Tecnologia

ONU fortalece a web

postado em 18/07/2011 09:30

Não precisa fazer muito esforço para se lembrar de momentos em que a carência de tecnologia atrapalhou o dia a dia. Basta pensar nas situações em que o sistema estava fora do ar ou quando ficou impossível falar com alguém porque não havia cobertura de celular, por exemplo. Cenas assim são cada vez mais comuns e levaram as instituições públicas a reconhecer a importância desses recursos para a vida das pessoas. No mês passado, a Organização das Nações Unidas (ONU) declarou o acesso à internet como um direito humano e, no Brasil, entidades já começam a decidir casos em que aparelhos eletrônicos são considerados bens essenciais. Os especialistas dizem, porém, que ainda falta muito para ser feito.

Para entender o novo cenário, é preciso voltar alguns anos. A sociedade digital começou a se formar na década de 1980, quando surgiram os primeiros softwares amigáveis ao usuário comum. Foram os programas de computador que inauguraram a ideia de ativos não materiais, promovendo uma transformação radical na economia e nas relações. ;As pessoas passaram a exigir, cada vez mais, respostas instantâneas. Houve uma mudança de comportamento e todos começaram a utilizar os recursos tecnológicos para se relacionar, se desenvolver, para trabalhar;, enumera a advogada Patrícia Peck Pinheiro, especialista em direito digital.

Esse movimento ficou ainda mais forte com a popularização da internet. Sem fronteiras físicas para a troca de informações, as noções de imediatismo e desmaterialização ganharam ainda mais valor. Nesse contexto, não há mais separação entre a vida real e a vida digital, uma vez que tudo pode acontecer no ambiente on-line. ;Se o Facebook sai do ar por algumas horas, para muitas pessoas é como se o site matasse todos os seus amigos. O mesmo ocorre com alguém que perde o celular com agenda e becape. A pessoa passa a se sentir como se tivesse perdido um verdadeiro histórico de vida;, exemplifica Patrícia.

A tradutora Bárbara Soares, 30 anos, faz parte da geração que não vive sem tecnologia. Dona de um laptop e de um iPhone, ela fica conectada 24 horas por dia e fez da internet uma ferramenta que facilita seu cotidiano. Além de manter contato com amigos e alimentar seu blog, a web também serve para que Bárbara compre tudo o que precisa. Na lista de aquisições on-line, estão eletrônicos, cosméticos, um jogo de panelas e, até mesmo, uma estante. ;Consigo preços muito melhores em locais fora de Brasília e, hoje, procuro comprar tudo desse jeito;, justifica. A necessidade da tradutora é tamanha, que ela faz de tudo para não ficar sem a rede de computadores. ;Quando me mudei, o pessoal do provedor disse que demoraria até sete dias para fazer a migração da internet. Aí eu contratei uma conexão a rádio durante esse período;, conta.

Sempre no ar
A blogueira Ísis Moreira, 23 anos, usa a internet para se atualizar e manter contato com os amigos.Assim como Bárbara, outras pessoas também não conseguem ficar distantes da web e dos eletrônicos. A estudante Ísis Moreira, 23 anos, ainda não tem um smartphone, mas não passa menos que seis horas por dia on-line. Na web, a jovem procura se atualizar quanto às novidades da área de seu curso, nutrição, além de fortalecer o contato com amigos. ;Minha melhor amiga mora em Uberlândia. Nós nunca vivemos na mesma cidade, mas se não fosse a internet, certamente, não seríamos tão próximas;, diz.

No caso do técnico em informática Denilson Kleber dos Santos, 31 anos, o grande companheiro é o celular. ;Eu trabalho sozinho e atendo clientes em domicílio. O telefone é meu instrumento de trabalho.; Santos comprou um smartphone recentemente e já começou a atender pessoas via e-mail, MSN e Skype.

O técnico em informática faz parte de um contingente de pessoas que passaram a ficar mais protegidas com a última decisão do Ministério Público Federal (MPF) sobre o direito do consumidor que adquire um celular. No fim do mês passado, o órgão detgerminou que os fabricantes são obrigados a trocar o aparelho imediatamente, caso ele apresente defeito, ou reembolsar o valor pago. ;Hoje, eu resolvo minha vida toda por telefone. Algumas pessoas não se importam se o equipamento quebra ou se é perdido, mas, para mim, ele é essencial;, reforça Denilson dos Santos.

Novos problemas

A determinação do MPF foi mais uma na batalha sobre o assunto, levada aos tribunais por consumidores contra a Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), representante dos fabricantes de celulares. O caso ilustra uma situação que, sem regras legais definidas, acaba sendo decidida na Justiça. Em questões relativas à internet, a coisa fica ainda pior, uma vez que há muitas brechas na legislação. ;Os primeiros registros de crimes eletrônicos surgiram há 15 anos. O problema é que essa matéria não é ensinada pelas faculdades de direito, o meio acadêmico quase não discute esse tema e nós ficamos sem proteção legal;, lamenta a advogada Patrícia Peck.

Uma das maiores lacunas vem da falta de regulamentação de algo já previsto na Constituição de 1988. A Carta Magna diz que qualquer um pode manifestar seu pensamento, mas o anonimato está proibido. No mundo digital, contudo, investigações sobre a identidade de criminosos dependem da colaboração dos provedores. ;É preciso determinar por quanto tempo as empresas precisam preservar os dados de conexão. Como isso ainda não foi colocado em uma regra específica, há um impasse jurídico;, esclarece a especialista em direito digital.

Liberdade preservada
A caça ao inimigo, porém, não pode passar por cima da liberdade dos usuários da internet. E aí está outro furo na legislação brasileira no que diz respeito à tecnologia. Atualmente, não há nenhuma lei que proteja a privacidade dos cidadãos. ;Muitos bancos, por exemplo, obrigam que o internauta instale plugins no computador para fazer operações de internet banking. O problema é que esses programas acabam monitorando toda a navegação da pessoa, que nem sequer sabe o que está acontecendo;, denuncia o professor Sérgio Amadeu, da Faculdade de Comunicação Cásper Líbero.

Usuários da rede de computadores e especialistas da área elaboraram um projeto de lei para tentar resolver a situação. O chamado Marco Civil da Internet visa garantir a liberdade, a privacidade e a segurança das pessoas no ambiente on-line. Após muitas discussões, o material ficou pronto, mas está empacado no Palácio do Planalto. ;Estamos, agora, propondo que algum deputado abrace a causa, caso o governo não tome nenhuma medida até agosto;, conta Amadeu. ;Não podemos criminalizar nenhuma prática na internet sem antes definir quais são os direitos das pessoas;, defende.

O melhor termo
A área jurídica que discute questões relativas à internet já teve vários nomes. Nos anos 1990, ela chegou a ser chamada de lei cibernética, ;como se a web não existisse, fosse uma espécie de alter ego das pessoas;, diz Patrícia Peck. Depois, surgiu o termo ;direito eletrônico;, também inadequado, porque a eletrônica existe há 100 anos. Agora, está estabelecida a expressão ;direito digital;, mas não como um novo ramo do direito, e sim como uma evolução da disciplina.

Apoio essencial
Desde 3 de junho, entrar na internet é um direito tão humano quanto o de ir e vir. A ONU editou um documento de 20 páginas em que ressalta o caráter ;transformador e único; da rede de computadores. Para usuários brasileiros, o texto pode não ter feito grande diferença, mas, para quem vive em países ditatoriais, como a China e a Líbia, o apoio da organização é essencial na luta pela liberdade de expressão.

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