociais também foram alvos de ataques. A jovem foi vítima de uma forma de violência psicológica que costumava ocorrer apenas no mundo real, mas que, recentemente, vem se tornando frequente também no campo virtual: o bullying ; agora, o cyberbullyng.O cientista sueco Dan Olweus, na década de 1970, estudou o fenômeno que, naquele tempo, era comum apenas nas escolas e envolvia crianças e adolescentes. Durante a pesquisa, o especialista listou as três principais características do comportamento: ações agressivas, ocorrências repetidas e uma relação em que o agressor tem mais poder que a vítima. Com a popularização dos meios eletrônicos, o bullying da maneira como era conhecido ganhou uma variação mais perigosa. Não há mais uma faixa etária visada e a perseguição não termina em casa ou longe das ruas. A rede mundial de computadores não só multiplica o assédio como o mantém 24 horas por dia. Outro aspecto perigoso é a invisibilidade dos responsáveis pelo cyberbullying, que costumam ficar no anonimato ao realizar os ataques.
Quando as ofensas começaram a ser publicadas na página eletrônica de Gabriela, a jovem tentou respondê-las. Devido à enxurrada de ataques, desistiu e chegou a levar o caso à polícia. Sem grandes resultados, foi obrigada a tirar o diário fotográfico virtual do ar. ;Me senti violentada duas vezes. Primeiro, fui muito insultada nas mensagens. Depois, fui obrigada a abrir mão de algo que me dava prazer, para evitar que os ataques a minha pessoa continuassem;, lamenta. ;Além disso, não foi tão fácil retirar a página do ar. Precisei entrar em contato com a empresa responsável por abrigar o site e todo o processo demorou cerca de quatro meses;, completa.
Na Europa, o cyberbullying é considerado um problema gravíssimo. Uma pesquisa desenvolvida na Universidade de Gotemburgo, na Suécia, mostrou que 10% dos alunos do ensino fundamental são alvos do problema. O trauma causado por esse tipo de ataque pode ser perigoso, de acordo com Aderson Costa, professor do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília (UnB). ;O impacto depende do perfil de cada indivíduo, e o histórico familiar, por exemplo, conta muito nessa situação. Em casos mais graves, com ataques crônicos e mais agressivos, a criança ou o adolescente pode ter perda de contato social, alto nível de ansiedade e quadros de depressão;, explica Costa.
Providências jurídicas
Joana*, 25 anos, também foi alvo de cyberbullying. Há dois anos, alguém criou um perfil falso se passando por ela em uma página de relacionamentos. Além dos dados pessoais copiados, ela teve as fotos utilizadas indevidamente. ;Era perfeito. Colocaram fotografias da minha família e até do meu cachorro. A pessoa falava com meus amigos e com outros internautas que eu não conhecia como se fosse eu e não parou de agir assim nem quando a denunciei para a direção do site;, conta. Joana diz que ficou tão preocupada com a situação que pensou em tomar providências na Justiça, mas acabou desistindo. ;Não valia a pena. Agora, sou mais cuidadosa com o que deixo disponível na internet sobre mim;, ressalta. Depois de um tempo, a página foi tirada do ar ; Joana não sabe até hoje se o agressor simplesmente cansou ou se o site providenciou a retirada do material.
A advogada Gisele Truzzi é sócia do Patricia Peck Pinheiro Advogados, escritório especializado em direito digital. De acordo com ela, o número de casos de cyberbullying vem aumentando nos últimos anos e, apesar da dificuldade em descobrir o responsável pelos ataques, é possível, sim, processar o autor do assédio moral. As acusações mais comuns são de crimes contra a honra e o acusado pode ser condenado por calúnia, injúria e difamação. Se o agressor for menor de idade, ele é responsabilizado pelo ato infracional e está sujeito ao cumprimento de medidas socioeducativas. Os pais do menor também podem ser obrigados a pagar indenização à vítima.
[SAIBAMAIS];Quando se está sendo alvo de cyberbullying, o primeiro passo é guardar cópias das páginas que contêm as ofensas, porque elas poderão servir como provas. Independentemente do grau de agressividade dos ataques, é importante registrar um boletim de ocorrência na delegacia mais próxima à residência. Os autores das ofensas tendem a escolher o anonimato. No entanto, na internet, é muito difícil sumir com todos os vestígios, e os recursos para as investigações são sofisticados. As pessoas responsáveis por promover o cyberbullying precisam ficar atentas e lembrar que tudo feito na web ganha uma repercussão maior e a reputação, mesmo que virtual, tem de ser preservada;, destaca.
*Nomes fictícios para preservar a identidade das vítimas
"Me senti violentada duas vezes. Primeiro, fui muito insultada nas mensagens. Depois, fui obrigada a abrir mão de algo que me dava prazer, para evitar que os ataques a minha pessoa continuassem"
Gabriela*, 29 anos
Palavra de especialista
Até síndrome do pânico
O cyberbullying é uma prática muito cruel. Os responsáveis por esses ataques se multiplicam na internet e acabam se transformando em uma verdadeira rede de perseguição. A vítima fica extremamente insegura e vulnerável. Ela se sente impotente por não controlar as informações mentirosas que circulam na web. O sofrimento é grande, porque a pessoa passa por uma experiência negativa profunda e vê essa humi-lhação ser divulgada para todo o mundo. Nesses casos, é comum que o paciente desenvolva até um quadro de síndrome do pânico. A psicologia, portanto, trabalha no sentido de desenvolver estratégias de proteção para que a pessoa que sofre com o cyberbullying possa recuperar a rotina normal.
Rosane Correia e Silva, psicóloga