postado em 02/08/2011 11:54
Um dos contos mais famosos da mitologia grega narra a história de Midas, um rei com o poder de transformar qualquer objeto em ouro puro com um simples toque. Milênios depois, a mesma habilidade mágica poderia ser atribuída a um outro personagem: Harry Potter. A série de livros criada pela escritora britânica J. K. Rowling é a mais vendida da história e as adaptações para o cinema geram cifras astronômicas, ano após ano. O problema começa quando a história é transportada para outros suportes, como o videogame. Nestes casos, o resultado é bastante discutível.Desde 2001, quando o primeiro jogo (Harry Potter e a Pedra Filosofal) foi lançado para diversas plataformas, fãs de tecnologia e literatura torceram o nariz. Na época, o castelo de Hogwarts era feliz e iluminado, e a ação consistia em colecionar feijõezinhos coloridos, jogar Quadribol (uma espécie de futebol sobre vassouras) e andar pelos corredores. Os feitiços eram feitos em redor de um caldeirão e tinham como objetivo levitar e empurrar objetos. Nos anos seguintes, o universo de Harry Potter ganharia uma atmosfera bem mais sombria e apocalíptica.
Em Harry Potter e as relíquias da morte ; Parte 2, a luta entre o bem e o mal se aproxima do último round. Como no filme, a história tem início no banco de Gringotes e acompanha os passos de Harry, Rony e Hermione até o duelo final contra Voldemort. Ao longo da narrativa, o jogo se revela mais fiel à película que ao livro ; nas cenas de transição, a tentativa de replicar o filme é bastante evidente.
Na primeira fase, o jogador assume a pele do protagonista, com a missão de derrubar os guardas de Gringotes com a ajuda do feitiço Stupefy (estupefaça, na tradução brasileira). Ao longo da trama, é possível controlar outros personagens, como Neville Longbottom e a professora Minerva McGonagall. Magias como Expelliarmus e Petrificus Totalus, utilizadas à exaustão nos livros da série, também são liberadas conforme o jogo avança.
Potencial desperdiçado
Já na segunda fase, as falhas de planejamento começam a aparecer. A fórmula que orienta a ação é a mesma em quase todos os cenários: esconda-se atrás da barreira, vire e atire. Corra até a próxima barreira e repita o processo. Mesmo a adição de novas magias ou personagens revela muito pouco em termos de jogabilidadade.
Além de repetitivo, o jogo derrapa na falta de desafios. É tudo muito fácil, mesmo quando o jogador se depara com os chefes de fase ; se algo der errado, a abundância de checkpoints impede o personagem de regredir mais que alguns passos. Do conteúdo extra, a parte mais atrativa é percorrer as fases realizando as mesmas ações contra o relógio (como se a primeira vez já não fosse entediante). Um jogador padrão não levará mais de quatro horas para percorrer os doze cenários, mas certamente levará alguns dias para cogitar a ideia de voltar a eles no modo cronômetro.
A maior decepção de Harry Potter e as relíquias da morte ; Parte 2 não está exatamente no que o jogo apresenta, mas justamente no que deixa de lado. Priorizando o combate homem a homem, o título negligencia todo o resto. O jogador percorre um longo caminho até encontrar as horcruxes (objetos que guardam fragmentos da alma de Voldemort), mas a destruição destes elementos é apresentada em sequências de animação, sem a participação ativa do usuário.
Visualmente, o jogo traz propostas interessantes. O clima sombrio que orienta o último capítulo da saga está presente e as cenas de animação reproduzem com competência o filme lançado há três semanas. No entanto, a parca engenharia de som acaba com qualquer possibilidade de imersão na narrativa exposta na tela. A trilha sonora uniforme não recebe intensidade correta nas cenas de batalha, e a dublagem dos diálogos não estabelece qualquer conexão entre o texto e a entonação dos atores (que, aliás, não são os mesmos da versão para o cinema).
Boa parte dos pontos fracos poderia ser rebatida sob a alegação de preciosismo, de que ;adaptações não precisam ser literais;. No entanto, é preciso levar em conta que os fãs de Harry Potter são famosos por sua atenção aos detalhes e à fidelidade dos produtos derivados do livro.
Quando não cobram a literalidade das ações, exigem ao menos alguma verossimilhança aos elementos fundamentais, e é neste ponto que a série de videogames insiste em derrapar. O furor causado pelo anúncio do Pottermore (veja quadro) é um sinal da carência de jogos eletrônicos de qualidade.
Ao fim das quatro horas, fica a impressão de um material feito às pressas com uma única preocupação em mente: o lançamento simultâneo ao filme. O resultado é um jogo que garante algumas horas de diversão, mas não traz qualquer contribuição marcante para a infindável lista de produtos licenciados pela franquia. Um desperdício, considerando os milhões de leitores/espectadores/jogadores órfãos de um dos personagens mais carismáticos da literatura mundial.
Leitura interativa
Enquanto fãs de todo o mundo choravam o fim da saga na tela grande, a escritora J. K. Rowling anunciou um novo produto envolvendo Harry e os outros personagens, intitulado Pottermore e definido como uma ;experiência de leitura on-line interativa;. Sabe-se, por exemplo, que Rowling está escrevendo um material adicional, que será incorporada à história canônica apresentada nos livros. Enquanto acompanha os sete anos de Harry em Hogwarts, o leitor poderá, também, se inscrever na escola de magia, escolher um animal como mascote e entrar em uma das quatro casas ; Grifinória, Sonserina, Corvinal ou Lufa-Lufa. A previsão é de que o serviço esteja disponível para todo o mundo a partir de outubro, em inglês, espanhol e outros três idiomas. As inscrições para a versão de teste começaram no domingo.
Não recomendado para menores de 12 (doze) anos