postado em 12/07/2010 07:54
Se a marcação de um impedimento pode ser uma tarefa árdua para os juízes de futebol nos dias de hoje, acredite, isso já foi muito mais complicado. Há 12 anos, o árbitro precisava ter a habilidade de uma coruja para manter um olho na bola, outro nos jogadores, outro no gol, outro no bandeirinha e sabe-se lá mais onde. Em 1998, os árbitros começaram a usar a bandeira eletrônica, o primeiro recurso tecnológico implantado em gramados brasileiros (veja arte). De lá para cá, outras ferramentas surgiram e hoje a discussão sobre até que ponto a tecnologia pode interferir no futebol esquentou.O assunto ganhou destaque durante a Copa do Mundo da África do Sul. Pela primeira vez, a Federação Internacional de Futebol (Fifa) admitiu estudar o uso de equipamentos eletrônicos para evitar os erros de arbitragem. Extremamente resistente a considerar qualquer alteração significativa na forma de controle do jogo, a Fifa foi atropelada por erros grosseiros, como os que foram determinantes para a eliminação de duas seleções no mundial. Em 27 de junho, o árbitro uruguaio Jorge Larrionda deixou de validar o que seria o gol de empate da Inglaterra, quando os ingleses perdiam para a Alemanha por 2 x 1. A bola chutada por Lampard bateu no travessão caiu 33cm dentro do gol, antes de ser pega pelo goleiro Neuer. O assistente ficou impassível e Larrionda mandou o jogo seguir, para revolta inglesa. Os alemães acabaram fazendo 4 x 1 e eliminaram os velhos rivais. No mesmo dia, um impedimento claríssimo não marcado resultou em um gol da Argentina na vitória sobre o México.
O lance da partida entre Alemanha e Inglaterra seria resolvido com uma das ideias mais cotadas ; e mais simples ; quando se trata de tecnologia em campo: a utilização de um chip na bola e de sensores nas traves. Os dispositivos seriam acionados assim que a bola passasse da linha do gol. O recurso chegou a ser testado durante um campeonato mundial sub-20 no Peru. ;Só que, durante toda a competição, não houve uma jogada sequer em que o árbitro teve dúvidas sobre o gol;, conta Edson Rezende, ex-presidente da Comissão de Arbitragem da Confederação Brasileira de Futebol (CBF).
Edson, que foi juiz de futebol por 18 anos, defende a incorporação dessa e de outras ferramentas na arbitragem. Outra alternativa seria a inclusão do ;tira-teima; nas partidas, tal qual ocorre em programas esportivos. ;Quando a gente assiste à televisão, vê como os lances são simples. Mas quem está em campo não tem todas essas possibilidades e carrega uma cruz pesada quando comete erros;, reclama.
O especialista explica que a inclusão de novos recursos não depende da Fifa, e sim da Associação Internacional de Futebol (Ifab, na sigla inglês), órgão que legisla sobre as regras do futebol. A entidade tem oito cadeiras ; quatro são da Fifa e as outras quatro da Inglaterra, da Irlanda, da Escócia e do País de Gales. ;A Ifab é composta por pessoas idosas e superconservadoras. A Fifa, em si, tem profundo interesse no assunto, porque também é bom para os patrocinadores;, alega.
;Árbitro de cabine;
O tira-teima funcionaria com câmeras instaladas no estádio e com um quinto árbitro que faria a análise das jogadas ; algo semelhante ao que já é feito há décadas no futebol americano, quando o time que se sente prejudicado pode ;desafiar; a decisão do árbitro em campo. A ferramenta, porém, só poderia ser usada em lances objetivos ; para esclarecer dúvidas sobre um gol ou um impedimento, por exemplo. Em jogadas subjetivas ; se foi falta ou não, se houve controle de mão com a bola, se o jogador foi empurrado ; a decisão continuaria a ser do árbitro. ;As pessoas conservadoras temem que, assim, cada tempo do jogo duraria horas. Mas 90% da partida são lances subjetivos;, diz o ex-presidente da Comissão de Arbitragem. Além disso, o tira-teima poderia ser acionado a pedido dos times em número limitado de vezes (duas a cada tempo, por exemplo).
Wilton Sampaio, um dos principais árbitros da CBF em Brasília, não acredita, porém, que a implantação dessa ferramenta seja uma boa ideia. Para ele, o recurso pode acabar com a autoridade do juiz em campo. ;Temos coisas muito úteis, como o ponto eletrônico, que só não está totalmente implantado por causa do custo. Mas penso que, nesse caso, a tecnologia vai atrapalhar. As equipes vão querer discutir todos os lances e isso vai acabar com a essência do futebol;, opina Wilton, que apita jogos nacionais há 10 anos.
Desdobramentos
O jornalista Bruno Mendes, apresentador do programa Esporte Show, da TV Brasília, lembra que a adoção dessas ferramentas também teria implicações para as emissoras de televisão e para os anunciantes. ;As empresas de comunicação exigem, cada vez mais, que os times entrem em campo e acabem a partida pontualmente. Não consigo imaginar como seria se, de repente, o tempo passasse a ser prorrogado;, diz. É preciso lembrar, contudo, que um lance polêmico já provoca, hoje, enorme confusão em campo ; às vezes, gerando enormes atrasos até que os jogadores sejam acalmados e o jogo possa prosseguir.
Para Wilton Sampaio, os recursos só devem ser usados se não houver interferência externa, mantendo a decisão com a equipe de arbitragem. Os contrários à inovação no futebol também reclamam que a tecnologia poderia acabar com a ;graça; do esporte. ;Um gol anulado, um pênalti não marcado, essas coisas geram debates que duram uma semana;, alega o apresentador da TV Brasília.
Edson Rezende, entusiasta das novidades, não acredita que os recursos possam acabar com a magia do futebol. Ele afirma que o esporte mudou muito nos últimos anos e que as mudanças precisam ser incorporadas pelas entidades. Para se ter uma ideia, um juiz corria, em média, 7km por partida na década de 1970. Hoje, a distância chega a 13km. ;O jogo era muito mais cadenciado, parecia música. Hoje, é aquela correria e o árbitro precisa estar atento a todos os lances;, observa.
Ele não crê que qualquer novidade possa acabar com as discussões de boteco. ;É só observar os programas de mesa redonda na televisão. Quando o lance é subjetivo, metade dos comentaristas acha que foi falta, metade não. Isso não vai mudar;, ressalta. Para Edson, o futebol precisa se modernizar, assim como já fez o tênis, por exemplo. ;Esportes de quadras pequenas já estão fazendo isso. Não entendo por que o futebol, com aquele gramado enorme, não deve se atualizar;, critica.
Confira entrevista com Edson Rezende, ex-presidente da Comissão de Arbitragem da CBF