Tecnologia

História monitorada

Grupo de pesquisadores da Universidade de Sevilha cria sistema que permite o controle do estado de conservação de monumentos a distância. Sensores instalados na base das obras conferem dados como corrosão, temperatura, umidade e intensidade do vento

Igor Silveira
postado em 31/03/2010 07:00

<i>A escultura Giraldillo (acima) foi restaurada antes de ser recolocada no alto da catedral de Santa María, em Sevilha. Durante o processo, os pesquisadores aproveitaram para instalar os sensores de monitoramento</i>A Catedral Metropolitana de Nossa Senhora Aparecida, obra-prima do arquiteto Oscar Niemeyer, foi inaugurada, em maio de 1970, na Esplanada dos Ministérios, 10 anos após a fundação da capital federal. Atualmente, quem passa pela suntuosa construção se depara com a estrutura coberta por uma capa protetora que faz lembrar um véu de noiva. O templo está sendo submetido a uma reforma para os 50 anos de Brasília. A conservação de patrimônios históricos e culturais é um dos principais desafios para as entidades responsáveis. Para ajudar nessa árdua tarefa, pesquisadores da Universidade de Sevilha, na Espanha, desenvolveram um sistema que permite o monitoramento de monumentos por controle remoto. Dessa maneira, os cientistas obtêm, à distância, informações sobre o estado de conservação e podem discutir o melhor planejamento para manter o bom estado da obra.

Na base de cada construção, os especialistas instalam sensores que conferem a existência de corrosão e sua gravidade, além de posicionarem sondas para avaliar a temperatura e a umidade. Todos esses dados ficam centralizados em um terminal, que envia os resultados diretamente para os pesquisadores. O sistema conta, ainda, com o registro da velocidade e da direção do vento. As vibrações sofridas pelos monumentos também são captadas por meio de acelerômetros. Com o relatório completo em mãos, os pesquisadores iniciam um plano de metas com as prioridades para preservação dos bens.

O primeiro teste desse sistema de monitoramento foi realizado na escultura Giraldillo, de 3,5m e 128kg, que fica no topo da torre dos sinos da catedral de Santa María, em Sevilha. Em 1999, a obra precisou ser restaurada e todo o processo durou seis anos. Antes de colocarem a estrutura de bronze, em 2005, de volta ao lugar, os cientistas instalaram o equipamento. Em uma edição recente da revista Structural Health Monitoring, os engenheiros responsáveis pelo projeto divulgaram os resultados da experiência. Eles chegaram à conclusão, por exemplo, de que é necessário rajadas de vento de, pelo menos, 36km/h para que a estátua se mova. Eles também explicaram que a observação dos dados apontou que não foram registrados valores anormais nas frequências de vibração.

Mário Solís, professor da Escola Superior Técnica de Engenharia e líder do experimento, ressaltou que o sistema pode, perfeitamente, ser utilizado em outros monumentos para monitorar as ações e condições meteorológicas. ;O sistema fornece informações bastante precisas de grande interesse para o estudo do comportamento e estado de conservação do Giraldillo;, avaliou Solís, em entrevista à agência de notícias The Scientific Information and News Service. ;Eu também acredito que essa ferramenta pode ser muito útil, no futuro, para o exame de equipamentos aeronáuticos e espaciais;, completou.

No Brasil
As notícias sobre danos em patrimônios históricos e culturais no Brasil, infelizmente, não são raras. Algumas obras chegam a tal ponto que restaurações não são suficientes para a recuperação. Um dos órgãos responsáveis pela fiscalização desses bens nacionais é o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Lá, os especialistas trabalham para preservar um grupo muito extenso de bens brasileiros, que inclui cerca de 21 mil edifícios tombados e mais de 1 milhão de objetos, como acervos de museus de todo o país. A tarefa, claro, é bastante complicada e exige investimentos e mão de obra qualificada.
José Leme Galvão, arquiteto do Iphan, observa que a tecnologia no segmento de conservação de bens históricos é dominada também no Brasil. No entanto, a aplicação não é extensiva em território nacional e conta, apenas, com experimentos em alguns estados, como na Bahia. A capacidade de armazenamento de dados e os ajustes de sensores para obter as informações não são recursos tão novos. Mesmo assim, a reunião dessas possibilidades e a montagem dos sistemas ainda são muito caros e pouco utilizados para esse fim. Galvão garante, no entanto, que a análise dessas informações é essencial para entender a dinâmica dos desgastes de construções e monumentos valiosos.

;O uso da tecnologia nesse caso é absolutamente fundamental para a conservação do patrimônio histórico e cultural. Não são dados que podem ser dispensados. Podemos fazer uma comparação com um paciente que chega ao hospital. É muito importante que ele seja monitorado e que os médicos recebam relatórios para que a vida da pessoa seja salva. Agora, claro, que algumas boas análises do estado de determinados monumentos e prédios podem ser produzidas por meio de exames periódicos. Mas vale o alerta de que todos os tipos de informações que os especialistas puderem obter ajudam a montar uma boa estratégia para a melhor conservação das obras no Brasil ou em qualquer lugar do mundo;, defende Galvão.

Palavra de especialista

Chance de intervenção
Quanto mais informações sobre o ambiente onde está o monumento, melhor para a conservação. Em Brasília, por exemplo, uma cidade que é patrimônio cultural da humanidade, não há qualquer tipo de controle em relação a isso. Os prédios históricos foram construídos sem um sistema que fornecesse essas informações e continuam sem, mesmo depois de tanto tempo. Quando o profissional tem os dados em mãos, uma possível intervenção é mais fácil. Veja o exemplo que ocorreu na Rodoviária do Plano Piloto, no local conhecido como Buraco do Tatu. Aquela estrutura foi levantada em um sistema de construção deficiente e aquele problema, em 2006, podia ter sido descoberto antes se os responsáveis tivessem as informações sobre o estado do local.
Antonio Nepomuceno é professor da faculdade de engenharia
civil da UnB

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