postado em 24/03/2010 07:00
O caldo entornou. A tensa relação entre o governo chinês e a Google, até então levada em banho-maria, parece ter chegado ao limite, com a decisão da gigante norte-americana, tomada na segunda-feira, de redirecionar as buscas em mandarim para servidores instalados em Hong Kong. As autoridades do país asiático garantiram que não haverá reflexo nas relações diplomáticas com Washington, mas possíveis represálias ao site de pesquisas não foram descartadas. Ontem, ao falar com jornalistas, Qin Gang, porta-voz do Ministério de Assuntos Exteriores, preferiu o silêncio quando foi questionado sobre medidas que o governo chinês poderia tomar contra a empresa.;Vincular isso com as relações entre China e Estados Unidos ou com a imagem internacional chinesa é como matar moscas com tiros de canhão. Esse é um mero caso individual. (O governo) administra a rede da internet de acordo com a lei e as práticas internacionais;, declarou o porta-voz. ;(A internet) está completamente aberta, mas as autoridades vão limitar qualquer conteúdo que danifique a segurança nacional ou os interesses sociais. Se quer fazer negócios na China, a empresa deve respeitar as leis e regulações;, completou durante uma entrevista coletiva realizada ontem.
A medida da Google de redirecionar as buscas foi uma tentativa de driblar a censura imposta às ferramentas Google Search, Google News e Google Images. A estratégia, é claro, não agradou à China, que, por meio de um porta-voz do Escritório de Informação do Conselho de Estado, acusou a empresa de quebrar uma promessa feita por escrito, quando o site começou a funcionar no país, em 2006.
O governo chinês, aliás, agiu rápido para evitar que os conteúdos censurados no Google pudessem ser acessados com a transferência de dados para Hong Kong. Até o fechamento desta edição, por exemplo, a busca por palavras ou expressões que remetessem a assuntos proibidos no país, como ;Tibet;, nomes de alguns movimentos religiosos e a famosa manifestação pela democracia na Praça Paz Celestial, em 1989, não era completada e mensagens de erros ou problemas na conexão apareciam no programa de navegação na internet.
Do lado ocidental, Jimmy Wales ,um dos fundadores da enciclopédia colaborativa Wikipedia, elogiou a postura do Google e ressaltou que outras empresas do segmento deveriam juntar-se ao movimento para defender a liberdade de expressão. A companhia de Wales também foi vítima de censura na China porque as informações disponíveis na página eletrônica não agradavam ao governo do país. A Wikipedia chegou a ser proibida integralmente na China. ;Viva o Google. O Yahoo, a Microsoft e o Facebook também deveriam apoiar a decisão: liberdade de expressão é importante;, manifestou-se o empresário, por meio do microblog Twitter.
Situação delicada
Há algumas semanas, a relação entre Google e China parecia estar menos tensa. No início de março, as autoridades chinesas chegaram a prometer punição caso os hackers responsáveis por ataques contra a empresa fossem de chineses. Em entrevista ao jornal espanhol El País, o vice-ministro da Indústria e da Tecnologia da Informação, Miao Wei, disse, na época, que o país não concorda com os ataques na internet, até porque é vítima constante do crime. E continuou: ;Se a Google tem provas de que os ataques foram causados por chineses, o governo vai punir os responsáveis, em conformidade com a lei. Nós encorajamos a empresa a permanecer conosco. Basta que a Google se adapte às regras chinesas;.
Enquanto isso, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, permanece em meio ao fogo cruzado. O chefe de Estado norte-americano não gostaria de enfrentar a ;toda-poderosa; Google, uma das empresas mais influentes do mundo. Quanto à China, Obama busca evitar estremecer a delicada relação com o país. Há pouco mais de um mês, o presidente norte-americano encontrou-se com o líder espiritual tibetano, dalai-lama. As críticas por parte das autoridades chinesas foram duras. Um comunicado oficial chamou o encontro entre o presidente e o religioso de ;grosseira violação das normas internacionais;.
; Entenda o caso
Excesso de controle
As divergências entre Google e China se intensificaram no ano passado, quando a empresa acusou o governo do país de exagerar no controle do conteúdo na rede mundial de computadores. Em 12 de fevereiro deste ano, o site de busca confirmou, por meio de uma nota oficial, a intenção de deixar o país depois de ter sofrido com ataques de hackers. Segundo o documento, os criminosos teriam invadido contas de e-mail de ativistas que advogam em favor de causas relacionadas aos direitos humanos. Em resposta à Google, o governo chinês deu de ombros e retrucou afirmando que o país não precisava do buscador. Apesar de a China ser um mercado extremamente sedutor, o Google, diferentemente do que acontece em quase todo o mundo, não é o site de buscas mais acessado no país. A empresa fica atrás da Baidu, responsável por 60% desse segmento.