Tecnologia

Máquina ajuda a Polícia Federal a desenhar o mapa do tráfico de crack e cocaína na América do Sul

A ideia é identificar os pontos de partida dos produtos e rastrear os cartéis que se movimentam pelo Brasil e por outros países de fronteira

postado em 19/07/2010 09:09

O principal componente do crack, consumido à luz do dia nas ruas de Brasília, viaja muitos quilômetros até chegar à capital. A pasta-base da droga sai de um dos três países produtores de cocaína, atravessa a fronteira e vai parar nas grandes cidades. Mas saber como funciona a rota do tráfico não é o bastante para impedi-lo. Cada vez mais, investigadores lançam mão de recursos tecnológicos para cortar o mal pela raiz. Com essa meta, a Polícia Federal está traçando o perfil químico das drogas feitas à base de cocaína. É como se, a partir desse levantamento, fosse possível mapear o DNA das substâncias consumidas aqui, com detalhes sobre cada componente e sobre o país de origem.

O trabalho é feito por uma máquina chamada de cromatógrafo gasoso, que identifica cada parte da amostra conforme o tempo que ela leva para atravessar o equipamento (veja arte). O computador busca informações sobre o material em um banco de dados que tem mais de 300 mil itens cadastrados. Sete estados e o Distrito Federal participam do projeto, que analisa a cocaína em suas diferentes formas de apresentação ; crack, merla, pasta base ou cloridrato (pó). DF, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Acre e Amazonas foram escolhidos pela quantidade de apreensões já feitas e/ou por estarem na fronteira com a Bolívia, a Colômbia e o Peru, produtores mundiais da droga.

O perfil químico da cocaína já é manipulado há, pelo menos, 10 anos pelos Estados Unidos e França, países que inspiraram a elaboração do projeto. Na América do Sul, a iniciativa é pioneira e vai produzir um retrato da droga que circula pelo território brasileiro. ;Um dos objetivos é montar um banco de dados nacional, com informações sobre o local da apreensão, a quantidade, a composição exata de cada amostra;, afirma o perito criminal Élvio Dias Botelho, que participa do projeto.

Gargalos
Élvio explica que a cocaína nunca está 100% pura. Nas amostras, é possível encontrar, além do principal elemento da droga, diluentes, insumos usados para o refino e outros alcaloides(1) da planta. ;Todas essas substâncias permitem que a gente dê uma identidade para cada apreensão;, diz o perito da PF. Como o tráfego de produtos químicos também é controlado pela entidade, conhecer a fundo a droga apreendida será uma forma de identificar gargalos na fiscalização. ;Se, por exemplo, nas amostras do Acre a gente começar a ver muita cafeína (um dos diluentes usados), podemos inferir que alguém está desviando esse material para a produção da cocaína;, diz Élvio.

O especialista Élvio Botelho manipula o cromatógrafo, aparelho que seleciona e identifica componentes da pasta-base de cocaína e de outros produtosAlém disso, a folha de coca que nasce na Bolívia não é igual à que nasce no Peru ou na Colômbia. A diferença fica na quantidade de alcaloides produzida por planta, influenciada pela espécie, condições do terreno e climáticas. Hoje, há um quadro com informações sobre ;as cocaínas;, descrito pelo Departamento de Drogas Norte-americano (DEA).

1 - Das plantas
Os alcaloides são substâncias que funcionam como um mecanismo de defesa dos vegetais. Em geral, uma dessas substâncias aparece em maior quantidade. Na folha de coca, o principal alcaloide é a cocaína. Na planta de café, a cafeína.

De olho nos vizinhos

Mas a ideia da PF para o Brasil é reunir amostras de referência dos países sul-americanos para criar um padrão e, no futuro, poder afirmar qual é a origem de cada apreensão feita no Brasil. ;Mas não é fácil trazer cocaína legalmente ao Brasil; há todo o aspecto diplomático envolvido;, pondera o perito da PF.

Os agentes, porém, já conseguem fazer comparações entre amostras. ;Com tudo bem detalhado, podemos verificar se os insumos vêm do Brasil ou não. Aí podemos fazer contato com os países de fronteira e cobrar atitudes, porque hoje não há como fazer isso;, esclarece Élvio Botelho. A comparação entre amostras também permitirá a identificação de fornecedores da droga. Somente no ano passado, a Polícia Federal apreendeu mais de 24 toneladas de cocaína e produtos derivados. Até abril deste ano, foram 4,2 toneladas.

Vício
No Distrito Federal, a Polícia Civil apreendeu 20kg da pasta base da cocaína desde janeiro. Com cada quilo é possível fabricar de 3kg a 4kg de crack, uma das drogas que mais preocupam as autoridades da capital. O delegado João Emílio de Oliveira, da Coordenação de Repressão a Drogas (Cord) da Polícia Civil, afirma que a droga se espalhou pela cidade nos últimos anos. ;Antigamente, nosso problema era a merla. Mas ela foi substituída pelo crack. O lucro do traficante é maior com o crack e é mais fácil esconder pedras dessa droga do que latas de merla;, diz o delegado.

O crack, a merla e o pó provocam os mesmos efeitos devastadores no organismo humano. ;Elas atuam no cérebro favorecendo a ação da dopamina, um neurotransmissor que está ligado à sensação de prazer;, explica o neurocientista Antônio de Mello Cruz, do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília (UnB).

O grande perigo do crack, ressalta, é que o usuário vicia muito rapidamente. Isso porque o efeito da pedra demora cerca de 10 segundos para chegar ao cérebro, e de cinco a oito minutos para acabar. Com o pó, o efeito máximo começa cerca de 20 minutos depois da inalação, e pode durar até 90 minutos. ;De maneira geral, a cocaína não provoca a síndrome da abstinência, mas a pessoa fica fissurada para buscar novamente o efeito da droga;, diz o professor da UnB.

Ouça trechos da entrevista com o perito federal Élvio Botelho.


Saiba mais
Bomba cerebral

As drogas psicotrópicas ; assim chamadas porque alteram o omportamento ; são divididas em estimulantes (cocaína e anfetamina, por exemplo), depressoras (álcool, tranquilizantes), alucinógenas (ecstasy, LSD) e opioides (heroína e outros derivados do ópio). Por ser estimulante do sistema nervoso central, a cocaína provoca euforia, prazer e falsa sensação de poder. Quando fumadas, caso do crack e da merla, as versões da droga também se transformam em inibidores de apetite.

Mello Cruz explica que a coca favorece a ação da dopamina no cérebro. Trata-se de um neurotransmissor responsável pelas sensações de prazer, vividas naturalmente na hora do sexo, quando a pessoa está apaixonada ou quando degusta um prato saboroso. A longo prazo, as consequências do uso de uma fonte química de prazer podem ser severas.

;A cocaína é uma droga vasoconstritora, aumenta a pressão arterial no coração e no cérebro;, afirma o professor. O viciado pode desenvolver problemas cardíacos e vasculares graves. ;A pessoa também fica agressiva e com uma necessidade de buscar novamente o efeito da droga, processo que chamamos de fissura;, detalha.

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