postado em 01/07/2011 08:00
As madrugadas de sexta para sábado podem servir a vários propósitos: encontrar amigos, sair para dançar, descansar, ficar com o namorado ou toda sorte de atividades para relaxar. Para um grupo de jovens brasilienses, contudo, essa virada foi muito mais produtiva. Em 24 horas de um fim de semana, a equipe trabalhou para colocar no ar o piche.me (), um muro virtual onde qualquer pessoa pode escrever o que bem entender. A simplicidade da ideia é inversamente proporcional ao sucesso que ela já alcançou. Em menos de cinco meses de existência, o piche.me registra uma média de 1 milhão de acessos diários, e seus fundadores começam a receber propostas de empresas interessadas no negócio.O ;click; para a criação do projeto surgiu a partir de um dos lugares mais emblemáticos quando o assunto é escrever para protestar. Ao assistir a um documentário sobre a queda do Muro de Berlim, o engenheiro de software Túlio Ornelas, um dos fundadores do piche.me, pensou que poderia haver, na internet, um lugar para que as pessoas reclamassem de forma anônima. O rapaz, então, lançou o desafio para quatro amigos, que toparam a proposta. Entre as 19h de 11 de fevereiro e as 19h do dia seguinte, nasceu o site. ;Na computação, há um desafio para grandes empresas, que precisam desenvolver um sistema em três dias de trabalho ininterruptos. Fizemos algo parecido; o principal objetivo era nos organizarmos para fazer dar certo em 24 horas;, conta Ornelas.
Com disciplina e técnicas modernas de gestão ; a cada 25 minutos de trabalho, eles tinham 10 minutos de descanso, por exemplo ;, os jovens conseguiram transformar o piche.me em realidade. ;Mas a parte mais legal veio depois. As pessoas começaram a falar do site no Twitter e ele atingiu milhões de acessos;, lembra Ornelas. Antes de completar dois meses, os acessos saltaram de 10 mil usuários mensais para 10 milhões. ;Eu imaginava que seria um sucesso, mas não tão rápido;, comenta a analista de sistemas Karina Macedo.
Logo após o lançamento, no entanto, a equipe precisou fazer algumas adaptações. ;O público que chegou ao piche.me estava na faixa dos 12 aos 16 anos, então, desenvolvemos mais atrativos para eles;, relata Ornelas. Foram criados novos fundos para os muros, ranking dos mais pichados, espaços pichados recentemente. Os jovens também integraram a plataforma ao Twitter, ao Facebook, ao Orkut e ao YouTube. Hoje, qualquer um pode criar seu muro sem fazer cadastro e ampliá-lo quase que infinitamente ; basta descer a barra de rolagem.
Nessa toada, há atualmente 3 milhões de muros criados ; alguns não tão ativos ; e uma média de 100 tuítes por minuto fazendo referência ao site. O grupo tem uma receita de publicidade de US$ 170 por dia e compradores interessados. ;Recebemos algumas propostas, mas nenhuma ainda muito interessante;, diz o engenheiro de software do projeto. O grupo também planeja melhorias. ;A gente espera ampliar o cunho de rede social do site, criando um chat parecido com o do Facebook e um projeto, ainda em sigilo, que explore a localização dos usuários;, adianta Wesley Rocha, designer de interfaces.
Anônimos
Embora os administradores não saibam exatamente quem são os usuários do piche.me, eles utilizam ferramentas que dão pistas sobre o perfil da maioria deles. Mediante o pagamento de taxas, o Google indica onde mais os internautas navegam e, assim, consegue definir qual a faixa etária. Outro indício é o conteúdo das pichações. ;As pessoas ali têm a mesma atração que teriam para escrever na porta de um banheiro, por exemplo. Elas falam de coisas que são tabu;, observa Marcelo Traser, professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul e especialista em redes sociais. ;O muro também é algo divertido, funciona para que os adolescentes deixem recados para seus amigos, como faziam em agendas no fim de ano;, completa.
Algo bem diferente do que ocorre na pichação da vida real. ;Atualmente, o piche é utilizado para reproduzir uma marca, um nome e enfatizar a competição entre grupos;, esclarece Alex de Toledo Ceará, autor de um estudo sobre as motivações dos pichadores em centros urbanos. Esse caráter também é diferente do que ocorria há 40 anos, quando os escritos nas grandes cidades eram sinal de indignação e protesto. ;Hoje, são adolescentes querendo se divertir;, analisa Ceará.
As possibilidades do anonimato geram outro problema: a publicação de mensagens ofensivas ou criminosas. O piche.me oferece uma janela para denúncias de abusos e, caso isso seja confirmado, a frase é apagada. A equipe do site ainda não registrou nenhuma ocorrência grave nesse sentido, mas os especialistas apostam que o número de casos deve aumentar. ;Verificamos esse fenômeno em toda a história da internet. Quando as pessoas estão anônimas, elas tendem a publicar coisas que não publicariam em outra situação;, pondera o professor Marcelo Traser.