Tecnologia

Fanáticos por jogos desafiam ideia de que videogames são coisa de criança

postado em 04/10/2010 08:00

Daniel ensina, em uma universidade, design de jogos: mercado giganteEles já não são mais garotinhos ; ou mesmo adolescentes ; com muito tempo livre. Sustentam casa, família, têm imóvel e carro próprio e, por vezes, uma barba que denuncia a maturidade. Isso tudo não impede, porém, que uma diversão identificada profundamente com o universo infantil continue a fazer parte da vida deles. Os fanáticos por jogos eletrônicos compõem uma tribo que passa, pelo menos, algumas horas do dia no mundo virtual. Nasceram junto aos videogames e hoje levam o hobby tão a sério a ponto de transformá-lo em profissão.

O professor Daniel Gularte, 34 anos, trabalha há quatro como designer de jogos e ensina a outros jovens a arte de projetar um game. Na infância, conheceu o (foto4) telejogo e o Atari e, desde então, nunca perdeu o contato com o mundo eletrônico do entretenimento. ;O videogame acabou virando um objeto de estudo. Além de me divertir, eu comecei a pesquisar o processo de criação de jogos, a história da indústria de games;, conta Daniel. O professor ; que tem em casa um acervo com mais de 400 itens relacionados a esse tipo de diversão ; lançou este ano o livro Jogos eletrônicos: 50 anos de interação e diversão, pela editora 2AB.

<i>Dinossauros
No começo da década de 1980, dois aparelhos viraram ícones da indústria de entretenimento eletrônico. O telejogo %u2014 aqueles com dois traços que subiam e desciam para rebater uma pequena bola %u2014 começou a ser comercializado em 1977 no Brasil. Alguns anos mais tarde, o Atari popularizou os videogames em todo o mundo. Um dos principais jogos do equipamento foi o Pacman, que completou 30 anos em maio</i>Daniel dá aulas em uma universidade particular de Fortaleza e pesquisa soluções para jogos educativos, que podem ser utilizados no ambiente acadêmico e empresarial. Mesmo levando os games tão a sério, o professor não deixou os controles de lado. ;Continuo sendo um jogador. A diversão eletrônica faz parte da cultura da minha geração;, diz. ;Há muito preconceito em relação a isso, mas o mercado é extremamente forte. A indústria do entretenimento eletrônico fatura mais do que o cinema;, lembra.

Não é de se surpreender. Para se ter uma ideia do potencial desse mercado, basta pegar o exemplo de um dos jogos mais famosos atualmente. O World of Warcraft, da Blizzard, é uma fantasia medieval online que atrai cerca de 17 milhões de jogadores em todo o mundo. Gente que marca horário de jogo com a disciplina de uma Copa do Mundo e que desembolsa, no mínimo, US$ 19 pelo jogo, US$ 39 para cada uma das expansões disponíveis até agora (são duas) e uma assinatura mensal de cerca de US$ 15. Isso sem falar na próxima expansão do game, que deve estar disponível em dezembro, por US$ 49. Os jogadores também podem investir em serviços extras, como a compra de mascotes para acompanharem o personagem principal e a mudança de servidor.

Necessidade
Tantas opções acabam por deixar alguns jogadores com problemas. Não há nenhuma estatística nacional sobre adultos viciados em games, mas eles não são tão raros quanto parece. O psiquiatra Gustavo Estanislau, do Grupo de Estudos das Adições Tecnológicas (Geat), do Rio Grande do Sul, conta que já atendeu em seu consultório um adulto que teve problemas financeiros por conta dos jogos eletrônicos. ;O principal prejuízo do excesso de videogame ocorre na sociabilidade e não no aspecto cognitivo. Ninguém fica burro porque joga, pelo contrário, a pessoa está ali estimulando funções executivas e de memória do cérebro;, explica. ;O problema ocorre quando o jogador começa a confundir o real com o virtual.;

Louco pela versão dos Beatles de RockBand, Thiago, 26 anos, teve que negociar com a namorada uma hora para deixar o jogo de lado. Ele chegava a levar a parafernália para festasO professor de raciocínio lógico Pablo Guimarães, 31 anos, reconhece que, algumas vezes, o fascínio pelos games o atrapalhou em sua rotina. ;Quando ocorre o lançamento de um jogo muito esperado, por exemplo, a gente consome o tempo. De repente, já se passaram duas, três horas e eu acabo atropelando algumas coisas por causa disso;, relata. Pablo, que tem em casa um PlayStation 3 e um Xbox, consegue conciliar a rotina de professor de cursinho com o hobby e conta com o apoio da esposa. ;Às vezes, ela se incomoda, mas quase sempre entende o meu lado. Quando nos casamos, eu já gostava muito de videogame;, lembra.

O roteirista Thiago Negreiros, 26 anos, teve que concordar com a namorada sobre a hora de deixar o entretenimento digital de lado. Fã dos Beatles, Thiago comprou um Rock Band há cerca de um ano, quando a fabricante Harmonix lançou uma edição especial do jogo em homenagem ao quarteto de Liverpool. Com a empolgação, Thiago passou a levar o aparato para festas com amigos. ;O Rock Band acabava virando a atração principal do evento. É legal, mas hoje acho melhor jogar apenas em casa;, diz.

Atualmente, já há um filão da neurociência que investiga o uso de jogos para estimular funções cognitivas em adultos. Não à toa, muitos médicos indicam a prática de palavras cruzadas para quem deseja exercitar a memória. As pesquisas sobre games, contudo, ainda são bastante restritas. ;Nós conseguimos imaginar, pela lógica, quais são os benefícios da diversão eletrônica. Mas, para aplicar isso, precisamos de um número muito grande de estudos que comprovem essa eficácia;, esclarece o psiquiatra Gustavo Estanislau.

Eduardo (E) e Octávio transformaram a paixão em um documentário sobre o fascínio dos jogos eletrônicosPara o professor e gamedesigner Daniel Gularte, o preconceito em relação aos videogames está diminuindo, ainda mais com a expansão da internet e dos jogos online. O autor do livro Jogos eletrônicos: 50 anos de interação e diversão também aposta que os próximos modelos favorecerão a integração social. ;No começo, os jogos eram instrumento para a diversão de toda a família. Depois, ficaram mais individuais. Agora, nós vemos o retorno dessa interatividade;, aposta.

Quase um autorretrato
Na vida de Octávio Mendes e Eduardo Gomes, 28 e 26 anos, respectivamente, a paixão pelo videogame virou mais que um ganha-pão. Os dois rapazes se conheceram quando cursavam publicidade na Universidade de Brasília e, da amizade, surgiu a ideia de produzir um documentário sobre o fascínio do entretenimento eletrônico. O projeto virou trabalho final de curso e, mais tarde, um vídeo que foi financiado pelo canal Multishow.

Inicialmente, o filme Continue? mostraria uma viagem de Eduardo e Octávio para a Electronic Entertainment Expo (E3), a maior feira de entretenimento dos Estados Unidos. A dupla foi ao evento, entrevistou os principais nomes da indústria, mas um imprevisto fez com que os planos tivessem de ser mudados. Ao chegarem ao Aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, os dois rapazes foram roubados: a mochila que estava com todas as fitas da viagem desapareceu. Foi quando eles se deram conta do real objetivo do vídeo.

;No início, era um filme sobre videogame, mas, no fim, vimos que era um filme sobre pessoas. Sobre pessoas buscando equilíbrio, sobre pessoas que estão procurando se comunicar com alguém, sobre pessoas que estão procurando uma paixão na vida;, diz Eduardo Gomes em um dos trechos da película. O material foi exibido pelo Multishow e, agora, a dupla trabalha na produção de uma série de TV sobre o mesmo assunto. ;Eu acho que as pessoas nos veem como retardados mentais. Mas esse é só um entretenimento como qualquer outro. Assim como tem gente que gosta de ver televisão, nós gostamos de jogar;, diz Octávio.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação