postado em 15/12/2010 08:30

A ideia surgiu na Festa Internacional Literária de Paraty (Flip) de 2008. Ao participarem da feira, o hacker Pedro Markun e a jornalista Isabel Colucci ficaram surpresos com a ausência de livros na cidade. ;Havia uma livraria do evento, mas a população local participava pouco da festa. Os moradores não estavam familiarizados com o assunto;, diz Isabel. A dupla, então, foi a um sebo e comprou 500 títulos, que foram doados aos moradores de Paraty. Cada livro continha uma etiqueta com instruções que começavam com o seguinte aviso: ;Este livro não é um presente!”.
Na etiqueta elaborada por Pedro e Isabel, havia também um código, referente ao cadastro da obra no site www.livrolivre.art.br. O verso da capa recomendava, ainda, que o usuário entrasse na página e postasse suas opiniões sobre a obra depois da leitura. Além disso, o leitor deveria deixar o título em algum lugar público e avisar aos outros internautas sobre a ;libertação;. A ideia dos dois amigos era fazer com que o caminho percorrido pelos livros livres fosse acompanhado por todos.
Pedro Markun conta que, a princípio, o projeto seria temporário e voltado apenas aos 500 títulos doados durante a Flip de 2008. ;Mas o trabalho ganhou dimensão. Uma semana depois, eu recebi um e-mail de um senhor do Nordeste elogiando a iniciativa e avisando que ele também queria libertar os seus livros;, lembra Pedro. Atualmente, o site tem 5,4 mil obras cadastradas e espaço para troca de experiências entre internautas.
;O site existe para unificar e dar coesão ao projeto. As pessoas costumam perguntar onde podem achar determinada obra, nos dizem onde encontraram algum material ou onde vão deixá-lo;, enumera Isabel Colucci. ;A internet é a espinha dorsal da iniciativa, ela permite que os objetivos cheguem a uma camada ainda maior. Existem muitas pessoas no Brasil que distribuem livros, mas há pouco espaço para a discussão desse trabalho;, completa Pedro.
O hacker planeja um futuro ainda mais ambicioso para o Livro Livre: a integração com plataformas móveis, como celulares e tablets. ;Assim o projeto vai realmente deslanchar. Vai permitir que as pessoas encontrem um livro no metrô, por exemplo, e avisem à rede por SMS ou via Twitter;, exemplifica. ;Não parece, mas hoje o tempo que a pessoa leva até chegar ao computador já é considerado longo.;
Inspiração
O Livro Livre não é uma ideia genuinamente nacional. Pedro e Isabel se inspiraram no Bookcrossing, rede com cerca de 600 mil usuários já bastante difundida na Europa e nos Estados Unidos. O Bookcrossing funciona tal qual um Orkut ou Facebook: é possível criar um perfil e participar de comunidades e fóruns, inclusive em língua portuguesa. Por que, então, não importar a ferramenta para o Brasil em vez de criar um site semelhante por aqui?
Pedro explica que há duas razões: uma pragmática e outra ;filosófica;. ;Eu tive uma semana para colocar esse projeto no ar. Na época, o Bookcrossing não oferecia uma tradução satisfatória para o português e, querendo ou não, a barreira do idioma ainda é um problema. Ainda mais para o público que nós queríamos atingir;, esclarece.
Além disso, a essência do projeto estrangeiro é outra. O Bookcrossing surgiu como um clube de leitura. As pessoas entram e se cadastram para participar de atividades lúdicas, basicamente. ;Mas no Brasil, onde o índice de analfabetismo funcional é gigante, não dá para fazer um projeto simples assim. A iniciativa precisa ter um caráter de militância e engajamento social para dar certo;, reforça Pedro. O hacker afirma que ainda é difícil convencer os tradicionais leitores brasileiros ; geralmente, a elite das classes A e B ; a doarem seus livros. Ele próprio sofreu antes de doar seus mais de 2 mil títulos. ;Mas isso precisa ser quebrado. Ninguém ganha nada mantendo pilhas de livros com poeira na estante.;
Manipuladores de bits
Pedro Markun trabalha atualmente como hacker, modificando programas ou peças de computador para que eles ganhem novas funcionalidades. Ele sempre esteve engajado em projetos de mobilização social e hoje atua no grupo Transparência Hacker, que procura criar ferramentas para melhorar o acesso do cidadão às contas governamentais. A profissão de Pedro é diferente da atividade do cracker, termo usado para identificar pessoas que usam seus conhecimentos em informática para fins ilícitos, como o roubo de senhas de cartão de crédito na internet, por exemplo.
Falhas na formação
A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) define o analfabeto funcional como a pessoa que estudou menos de quatro anos. Na prática, essa população consegue ler e escrever frases simples, mas tem dificuldades para interpretar textos ou colocar ideias mais elaboradas no papel. No Brasil, uma em cada cinco pessoas é analfabeta funcional, segundo o último levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).