Tecnologia

Mecanismo auditivo de insetos pode ajudar a diminuir tamanho das antenas

postado em 18/03/2011 07:00
Animais sempre inspiraram a mente humana. Foi graças à observação da natureza que nasceram as roupas ; uma clara imitação da pele dos mamíferos ; e até inventos mais elaborados, como os aviões, resultado do sonho de voar tal qual os pássaros. A contribuição dos bichos, no entanto, está longe de acabar. Um professor da Universidade de Wisconsin-Madison, nos Estados Unidos, estuda o sistema auditivo dos insetos para tentar importar essa ;tecnologia; às antenas de transmissão. A ideia do engenheiro elétrico Nader Behdad é fazer com que as estruturas metálicas que propagam ondas eletromagnéticas fiquem cada vez menores sem perder o desempenho.

A tarefa pode parecer simples, ainda mais porque, em tecnologia, os dispositivos ficam cada vez menores e mais rápidos. O problema é que, com as antenas, há um limite físico, determinado pelo espaço que a onda eletromagnética precisa percorrer antes de se lançar no ar (veja infografia). Esse espaço é chamado de comprimento de onda e diminui à medida que a frequência se torna mais alta. Assim, a frequência de transmissão do sinal de celular, por exemplo, é de cerca de 1GHz e sua onda tem tamanho de 3cm. O sinal de rádio FM, que está em uma frequência mais baixa (100MHz) precisa de um espaço bem maior, 3m de antena, antes de se propagar.

Os cientistas já deram um jeito de diminuir essa necessidade. Encontraram o chamado número ótimo, basicamente, dividindo o tamanho que seria necessário por quatro. No caso do celular, em vez de ter uma antena de 30cm no aparelho, o que não seria nada prático, é possível fazer a transmissão com uma estrutura de 7,5cm. ;O problema é que, quando o tamanho de uma antena é diminuído, ela se degrada mais rapidamente;, afirma o professor Nader Behdad. ;Ela deixa de receber e enviar a energia com eficiência e isso é uma das coisas que provoca quedas nas chamadas de celulares;, completa.

;A criação de antenas eletricamente pequenas, que funcionam abaixo do comprimento recomendado pela física, é um tópico antigo da ciência;, comenta o professor Marco Antônio Terada, do Departamento de Engenharia Elétrica da Universidade de Brasília. O assunto, contudo, evoluiu pouco ao longo do tempo. Foi por isso que o engenheiro da Universidade de Wisconsin-Madison passou a se interessar pelo potencial do organismo dos animais. ;Percebi que antenas funcionam assim como a audição dos insetos, por meio de ondas eletromagnéticas e acústicas, e que ambas compartilham conceitos e sistemas similares. Então, esse era um lugar natural para procurar uma resposta;, contou o professor Behdad ao Correio, por e-mail.

Por enquanto, a equipe do engenheiro norte-americano está apenas observando algumas espécies de insetos, entre elas, as moscas parasitárias, os grilos e os gafanhotos. ;Os insetos são criaturas fascinantes, que podem parecer insignificantes para a maioria de nós. Mas eles têm alguns dos órgãos mais sensíveis já conhecidos. São organismos relativamente simples, que têm um nível de desempenho jamais alcançado pelos sistemas artificiais;, destaca o professor Behdad. A ideia do pesquisador é importar esses mecanismos para conjuntos de antenas em miniatura.

;Esses conjuntos de antenas seriam análogos ao mecanismo de audição de um ser vivo com mais de duas orelhas. Pequenos, eles serão extremamente úteis para sistemas com os quais temos trabalhado;, prevê o engenheiro. Uma das novas aplicações, adianta o professor Nader, são os chamados radares de pequena abertura, muito procurados para satélites e estações espaciais. ;Um radar nada mais é que um conjunto de antenas que informam sobre um alvo. Em terra, não há muita preocupação com o espaço que elas ocupam, mas no céu é diferente;, aponta o professor da UnB Marco Terada.

O pesquisador norte-americano quer, no futuro, deixar esses sistemas cada vez menores, para serem utilizados em veículos autônomos (que andam sem motorista) e em equipamentos para pessoas com deficiência ; com um pequeno radar, uma cadeira de rodas poderia se mover mais facilmente dentro de um apartamento, por exemplo. Antenas minúsculas também podem ser usadas em sistemas de imagens em micro-ondas de alta resolução para auxiliar o trabalho de médicos em cirurgias delicadas. Isso sem falar nas aplicações em telecomunicações. ;Estruturas miniaturizadas ajudariam a aumentar a taxa global de transmissão de dados via celular. Imagine o ganho de velocidade no download de informações em smartphones e tablets;, planeja Nader Behdad.

O balanço da senoide
A frequência de transmissão é determinada pela vibração dos elétrons conforme cada caso. Em todas as situações, essas partículas se movem como uma onda, chamada de senoide. A quantidade de vibrações por segundo determina a frequência. Essa propriedade também ajuda a definir o comprimento de onda, que é a velocidade da luz (300 mil quilômetros por segundo) dividida pela frequência de operação.

Radares orgânicos
Na natureza, existem várias fontes de irradiação de ondas eletromagnéticas. O sol é uma delas. O homem percebe seu calor por meio de sensores espalhados pelo corpo. A luz também é uma onda eletromagnética, captada pelo olho, uma espécie de antena que identifica frequências muito altas. Em geral, as ;antenas; dos animais apenas recebem informações do ambiente, com exceção do morcego. Esse mamífero emite ultrassons através da laringe, que são inaudíveis ao ouvido humano.

Leia a íntegra da entrevista com o professor Nader Behdad, da Universidade de Wisconsin-Madison:

Correio - Qual é o maior desafio para construir boas antenas? Quais são as limitações de hoje em dia?
Behdad - O campo do design de antenas é muito diversificado e há diferentes tipos de antenas para as mais variadas aplicações. Então, é difícil falar sobre boas antenas em geral. O que é bom para uma aplciação pode não ser para outra. Assim, para responder a esta pergunta, vou me concentrar em pequenas antenas (eletricamente pequenas). Antenas eletricamente pequenas antenas são as que têm dimensões físicas significativamente menores que o comprimento da onda eletromagnética irradiada ou recebida (o comprimento de onda é definido como a velocidade da luz dividida pela freqüência de operação). Essas antenas são utilizadas em muitas áreas da eletrônica. Exemplos típicos são os telefones celulares, computadores, receptores GPS, entre outros. O problema é que, quando o tamanho de uma antena é diminuído (comparado ao comprimento de onda), seu desempenho degrada muito rapidamente.

Correio - E isso é muito comum?
Behdad - Muitas aplicações (tais como telefones celulares) trabalham em frequências relativamente baixas. Nessas freqüências, o comprimento de onda é muito grande (por exemplo, 30 centímetros a 1,0 GHz). Portanto, as antenas que podem emitir de forma eficiente esses comprimentos de onda tendem a ser fisicamente grandes. Mas ninguém quer ter uma grande antena enorme saindo do celular. Então, nós queremos antenas menores, mas, ao mesmo tempo, com um bom desempenho. Esse é um desafio que os designers de antena têm que superar. Em particular, quando uma antena diminui, ela não irradia e recebe dados da forma mais eficiente. Essa é uma das razões para a queda de chamadas em telefones celulares! Além disso, quando são construídas antenas menores, elas perdem todo o sentido de direção.

Correio - Por que você decidiu estudar o corpo dos insetos? Como eles poderiam contribuir para a sua pesquisa?
Behdad - Trabalho com antenas eletricamente pequenas há um bom tempo e muitos pesquisadores nessa área têm tentado resolver os problemas essas estruturas (aqueles mencionados acima). Mas o progresso tem sido muito lento. Ao mesmo tempo, eu estou extremamente fascinado com a evolução biológica, impressionado como as formas de vida têm sido capazes de evoluir para ganhar sentidos muito interessantes. Em algum ponto no passado eu me perguntei a mim mesmo: "Como é que uma entidade biológica evoluiu a ponto de ter a capacidade de ler ondas eletromagnéticas?" Na tentativa de responder esta questão, eu olhei para vários animais e seus mecanismos de detecção. Percebi que antenas funcionam assim como a audição dos insetos, através de ondas eletromagnéticas e acústicas, e que ambas compartilham conceitos e sistemas similares. Então, esse era um lugar natural para procurar uma resposta. Uma vez que o sistema de audição dos insetos é muito pequeno se comparado ao comprimento de onda dos sons que eles podem ouvir, estudar o seu mecanismo de audição pareceu ser mais pertinente para o problema das antenas eletricamente pequenas. As coisas que podemos aprender com os insetos poderiam nos ajudar a abrir uma nova frente na área de design de antenas.

Correio - Você está pesquisando todos os tipos de insetos? Ou apenas uma espécie? Por quê?
Behdad - Acho todos eles incríveis. Insetos são criaturas muito fascinantes, que, à primeira vista, podem parecer insignificantes para a maioria de nós. Eles certamente não são tão complexos como os seres humanos ou animais de grande porte. Mas, em tais pacotes pequenos, eles têm alguns dos órgãos mais sensíveis sensoriais conhecidos pelo homem. O mecanismo da audição é um exemplo de um sensor acústico e há outros exemplos -- ultrassom, visual, infravermelho, entre outros. Esses organismos biológicos são relativamente simples, proporcionando níveis de desempenho que os sistemas artificiais não foram capazes de igualar. Quando eu penso nisso, acho que algo está errado nesse cenário! Só pode estar faltando alguma coisa. Assim, ao imitar os mecanismos sensoriais de insetos, poderemos ser capazes de encontrar formas melhores e mais eficientes para resolver certos problemas de engenharia. Por enquanto, estamos olhando para os mecanismos de audição de várias espécies de insetos, incluindo moscas parasitárias, grilos e gafanhotos.

Correio - Em que fase está o estudo?
Behdad - Atualmente, nós estamos nos estágios iniciais. Estamos verificando os fundamentos desses conceitos e investigando as suas aplicações básicas. Também estamos trabalhando para expandir a ideia para arranjos mais complicados de antenas. Até agora, nós investigamos conjuntos de duas antenas, mas esse conceito pode ser expandido para matrizes com mais de dois elementos. Tais arranjos de antenas seriam análogos ao mecanismo de audição de um organismo com mais de duas orelhas. Estes elementos miniaturizados biomiméticos podem ser extremamente úteis em imagens e aplicações de sensoriamento. No futuro, pretendemos investigar as demais aplicações desses arranjos biomiméticos de antenas. Em particular, o desenvolvimento de sistemas de radar de pequena abertura, miniaturizados, com direção eletromagnética e microondas, entre outras aplicações.

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