Tecnologia

Consumidores sofrem por reparações de danos causados por empresas virtuais

Empresas que oferecem serviços via internet têm, em tese, direitos e deveres semelhantes aos das colegas que não estão no mundo virtual. Na prática, contudo, falta regulamentação e os consumidores sofrem para conseguir eventuais reparações na Justiça

postado em 08/12/2010 08:00
Daniella Cicarelli, muito provavelmente, não tinha ideia do poder da internet quando viu as primeiras imagens de seu romance em uma praia espanhola circularem no então recém-chegado YouTube, em setembro de 2006. Na época, entre as acusações da modelo e a defesa dos administradores do site, um juiz brasileiro chegou a determinar a interrupção do acesso à página no Brasil. Mais de quatro anos depois, o YouTube mostrou que veio para ficar, o que não diminuiu as dúvidas sobre direitos e deveres das empresas que oferecem serviços na internet.

O principal problema, dizem especialistas, é que YouTube, Google Street View e uma generosa parcela dos sites de compartilhamento ; entre eles, as redes sociais ; são baseados em servidores nos Estados Unidos. ;A mecânica dessas páginas segue a lei norte-americana, na qual a liberdade de expressão é praticamente total;, explica o advogado Victor Haikal, especialista em direito digital do escritório Patrícia Peck Pinheiro. No Brasil, a Constituição Federal também garante a liberdade de expressão, mas é proibido não identificar-se, ao contrário do que ocorre em terras norte-americanas.

As regras dos Estados Unidos são tão abertas que é difícil vê-las em outros lugares. Não à toa, o Google Street View enfrentou uma série de restrições em países da Europa. Na Alemanha, por exemplo, a companhia precisou dar um tempo para que os moradores pedissem a exclusão da imagem de suas casas do serviço. É por conta da mentalidade libertária que muitas empresas da internet não se comprometem a dar prazos na hora de analisar possíveis abusos.

;Os botões que informam problemas são encarados como uma concessão, um esforço que essas companhias fazem para não brigar diretamente com a legislação local;, afirma Victor Haikal. ;Orkut e Facebook funcionam da mesma forma que o YouTube. Eles não vão se comprometer a dar uma resposta aos possíveis abusos em 24 horas, por exemplo. Eles estariam gerando uma obrigação a si próprios, algo que não é interessante;, aponta o especialista.

A demora na resposta do Google irritou o engenheiro Hevaldo Dias Duarte, que acionou a Justiça depois de tentar retirar uma imagem do Street View em que ele parece estar vomitando, em um bairro de Belo Horizonte. A advogada de Hevaldo, Genoveva Martins de Morais, conta que o cliente esperou cerca de 10 dias antes de procurá-la. ;O problema é que esse material se espalhou rapidamente pela internet. O Google não utilizou o borrão, meu cliente estava com o uniforme de trabalho, qualquer pessoa podia reconhecê-lo;, ressalta. Segundo a advogada, a companhia só retirou a imagem depois da ordem judicial. Hevaldo pede indenização de R$ 500 mil e o processo está em fase de contestação.

Paciência

Esperar pela decisão judicial, na maioria das vezes, exige calma de quem se sentiu lesado. Primeiro, é preciso notificar a empresa. Se isso não funcionar, é a hora da notificação extrajudicial ; um pedido formal, mas que não chega a ser a ação propriamente dita. Caso nada dê certo, aí sim é hora de acionar a Justiça. ;Para isso, o cliente tem que construir um conjunto substancial de provas. Não basta dizer que um vídeo ficou três dias no ar, é necessário mostrar os registros disso;, esclarece Victor Haikal. ;Outro aspecto importante é buscar um advogado com experiência no assunto, que consiga falar do tamanho do problema. Às vezes, o vídeo fica no ar por uma hora e consegue ter 5 milhões de acessos;, observa o especialista.

Victor lembra que ainda não há consenso entre os juristas sobre muitos dos serviços da internet. ;Via de regra, a lei brasileira entende que, quando não há nada expressamente proibido, é permitido até certo ponto. Mas cabe ao juiz avaliar os danos à imagem em cada caso;, destaca. Outro problema que também levará um tempo para ser resolvido diz respeito à jurisdição. ;Como eu vou proteger a imagem de determinada pessoa se o vídeo dela está hospedado fora do país?;, questiona Marcelo Erbella, professor de processo penal da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP).

A ;fuga; para servidores de outros países é, inclusive, uma estratégia para não ser pego pela Justiça local. O Wikileaks, que divulgou documentos sigilosos do governo norte-americano, por exemplo, deixou os Estados Unidos depois que a Amazon Web Services cancelou o serviço que prestava ao site. Agora, Julian Assange utiliza servidores suecos, mas já está pedindo apoio de internautas para replicar as informações publicadas pela página.

Para Marcelo Erbella, essa situação só será resolvida mediante a assinatura de acordos internacionais para lidar com os crimes cibernéticos. ;Eu não acho que o Brasil precise de uma nova lei, porque a internet é apenas um meio para a prática de delitos;, opina. ;Mas nós ainda não sabemos como fazer a proteção das pessoas nesse novo cenário. As discussões são recentes e os tribunais ainda estão aprendendo a lidar com isso.;

A polêmica da praia

Em setembro de 2006, a modelo Daniella Cicarelli e o então namorado, o empresário Renato Malzoni Filho, protagonizaram cenas quentes em uma praia de Andaluzia, no sul da Espanha. Um papparazzi flagrou o romance e o material foi parar no YouTube, gerando uma guerra entre a modelo e os administradores do site. Cicarelli ganhou a ação e o site teve de retirar todos os vídeos que registraram o momento, embora hoje não seja complicado encontrá-lo em outras páginas da web.

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