postado em 25/07/2011 13:17
A ficção está repleta de obras nas quais seres humanos são controlados por meio de chips, para o bem e para o mal. Tamanha criatividade acabou inspirando os cientistas que já realizam experiências de implantação de dispositivos eletrônicos em organismos vivos ; com fins nobres, é claro. Um estudo publicado este mês na revista on-line Advanced Materials trouxe uma novidade para essa área do conhecimento: pesquisadores norte-americanos conseguiram desenvolver uma memória de computador com materiais biocompatíveis e 100% macios, algo inédito até então. A criação ainda está em fase inicial, mas a expectativa é que essa descoberta possa, no futuro, melhorar a medicina de diagnóstico e de reabilitação.Eletrônicos biocompatíveis não são propriamente uma novidade. Eles permitem o desenvolvimento de próteses de membros artificiais para pessoas que perderam mãos e pernas, por exemplo. Essa mesma tecnologia possibilita o controle dos músculos de pacientes tetraplégicos. ;O problema é que os sensores e dispositivos em contato com o corpo nessas situações não são totalmente biocompatíveis. Com o tempo, eles perdem sua funcionalidade ou, até mesmo, causam danos aos tecidos;, explica o professor Alcimar Soares, coordenador do Núcleo de Pesquisas em Engenharia Biomédica da Universidade Federal de Uberlândia (UFU-MG).
Uma das principais dificuldades dos cientistas que trabalham nessa área é unir duas coisas aparentemente muito distintas: a computação e os sistemas biológicos. Para se ter uma ideia, pense no cérebro, um órgão macio, tridimensional e baseado em ligações de íons. ;Uma máquina moderna é justamente o contrário disso. É rígida, seca e funciona à base de ligações de elétrons;, explica ao Correio o professor Michael Dickey, do Departamento de Engenharia Química e Biomolecular da Universidade da Carolina do Norte, nos Estados Unidos. Dickey e outros três pesquisadores são responsáveis pelo estudo que pode mudar esse cenário.
A descoberta
A equipe conseguiu criar, meio sem querer, o primeiro dispositivo eletrônico macio e biocompatível. ;O meu grupo estava trabalhando com um metal líquido que poderia ser moldado em eletrodos. Nessa experiência, observamos um comportamento incomum e percebemos que poderíamos aproveitar isso para fazer dispositivos de memória;, disse Dickey. Basicamente, o cientista e seus colegas trocaram os materiais presentes em memórias tradicionais por outros não agressivos ao corpo humano (veja arte), entre eles, o gel à base de água. ;Essa substância é biocompatível e usada rotineiramente nos laboratórios para cultura de células. Nosso dispositivo é um pequeno passo em direção à ponte dos mundos díspares de eletrônica e biologia;, comemorou o professor norte-americano.
Um circuito eletrônico convencional é feito com materiais semicondutores, como o silício e o germânio. Sobre essa base, são construídos os microcircuitos de memórias e CPUs, por exemplo. ;Esse processo é chamado de dopagem. Nele, introduzimos outras substâncias (fósforo ou índio) dentro dos cristais de semicondutores;, esclarece Alcimar Soares. Essa soma de ingredientes é o que impede a introdução de aparelhos comuns no interior do corpo humano, uma vez que a umidade pode provocar curto-circuitos.
Para contornar o problema, os pesquisadores norte-americanos trocaram o material semicondutor pelo gel à base de água e, no lugar da substância de dopagem, utilizaram uma liga metálica feita de gálio e índio. ;Essa mistura fica em estado líquido à temperatura ambiente, tal qual ocorre com o mercúrio presente nos termômetros. A grande diferença é que o gálio e o índio não são tóxicos;, observa o especialista brasileiro. Com essa estrutura pronta, os cientistas da Universidade da Carolina do Norte analisaram as propriedades elétricas da liga metálica para representar os estados zero e um existentes em uma memória comum.
Avanços
Agora, a equipe de engenheiros está tentando conhecer melhor os mecanismos do dispositivo. ;Também estamos estudando a possibilidade de incluir espécies biológicas no gel;, adianta Michael Dickey. Segundo os pesquisadores, há dois usos prováveis para o invento: na eletrônica comum, para chegar a lugares úmidos, hostis aos atuais aparelhos, e na medicina, para diagnóstico ou tratamento de pessoas com dificuldade de locomoção. Atualmente, o invento mais bem-sucedido em termos de durabilidade intracorpórea foi o chamado BrainGate, um chip que ficou no cérebro de uma mulher tetraplégica por mil dias.
Na maioria das vezes, o prazo de validade desses equipamentos depende da resistência dos invólucros, esses, sim, biocompatíveis. Um marcapasso, por exemplo, dura de sete a 10 anos. ;Se conseguirmos gerar dispositivos com alto nível de biocompatibilidade, capazes de operar em ambientes com fluidos diversos, como é o caso do interior do corpo, haverá avanços significativos;, aposta Soares. ;Nosso principal desafio está na concepção de uma eletrônica que acompanhe a mecânica e a geometria dos tecidos para, assim, permitir uma integração contínua e não invasiva;, completa John Rogers, diretor do Centro de Nanociência e Engenharia, organização que reúne pesquisadores de várias instituições dos Estados Unidos.
Rogers e seus colegas desenvolveram, no ano passado, um dispositivo que envolve o coração tal qual um filme plástico, para monitorar com precisão os batimentos cardíacos. ;O resultado é um mapa espacial de como a eletricidade se propaga pelo órgão, associada às contrações musculares;, diz. Nesse caso, o eletrônico serve como ferramenta de diagnóstico e pode salvar vidas. ;O aparelho oferece aos médicos todas as informações sobre partes do coração que estejam se comportando de forma incomum. Com isso, é possível remover essas partes, que são fontes de vários tipos de arritmias.;
O ouro da medicina
Uma das tecnologias já dominada pelo homem é a do titânio. Esse metal, não tóxico ao organismo, está presente em quase todas as próteses modernas. Pinos desse material são utilizados para reparar ligamentos e fixar implantes dentários. Os médicos usam, até mesmo, fios de titânio para costurar órgãos internos, o que garante ainda mais resistência após cirurgias. Também são produzidas hastes para implante em pernas de pacientes de osteogênese imperfecta severa ; ou ;ossos de cristal;.
Mapa de instruções
As memórias funcionam graças a circuitos eletrônicos capazes de armazenar informações. Mas esses dados precisam falar a linguagem binária, o idioma das máquinas. Os comandos são formados pelos bytes, conjunto de oito zeros e uns que significam algo para o dispositivo. Assim, os estados ligado e desligado são capazes de determinar todas as tarefas do equipamento.