Tecnologia

O "pai" de todas as redes sociais

postado em 16/04/2010 07:00
No tempo dos bits e bytes, quando as histórias começam e terminam apenas no mundo virtual, em orkuts, facebooks e twitters da vida, é até difícil imaginar que alguém se comunique via radiotransmissão. Sons que atravessam o ar, não se perdem graças a repetidoras e chegam, até mesmo, ao outro lado do mundo (1) ainda existem. Os radioamadores, personagens do que se pode classificar como o ;pai; das redes sociais, seguem com seu hobby que, muitas vezes, ajuda a salvar vidas. Eles são cerca de 34 mil no Brasil ; quase nada, perto dos 6 milhões em todo o planeta ; e 1,4 mil apenas na capital federal, mas fazem muito barulho em suas bandas de transmissão.

Presidente da liga de radioamadores brasileiros, Gustavo começou com a paixão em 1978: O engenheiro civil Gustavo de Faria Franco, 57 anos, é um dos apaixonados pelo radioamadorismo. Começou em 1978 e hoje é diretor da entidade que representa os radioamadores no país, a Liga de Amadores Brasileiros de Rádio Emissão (Labre). ;A satisfação de falar com qualquer pessoa por esse meio é imensa, muito melhor que mandar um torpedo via celular ou um e-mail;, diz. Gustavo reconhece que as novas formas de comunicação, entre elas a internet, facilitaram a vida de muita gente ; inclusive, a dos radioamadores. Ele acredita, no entanto, que a evolução tecnológica deveria estar longe das tomadas. ;O homem estudou muito tempo para fazer a transmissão de dados sem fio. Agora, porém, tudo depende da energia elétrica;, comenta.

No radioamadorismo, cada um é uma mistura de letras e números: ZW1OAS, CT2HKY, PT2ADM. Os três primeiros caracteres indicam o lugar onde a pessoa mora ; no caso de Brasília, PT2. Um dos principais hábitos dessa turma é desafiar as fronteiras e entrar em contato com radioamadores de outros países. Gustavo é um colecionador de conquistas desse tipo, Tem em casa uma pilha de ;diplomas;, espécie de cartão-postal que atesta a conversa com colegas de terras longínquas.

Além das ;chamadas; de longa distância, os radioamadores se reúnem em horários predeterminados para as rodadas. São como encontros no rádio, alguns com temas específicos ; tem a rodada da Labre, a do chimarrão, a da bota e por aí vai. No mundo virtual, são como as comunidades específicas existentes nas redes sociais. Mas cuidado: não é permitido falar de política, comércio, dinheiro e futebol. Nada de disputas. O espaço é para falar de ;abobrinhas;. Ou de grandes acontecimentos. O astronauta brasileiro Marcos Pontes, que foi ao espaço em 2006, ficou em contato com radioamadores de todo o país durante parte de sua estada fora da Terra.

;Fiquei até as 4 horas da madrugada tentando ouvi-lo, mas não consegui;, lembra o servidor público Goiran Oliveira Rocha, 43 anos. Quem conseguisse também ganharia um ;diploma;. Goiran começou com o hobby no fim dos anos 1980 e agora tenta repassar a paixão pelas antenas para os filhos. Yago Oliveira Rocha, 17 anos, já tem seu indicativo de radioamador e promete seguir os passos do pai. ;Comecei a gostar do rádio aos 15 anos. Pedia para mexer nos aparelhos, às vezes, mexia escondido;, conta o garoto.

Jovens também


A maioria dos radioamadores tem mais de 40 anos. Pessoas que nasceram muito antes do celular e da internet. Mas, mesmo nos dias de hoje, existem radioamadores jovens. É possível pedir o primeiro indicativo depois dos 10 anos. ;O rádio é extremamente democrático, não tem distinção de classe social ou idade. Eu tenho amigos de 12, 25, 80 anos;, diz Gustavo de Faria Franco.

E não é só a amizade que brota nas ondas do rádio. O coronel do Exército Ricardo Felix Cardoso, 53 anos, ouviu a voz da esposa, a bióloga Lilah Maria, 51, pela primeira vez no aparelho que sua família tinha em casa para falar com todo o Brasil. ;Nossas mães eram radioamadoras e um dia ela pegou o microfone para dar dicas de saúde a quem estivesse na frequência. Na hora, pensei: ;Essa menina deve ser bem feia, falando desse jeito todo certinho;;, lembra Ricardo. Os dois se conheceram por acaso cerca de dois anos depois, na festa de formatura de Ricardo. Quando ele se mudou para Brasília, o namoro sobreviveu graças ao rádio.

;Na época, não tinha celular e o telefone fixo era muito caro. Sempre que podíamos, nos encontrávamos em uma frequência mais alta para evitar que alguém nos ouvisse;, conta o coronel. Certa vez, os dois tiveram uma briga e ficaram alguns minutos sem se falar. Foi quando um desconhecido protestou e disse que os dois não deveriam discutir, pois formavam um lindo casal. Ricardo e Lilah nunca souberam quem era o ouvinte anônimo. Depois de um ano de ;namoro de rádio;, os dois se casaram e vivem juntos até hoje. Agora, longe das antenas.

Sempre a postos

Gustavo de Faria Franco passou a virada de 1999 para 2000 em frente à sua estação de rádio, preparado para uma eventual pane nos sistemas de comunicação de todo o mundo. Felizmente, o tão comentado bug do milênio não aconteceu e Gustavo não precisou passar as primeiras horas daquele ano trabalhando pela segurança nacional. Na época, o Ministério da Defesa convocou radioamadores brasileiros para que agissem em uma eventual catástrofe. Boa parte deles estava disposta a parar tudo para ajudar.

;O radioamadorismo é mais que um hobby, é uma utilidade pública;, diz o servidor Goiran Rocha. ;Em qualquer lugar onde houver um radioamador, haverá também uma pessoa sempre pronta para te apoiar no que for preciso;, emenda Gustavo. O trabalho desses anônimos, muitas vezes, ganha dimensão nacional. Desde o início do mês, radioamadores do Rio de Janeiro trabalham para manter a comunicação nas zonas mais atingidas pelas enchentes. Em 2005, o funcionário de uma fazenda no interior de Mato Grosso comunicou a um radioamador de Brasília a queda do Boeing 737 da Gol. No ano passado, muitas notícias sobre o acidente com o avião da Air France vieram de um solitário radioamador de Fernando de Noronha.

Nesses casos, a atuação dos voluntários ficou ;escondida;, mas já houve situações em que radioamadores se tornaram a via de comunicação oficial durante desastres. Um grupo de radioamadores fazia uma expedição às ilhas asiáticas de Andaman e Nicobar, em 2004, quando ondas gigantes atingiram a Ilha de Sumatra. A Defesa Civil da Índia, então, determinou que o grupo ficasse na linha de frente de comunicação com o resto do mundo.

No Brasil (2), foi criada, em 2001, a Rede Nacional de Emergência de Radioamadores (Rener), vinculada à Secretaria Nacional de Defesa Civil. Mesmo com a iniciativa, a Rener não tem até hoje uma estação de rádio própria. Todo trabalho é feito com os equipamentos de Paulo César Santos, coordenador nacional da rede. Paulo explica que a colaboração dos radioamadores depende também da Defesa Civil de cada estado, que deve realizar cursos de formação para os voluntários. ;As pessoas ainda desconhecem o trabalho do radioamador. Muitas até pensam que se trata de rádio pirata;, diz.


1 - Todos os alcances
Na radiotransmissão, existem três bandas: UHF, VHF e HF. As duas primeiras são utilizadas para mandar sinais a lugares mais próximos ; Goiânia e Belo Horizonte, por exemplo, se o referencial for Brasília. São essas que auxiliam o trabalho da polícia, de bombeiros e de taxistas. A banda HF é voltada para transmissões de longa distância, quando os dados ;viajam; por meio de torres e satélites.


2 - Invenção brasileira

O radioamadorismo começou no Brasil no século 19, com o padre gaúcho Roberto Landell de Moura. Em 1893, dois anos antes de o italiano Guglielmo Marconi fazer suas primeiras experiências com transmissão de sinais, Landell mandou mensagens telegráficas da Avenida Paulista para o alto de Santana, em São Paulo, a uma distância de 8km. O pioneirismo, no entanto, nunca foi reconhecido. Já Marconi ganhou o Nobel de Física, em 1909.

; Como se tornar um radioamador

Os sinais de rádio trafegam livremente pelo ar, ou seja, qualquer pessoa pode ouvir as informações que circulam entre uma torre e outra. No entanto, para falar em ondas eletromagnéticas, é preciso ter uma autorização. O interessado deve fazer uma prova, aplicada pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), mediante agendamento do candidato.

A inscrição no exame é feita no site da Anatel (). Caso aprovado, o interessado pagará taxa anual de cerca de R$ 20 para manter sua estação. Em Brasília, a Liga dos Amadores Brasileiros de Radioemissão (Labre), oferece periodicamente cursos preparatórios e questões para exercícios em seu site ().

Há três classes de habilitação de radioamadores: A, B e C. Essa última exige conhecimentos mínimos e pode ser retirada a partir dos 10 anos. Já a habilitação A pede que o candidato seja maior de 18 anos e tenha experiência de, no mínimo, 2 anos com a classe B.

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