Jornal Correio Braziliense

Tecnologia

Alunos da USP e do Cefet de Minas Gerais sagram-se campeões mundiais em competição de aerodesign nos EUA

Eles têm 20 e poucos anos, gostam de números e desafios e estão com a cabeça anos-luz à frente de muitos engenheiros experientes. Os 45 estudantes brasileiros que participaram da competição internacional SAE Aerodesign no último fim de semana, nos Estados Unidos, mostraram talento e competência de dar inveja em muitas nações ricas. O Brasil foi campeão em duas das três categorias da prova ; a Regular e a Micro ; e vice-campeão na categoria Avançada. Os jovens, da Escola de Engenharia da Universidade de São Paulo (USP) e do Centro Federal de Educação Tecnológica (Cefet) de Minas Gerais, projetaram e construíram modelos de aeronaves que vão muito além de peças do aeromodelismo. (1)

Isso porque não basta fazer os pequenos aviões saírem do chão. A cada ano, novas exigências no regulamento das categorias fazem estudantes do mundo inteiro irem atrás de soluções criativas para os modelos, pilotados via rádio. O aluno de engenharia aeronáutica Vitor Tavernari, 25 anos, está envolvido com a competição desde outubro do ano passado. Ele e os colegas da USP ficaram quatro meses pensando projetos para aeronaves que competiram nas classes Regular e Micro. Na Regular, uma das regras era não usar material composto ; fibra de carbono ou fibra de vidro ; na montagem do avião. ;Esses materiais já são considerados os melhores para a aeronáutica. A organização, então, proibiu seu uso para tentar abrir a cabeça dos futuros engenheiros;, conta Vitor. A aeronave da USP, que ficou em terceiro lugar na classe Regular, foi construída com madeira e alumínio.

A Universidade de São Paulo também competiu nas outras duas categorias da prova e ficou em primeiro na classe Micro, que tem exigências curiosas: a aeronave tem que ser muito leve e pequena. Deve caber em uma maleta de 46cm x 33cm x 14cm e precisa ser montada em até três minutos. ;Nosso modelo pesava 400g e levou uma carga de 1,2kg. Conseguimos montá-lo em um minuto e vinte segundos;, lembra o aluno da USP Luis Francisco Gomes da Costa, 23 anos, da equipe vencedora. O avião foi construído com tubo de carbono e madeira balsa.

Luis Francisco participou pela terceira vez da SAE mundial. O colega Vitor Tavernari já esteve em 12 provas, entre brasileiras e internacionais. ;O campeonato preenche espaços que o curso deixa em branco. O mais importante é o trabalho em equipe. Outro aspecto é a própria construção da aeronave. Colocando a mão na massa, a gente entende como as coisas funcionam de fato;, afirma Vitor. ;E existe também o orgulho de estar defendendo o Brasil lá fora, nosso nome e o nome das nossas escolas;, completa o rapaz.

Tradição
As competições do SAE Aerodesign no Brasil começaram em 1999, mas o país já tem uma certa tradição de excelência na área. Foi a quinta vez que uma equipe brasileira venceu na classe Regular e a primeira na classe Micro, categoria implantada por aqui somente no ano passado. Na classe Avançada, o país já levou a melhor quatro vezes em provas internacionais. O diretor da competição brasileira de aerodesign, André Van de Schepop, afirma que o Brasil ainda está atrasado em relação aos Estados Unidos e à Inglaterra, mas tem vantagens se comparado a outras nações ricas da Europa e ao Canadá. ;Nós estamos apenas começando, mas já desenvolvemos atividades incríveis. A indústria aeronáutica brasileira é extremamente competitiva;, aponta André, que é também funcionário da Embraer.

Todo esse potencial fica evidente nas competições estudantis. ;A prova da SAE Brasil é uma das mais difíceis e um requisito para a ida ao mundial;, comenta Thalis Pacceli, 24 anos, aluno do Cefet de Minas Gerais e capitão da equipe que venceu a competição internacional na categoria Regular. A mobilização dos estudantes começa ainda na fase de elaboração dos projetos. A banca examinadora pontua a descrição e a defesa oral da proposta. Thalis conta que ele e os colegas avaliaram mais de 500 projetos antes de construírem o modelo campeão nos EUA. ;Nosso principal objetivo era decolar com a carga máxima da aeronave. Para isso, dados de aerodinâmica, desempenho, cargas e estruturas foram modelados em diversos softwares e depois integrados em um outro programa de computador;, detalha do jovem. O esforço dos mineiros rendeu não só o troféu da classe Regular, mas também o prêmio de maior peso carregado: 14,65kg.

Thalis Pacceli ainda tem dois semestres do curso de engenharia industrial mecânica pela frente. Ele acredita que a participação nas competições da SAE farão a diferença na hora de uma entrevista de emprego. ;Esse tipo de atividade nos coloca diante de situações reais de engenharia. Quem passa por essa experiência tem uma perspectiva mais ampla quanto à gestão e ao desenvolvimento de projetos;, diz. O diretor da competição brasileira de aerodesign concorda com Thalis. ;A cada prova, os desafios são maiores. Este ano, queremos que as aeronaves aterrisem em uma distância ainda menor do que no ano passado;, adianta André Van de Schepop. A competição brasileira será entre 21 e 24 de outubro, em São José dos Campos.

E para quem achou estranho chamar de ;aeronaves; os pequenos modelos, André avisa: ;Os estudantes estão pensando soluções para a indústria aeronáutica. Então os definimos como engenheiros que projetam aviões. Isso é uma forma de chamá-los ainda mais à responsabilidade;, comenta. ;Não existe uma ferramenta de cálculo pronta, eles têm que enfiar a cara nos livros para buscar a melhor solução. E os resultados são incríveis: na aeronáutica, ainda não produzimos um avião que levasse cinco vezes o próprio peso. No aerodesign, sim;, completa André.

1 - Apenas diversão

Jovens e adultos de todo o mundo praticam o aeromodelismo, hobby que inclui o projeto, o desenho e a construção de aviões, foguetes e balões em escala reduzida. O aeromodelista também ;pilota; sua aeronave. A principal diferença para o aerodesign é que este procura sempre decolar utilizando a potência máxima dos motores. Além disso, soluções do aerodesign são aproveitadas pela indústria aeronáutica.

2 - Ainda em certificação
Os materiais compostos são leves e muito resistentes. No entanto, para ;funcionarem; bem, o processo de fabricação precisa ter alta qualidade. O material composto não vem pronto, passa por um processo de secagem (misturar resina à fibra de carbono), que precisa ser muito bem-feito. Talvez por isso as aeronaves comerciais de hoje ainda são fabricadas em alumínio. O primeiro avião feito de material composto está em fase de certificação pela americana Federal Aviation Administration (FAA, em inglês).

; SAE
A SAE, Sociedade de Engenheiros da Mobilidade, é uma organização sem fins lucrativos que promove competições estudantis na área de engenharia. São três tipos de provas: erodesign (modelos de aeronaves), Baja (carros off-road) e fórmula (carros de corrida). Estudantes de qualquer curso da área podem participar, não é necessário ser aluno de engenharia aeronáutica para competir no SAE Aerodesign, por exemplo.
Essa é, inclusive, uma característica das provas: os universitários precisam trabalhar muitas habilidades e, por isso, podem vir de diferentes áreas. A avaliação é feita nas duas etapas: no projeto e nas baterias de teste. Muita vezes, os jovens acabam indo para a competição para somente apresentar o projeto. Os eventos da SAE também são uma forma de fazer contatos profissionais, já que os fiscais de provas trabalham na indústria.
Para saber mais sobre a SAE, acesse o site http://www.saebrasil.org.br/.