Tecnologia

Brasil se prepara para testar 2ª geração de chips de identificação de gado

postado em 22/12/2010 08:00
Os chips armazenam dados como raça, idade e histórico de vacinas dos boisDizem que a feijoada é o mais brasileiro de todos os pratos, mas se há algo que realmente faz sucesso no exterior é a carne produzida por aqui. Churrascarias made in Brasil são populares em quase todos os países desenvolvidos, onde gente abastada se encanta com a fartura de picanhas e costelas. Não é para menos: o Brasil tem o segundo maior rebanho bovino do mundo, atrás apenas da Índia, onde os animais são considerados sagrados e por isso não são criados para o abate. Com todo o potencial nacional para a exportação, cuidar dos bois não é somente necessário, mas também um bom negócio.

Foi esse pensamento que motivou a primeira fábrica brasileira de chips a investir em um produto voltado para a pecuária. O chamado chip do boi é o primogênito do Centro de Excelência em Tecnologia Eletrônica Avançada (Ceitec), fábrica de semicondutores localizada no Rio Grande do Sul, financiada pelo Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT). O chip passou por testes ao longo deste ano e a segunda versão do produto já está em fase de prototipagem. Até abril do ano que vem, unidades do semicondutor serão entregues a fábricas de brincos de rastreamento, que farão a segunda etapa de avaliação.

Os modernos brincos de rastreabilidade animal funcionam como placas de carro ultramodernas. Dentro da peça de plástico presa à orelha do animal, há o chip, que contém um número. Ao aproximar o leitor da orelha do boi (cerca de 30cm), um sinal de radiofrequência informa ao peão qual é a identificação do bicho e um sistema permite o acompanhamento de informações como sexo, raça, idade, ganho de peso e histórico sanitário do animal, com detalhes sobre a aplicação de vacinas e vermífugos. ;O chip é um identificador eficiente, faz com que o controle do gado fique mais rápido e seguro;, afirma Alexandre Scaff Raffi, presidente da Associação Sul-mato-grossense de Produtores de Novilhos Precoces.

Antes de a tecnologia se infiltrar na pecuária, os fazendeiros tinham duas opções de rastreabilidade: o brinco óptico com números e o brinco com código de barras. No primeiro, um peão tem que ditar para outro peão o número que está escrito no brinco. Essa informação é anotada, passada para o computador na sede da fazenda e enviada ao sistema de controle do rebanho. ;Nós trabalhamos com pessoas com pouca escolaridade, não é raro que esse número chegue errado ao sistema. Eu mesmo, que sou engenheiro, já errei a identificação algumas vezes;, comenta Alexandre Raffi.

No caso do brinco com código de barras, ele só pode ser lido se a superfície estiver limpa ; sem resquícios de barro ou grama ; e se o animal estiver com a cabeça parada, condições bastante incomuns nas fazendas brasileiras. Os pecuaristas fazem o rastreamento dos bichos, em média, de duas a três vezes ao ano, ou sempre que há intervenção sanitária. Animais reprodutores chegam a ser vistoriados seis vezes por ano.

A Associação Sul-mato-grossense de Produtores de Novilhos Precoces fez o maior teste com o chip brasileiro: 3 mil cabeças de gado estiveram com o brinco produzido pelo Ceitec por cerca de oito meses. Cinquenta e quatro peças tiveram problemas de leitura e sete caíram da orelha dos animais. Segundo um relatório apresentado ao MC T, as falhas ocorreram por problemas não relacionados ao funcionamento do chip em si.

Evolução
Durante a avaliação, o retorno dos pecuaristas ajudou no desenvolvimento da segunda versão do semicondutor. Menor e com mais memória, o chip vai permitir que o número do animal seja gravado pela fabricante dos brincos e não pela produtora do semicondutor. Agora, o desempenho da peça será avaliado pelas produtoras de soluções de rastreamento e a expectativa é que o chip seja produzido em escala industrial no fim de 2011.

A comercialização do semicondutor brasileiro pode reduzir em pelo menos 18% o custo dos fazendeiros com o controle do gado. O valor é relativo ao imposto de importação. Um estudo do Ceitec com fabricantes de brincos mostrou que o preço final do produto pode cair de R$ 7 a unidade para R$ 4,5 com o uso do chip nacional. Isso pode parecer pouco, mas se torna bastante significativo quando o cenário da indústria eletrônica é analisado como um todo. Nos países desenvolvidos, as fabricantes de peças e produtos eletrônicos são responsáveis por 12% do Produto Interno Bruto. Por aqui, as empresas respondem por menos de 2% do PIB.

Para tentar mudar o quadro, o governo tenta, desde 2004, estimular a fabricação de semicondutores brasileiros. Uma das iniciativas é a criação de design houses, casas de projetos que desenham os chips. O Ceitec começou como uma dessas casas, formada por empresários, universidades e entidades de classe. Em 2008, o centro se transformou em empresa pública e recebeu R$ 500 milhões do MCT até agora. Hoje, o Ceitec projeta e fabrica circuitos integrados e é a maior casa de projetos do país, com 60 profissionais. A Ceitec Associação Civil continua existindo apenas como design house e é parceira da Ceitec S.A.

Produção em crescimento
O último levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostrou que o rebanho de gado cresceu 1,5% em 2009 na comparação com 2008, após dois anos de queda. O país tem 205,3 milhões de bovinos, e o estado que mais concentra animais é Mato Grosso, concentrando 13,3% do rebanho nacional.

Pequenos notáveis
; Os chips têm valor inversamente proporcional ao seu tamanho ; quanto menores, mais valiosos. Uma das explicações para isso está no processo de fabricação dos semicondutores, o mais complexo da indústria. A montagem é feita em escala atômica, e qualquer impureza no ar pode prejudicar o resultado final. Por isso, os chips são manuseados na chamada sala limpa, 10 mil vezes mais higienizada que a UTI de um hospital.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação