postado em 21/03/2011 07:00
Uma das coisas mais importantes para os médicos que estudam doenças modernas ; entre elas, o câncer, a obesidade e a depressão ; é o histórico do paciente. Com informações sobre seus hábitos, é possível dizer o que provocou o problema de saúde e quais os fatores de risco para novas patologias. Isso funciona bem porque o pesquisador confia no que o doente conta. Mas e se, nessa conversa, algo for esquecido? A hipótese é, na verdade, bastante comum. Agora, os cientistas estão tentando criar ferramentas de monitoramento dos costumes das pessoas. São softwares, sensores e equipamentos de GPS que acompanham todos os passos dos pacientes ou voluntários em pesquisas. Tudo para garantir que a ciência consiga um retrato fiel da vida dessas pessoas, sem precisar confiar na memória ou no rigor dos alvos dos estudos.O psicólogo Tom Baranowski, da Faculdade de Medicina de Baylor, no Texas (EUA), é um dos entusiastas desse movimento. Ele, que trabalha com nutrição comportamental, percebeu o esquecimento de crianças em um estudo sobre hábitos alimentares. ;Cerca de 35% dos alimentos que os pequenos disseram ter comido no dia anterior não existiram. Nós estávamos lá e não vimos esses alimentos;, contou Baranowski, por e-mail, ao Correio. ;Outros 15% de alimentos foram comidos, mas não reportados aos pesquisadores.;
A ineficiência dos tradicionais questionários levou cientistas vinculados ao Instituto Nacional do Câncer dos Estados Unidos a desenvolver um software de acompanhamento de dieta. Batizado de ASA24, o programa é todo animado, com um robozinho virtual que orienta a navegação. O voluntário precisa detalhar tudo sobre as refeições ; o que comeu e bebeu, com informações sobre molhos, temperos de salada e quantidades. Para evitar ;trapaças;, o software apresenta pratos com desenhos dos alimentos e uma pergunta incisiva: ;Quanto você realmente comeu?;.
O ASA24 foi baseado em um sistema semelhante desenvolvido pelo Departamento de Agricultura dos EUA. O software, lançado em setembro de 2009, ficou pronto após seis anos de trabalho e ganhará uma nova versão em setembro. Os administradores do programa calculam que há mais de 100 estudiosos utilizando a ferramenta atualmente. ;Se um pesquisador precisa de registros de hábitos alimentares durante as 24 horas do dia, o ASA24 é uma grande ajuda. Ele pode ser manuseado pelo próprio voluntário e promove uma grande economia de tempo e dinheiro para investigadores que precisam de grande quantidade de informação;, destaca Amy Subar, pesquisadora do Instituto Nacional do Câncer dos EUA.
Também nos Estados Unidos, pesquisadores da Universidade da Califórnia em São Diego criaram um software que permite acompanhamento a cada segundo da rotina de atividades físicas. O monitoramento é feito, em geral, com aparelhos de GPS e acelerômetros (que indicam a velocidade de deslocamento do indivíduo). O programa mostra a rota de cada pessoa e como ela está se locomovendo pela cidade ; a pé, de carro, bicicleta, metrô ou ônibus. A professora Jacqueline Kerr, uma das responsáveis pelo projeto Palms, explica que, até então, dados desses dispositivos chegavam aos pesquisadores apenas como uma sequência de números.
;O Palms, contudo, permite que os investigadores interpretem essas informações por meio da criação de variáveis significativas para as análises. Eles conseguem agrupar material de seu interesse de forma flexível;, ressalta a professora da Universidade da Califórnia. Jacqueline lembra que, muitas vezes, registros enviados pelo GPS ficam confusos, por conta da interferência de montanhas e prédios. O sistema criado na instituição diminui esse problema. ;O Palms foi projetado para que os pesquisadores não precisem contratar programadores a cada novo projeto, evitando desperdício de dinheiro para reinventar processos comuns;, afirma Jacqueline.
Para viver melhor
Isso tudo serve não só para os médicos, mas também para os governos interessados em melhorar a qualidade de vida da população. O Palms, por exemplo, já ajudou prefeituras de várias cidades na avaliação do comportamento das pessoas antes e depois da implantação de projetos urbanos. Entre os estudos já realizados estão a análise dos impactos após a construção de uma ciclovia na Dinamarca, a mudança dos limites de um bairro para idosos na Austrália e os hábitos físicos de quem circula por uma cidade compacta como Hong Kong, na China.
Os aparatos tecnológicos também podem ajudar os pesquisadores a identificar os níveis de poluição aos quais as pessoas são submetidas. Em uma matéria publicada na revista especializada Nature, o geoquímico Steven Chillrud, da Universidade Columbia, nos Estados Unidos, apresentou um dispositivo com sensores ambientais que capturam amostras de partículas presentes no ar. Depois de alguns dias, os filtros são recolhidos para análise.
A necessidade de construção de um equipamento portátil com essa capacidade veio depois que outros pesquisadores norte-americanos constataram falhas nos métodos disponíveis até meados dos anos 2000. Na época, a avaliação da poluição ambiental dependia de máquinas instaladas próximo à saída de prédios e casas. Em 2005, porém, os estudiosos perceberam que muitas pessoas estavam mais expostas a poluentes dentro de casa do que fora. ;Esses aparelhos nos permitem compreender melhor o comportamento humano e como o ambiente influencia esse comportamento;, aponta a professora Jacqueline Kerr. ;Os dados recolhidos nos darão mais evidências para impulsionar decisões políticas que favoreçam uma vida mais saudável;, completa.
Entrevista com Jacqueline Kerr, professora do departamento de medicina familiar e preventiva da Universidade da Califórnia em São Diego
Correio - Como funciona o Palms exatamente?
Jacqueline - Palms (sigla para sistema de medição de atividades físicas, em inglês) processa, segundo a segundo, dados de vários sensores. Pesquisadores podem enviar dados para o Palms através de um site seguro e com design amigável. Os dados dos diferentes dispositivos são, então, mesclados. As informações de dispositivos eletrônicos são, geralmente, apenas uma sequência de números. O Palms permite que os investigadores interpretem os dados através da criação de variáveis significativas para as análises. O software tem um sistema flexível que permite aos pesquisadores decidir a forma de agrupar os dados. Cada etapa é gravada como um protocolo para que os investigadores que trabalham sobre o mesmo tema ou em populações semelhantes possam processar e comparar seus achados.
Correio - Que tipos de aparelhos são usados pelos participantes das pesquisas?
Jacqueline - A maioria dos estudos incluiu participantes usando aparelhos de GPS e acelerômetros. O GPS pode nos dizer o quão longe as pessoas viajam, e por quais meios, por exemplo, de carro, bicicleta ou a pé. Já o acelerômetro nos dá informações adicionais sobre a intensidade do movimento. Alguns estudos também incluem os participantes usando um monitor de frequência cardíaca.
Correio - Quantas pesquisas já foram feitas com o Palms?
Jacqueline - Existem vários projetos de pesquisa que utilizam o Palms e novos usuários são cadastrados a todo momento. Os projetos incluem a avaliação do comportamento humano antes e depois de um projeto de renovação urbana. Na Dinamarca, analisamos a construção de uma ciclovia novo, na Austrália, a redefinição dos limites de um bairro para idosos. Também já estudamos o comportamento de viagem em uma cidade compacta, como Hong Kong, e os hábitos de caminhada de idosos em São Diego. Em Houston, no texas, houve a avaliação de crianças da pré-escolares, com indicações de como o nível de atividade física dos pais pode influenciar as crianças, entre tantos outros estudos.
Correio - Quais são as vantagens de usar o Palm?
Jacqueline - Os dispositivos que usávamos até então para avaliar o comportamento não forneciam informações que os investigadores pudessem usar facilmente. Palms ajuda os investigadores de uma forma padronizada. Além disso, dados de GPS podem ser confusos devido à interferência de edifícios, etc. PALMS ajuda os pesquisadores a filtrar dados ruidosos e manter os que fazem sentido. A ideia é que os pesquisadores não tenham mais que contratar programadores para cada novo projeto, evitando o desperdício para reinventar processos comuns. Os dados de GPS nos permite compreender o comportamento humano melhor. Isso irá melhorar as evidências para o relacionamento entre as nossas comunidades e estimular decisões políticas na construção de alternativas que favoreçam hábitos saudáveis de vida.