Imagine que você criou um programa de computador com um enorme potencial. Batalhou meses para desenvolver algo novo, que pode facilitar a vida de muita gente. Na hora de ;colher os louros;, você decide colocar todo o seu trabalho na internet, aberto para quem quiser usar a sua técnica. Loucura? Para os idealizadores do portal do software público, não. O site ; www.softwarepublico.gov.br ; existe há três anos e reúne 36 iniciativas totalmente gratuitas, disponíveis a uma comunidade de, hoje, cerca de 70 mil pessoas. E engana-se quem pensa que as ferramentas atraem apenas órgãos de governo. Pequenas e grandes empresas privadas, igrejas e, até mesmo, a organização dos jogos Panamericanos do Rio de Janeiro de 2006 se interessaram pelos programas disponíveis.
Isso porque o portal funciona no esquema da cooperação constante. Qualquer pessoa ou organização pode colocar seu software na página. Com o código aberto, outras pessoas e organizações fazem testes e promovem melhorias na ferramenta. Além disso, uma página paralela ; mercadopublico.gov.br ; reúne uma imensa lista de colaboradores, profissionais que se especializam em determinado software e oferecem serviços de instalação, manutenção, treinamento. ;O grande diferencial dessa iniciativa é que ela criou uma rede de assistência. Depois de abrir o código, a gente percebeu o crescimento de empresas que se qualificaram para implantar o software em todas as regiões do Brasil;, comenta Márcio Sena, responsável pela comunidade do Configurador Automático e Coletor de Informações Computacionais (Cacic).
O Cacic foi o primeiro programa oferecido no portal. Técnicos da Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência Social (Dataprev) desenvolveram a ferramenta para atender a uma necessidade da instituição e das agências do INSS: fazer o inventário dos recursos de hardware e software disponíveis. Na época (2004), a licença de um software para fazer o mesmo levantamento custaria de R$ 2 milhões a R$ 4 milhões, conta Márcio Sena. Em 2005, o código do Cacic foi colocado na internet.
;Foi um sucesso enorme, empresas, organizações não governamentais baixaram o aplicativo. A gente percebeu que estava atendendo a uma demanda reprimida;, lembra o coordenador do portal do software público, Corinto Maffe. Ele explica que a ideia do projeto começou em 2004, quando a Secretaria de Logística e TI do Ministério do Planejamento percebeu a necessidade de oferecer uma solução de software livre que respeitasse a legislação brasileira. Surgiu, então, o conceito (1)de software público e a ideia de ampliar o acesso à rede a todos os interessados. A proposta deu tão certo que, agora, a equipe de Corinto está desenvolvendo um portal do software público internacional, com recursos do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Paraguai, Peru, Venezuela, Cuba, Costa Rica e Chile já confirmaram interesse no projeto.
Parceria
Muitas das 36 soluções disponíveis no portal surgiram a partir da necessidade de prefeituras e estados. O i-Educar, por exemplo, foi desenvolvido pela prefeitura de Itajaí, em Santa Catarina, para melhorar a gestão escolar. Mas antes de oferecer a ferramenta na internet, o aplicativo passou por mudanças, feitas pela empresa Cobra Tecnologia (a mesma que faz a parte de TI do Banco do Brasil). ;Todo o plano de negócios foi feito em cima do software livre. A gente ganha com o suporte e treinamentos para o pessoal que vai utilizá-lo;, diz o analista desenvolvedor da empresa Eriksen Costa.
O programa já está implantado em pelo menos cinco cidades brasileiras. Em Arapiraca, no interior de Alagoas, todas as 59 escolas e 21 creches da rede municipal trabalham com o i-Educar. A secretária de Educação do município, Ana Valéria de Oliveira, explica que a ferramenta facilitou a gestão dos colégios e melhorou o trabalho dos servidores no período de matrícula. ;Começamos a usar este ano. É um sistema que permite fazer o controle de faltas, organizar a grade horária. Isso nos ajudou a evitar que um pai matriculasse o filho em mais de uma escola;, comenta Ana Valéria. ;A meta agora é fazer essa tecnologia funcionar para o acompanhamento pedagógico de cada estudante;, completa.
As inovações disponíveis no portal vão além da gestão. O software Invesalius, projetado pelo Centro de Tecnologia da Informação Renato Arche, do Ministério da Ciência e Tecnologia, é uma solução para a área médica, que pega imagens de tomografia computadorizada e ressonância e as transforma em 3D. ;A pessoa pode analisar todo o tecido, a estrutura sanguínea. É a única solução livre do mundo com essa qualidade. Uma licença semelhante custa perto de US$ 300 mil;, ressalta o coordenador do portal do software livre, Corinto Meffe.
Até mesmo grandes empresas já atentaram para esse ;mercado; potencial. A fabricante de processadores Intel criou uma nova função para o Cacic, que será instalada em hardwares voltados para a área de gestão. ;É uma tecnologia que permite ao usuário o controle de informações por acesso remoto à máquina ou fazer o inventário com o computador desligado;, ressalta o gerente de Desenvolvimento de Negócios da Intel em Brasília, Cristian Oliveira. A novidade já está disponível no site. Para testar, basta um clique.
1 - Diferenças sutis
O conceito de software público foi criado pelo governo brasileiro e não é a mesma coisa que software livre. O software público é entendido como um direito do cidadão e, por isso, exige do responsável uma série de responsabilidades. O programa é visto como um produto e o ;dono; da ideia precisa estar atento à comunidade que o utiliza, promovendo fóruns e melhorias. Diferenças sutis.
Saiba como participar do portal do software público
O portal do software público (www.softwarepublico.gov.br) é uma comunidade de mais de 70 mil pessoas, que oferecem inovações e serviços. Para se cadastrar como colaborador, basta preencher a guia ;Prestadores de Serviço;, disponível no menu esquerdo da página. Se a sua intenção é disponibilizar um software, é preciso cumprir algumas formalidades.
A coordenação do site pedirá que o software seja registrado como livre no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). Embora a lei de direito autoral não faça essa exigência, os coordenadores do portal acreditam que isso dá mais segurança ao usuário. ;Muitas vezes, o desenvolvedor da ferramenta libera o código e, tempos depois, volta atrás. Queremos evitar esse tipo de situação;, comenta o coordenador do portal, Corinto Meffe. Corinto também ressalta que o interessado deve se comprometer a fazer a "assistência" da sua comunidade de usuários. "É preciso estar atento às melhorias oferecidas à ferramenta, aos fóruns", diz.