postado em 19/09/2011 10:07
Os aparelhos de marca-passo, que regulam os batimentos cardíacos, estão cada vez mais evoluídos tecnologicamente. Se, na década de 1950, esses equipamentos tinham baterias que duravam cerca de seis horas e era necessário fazer uma cirurgia para trocá-los, atualmente os aparelhos armazenam e enviam informações ao computador de médicos, são regulados por telemetria e têm baterias que duram de cinco a oito anos. Todo esse avanço tecnológico, contudo, apesar de ser seguro para o paciente, gera riscos ; como a invasão do sistema para alteração do dispositivo, causando danos à pessoa que precisa do aparelho para viver. Para lidar com esse problema, pesquisadores do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e da Universidade de Massachusetts, em Amherst, nos Estados Unidos, desenvolveram um dispositivo, chamado ;escudo;, que emite sinais para bloquear o acesso de aparelhos não autorizados às informações do marca-passo.Apesar de não haver registros conhecidos de casos de marca-passos hackeados, especialistas garantem que é melhor se antecipar à situação. ;É importante resolver esse tipo de problema antes que o risco se torne uma ameaça real;, defendeu Kevin Fu, professor de ciências da computação da Universidade de Massachusetts, na conferência realizada em agosto do Special Interest Group on Data Communication (Sigcomm), evento de tecnologia que busca apresentar novas pesquisas nas áreas de computação e de redes de comunicação de dados.
O escudo tem o tamanho de um laptop de 14 polegadas e funciona como um portal, que se interpõe entre o marca-passo, considerado um dispositivo médico implantável (IMD, na sigla em inglês), e um computador ou outro dispositivo que venha a ser usado para acessar os dados do aparelho. No caso de tentativas de hackear o IMD, o gadget usa dois tipos de ações de bloqueio: um, contra a escuta passiva, que ameaça a confidencialidade das informações do paciente; outro, contra a emissão de comandos de rádio não autorizados para o marca-passo, que podem alterar suas funções.
Esse dispositivo usa um design de ondas de rádio para receber simultaneamente o sinal do IMD e transmitir um sinal de interferência. O gadget, então, emite o sinal do marca-passo para um terminal, autorizado usando técnicas de criptografia. Para obter o sinal do marca-passo, o receptor precisa saber qual o canal correto de transmissão, no qual os dados são passados sem interferência. Para proteger o IMD de comandos de hackers, o aparelho capta as ordens não autorizadas enviadas para o marca-passo e as bloqueia. Como resultado, o marca-passo não consegue decodificar as transmissões e continua a funcionar normalmente.
Em entrevista ao Correio, Benjamin Ransford, pesquisador da Universidade de Massachusetts e um dos criadores do dispositivo, comentou que a maioria dos mecanismos de defesa para esses dispositivos requer modificações nos implantes para garantir sua segurança. ;De uma perspectiva técnica, foi surpreendente que o escudo pudesse proteger marca-passos contra escutas clandestinas e comandos não autorizados sem precisar mudar o implante.;
A distância
O cardiologista José Carlos Pachón Mateos, do Serviço de Eletrofisiologia, Marca-passos e Arritmias Dr. Pachón, em São Paulo, explica que a tecnologia de telemetria é usada por cardiologistas desde a década de 1980, mas que, com a difusão das redes de internet sem fio, usá-las se tornou mais simples. ;Hoje, o marca-passo tem a capacidade de armazenar dados e enviá-los pela internet em e para qualquer lugar do mundo. É mais prático;, comenta.
Pachón ressalta que é possível ajustar a distância o marca-passo de pacientes. ;Mas isso tem sido evitado exatamente para termos o máximo de segurança para o portador do aparelho e não dar espaço para a possibilidade de tentarem invadir o sistema da prótese.;
Para o cirurgião cardíaco Cândido Rodrigues Gomes, especialista em estimulação cardíaca do Cardiocentro e do Instituto do Coração (Incor) de Taguatinga, os marca-passos atuais são extremamente seguros. ;Não é possível invadir o marca-passo, pois o sistema atual que possuímos, chamado home monitoring, retira as informações do aparelho e transmite para uma central na Alemanha, que as envia para o médico;, descreve. Esse procedimento é importante porque, segundo o cirurgião, pode-se antecipar uma consulta, caso o aparelho detecte problemas cardíacos que o médico precisa resolver.
Gomes garante que, se houvesse uma tentativa de interferência na transferência de dados por meio do sistema GSM (o mesmo usado em celulares), o máximo que poderia ocorrer é o hacker obter dados do funcionamento cardíaco do paciente. ;E essas informações não serviriam para nada, pois o hacker não vai saber quem é a pessoa, já que os marca-passos têm numeração, não o nome do indivíduo;, explica o cirurgião.
Portátil
As dimensões do protótipo, construído a partir de softwares de rádio, o impedem de ser carregado com a facilidade desejada. Os criadores do gadget acreditam, contudo, que podem torná-lo menor, de modo a ser usado ao redor do pescoço ou como uma pulseira. Dina Katabi, coautora do estudo e professora de engenharia elétrica e ciências da computação no MIT, afirma que, se o paciente tiver um problema com o marca-passo em outro país e o médico com a chave decodificadora não estiver disponível, não há problema. A impossibilidade de acessar os dados protegidos pelo escudo seria resolvida de maneira simples: ;Nesse caso de emergência, basta retirar o escudo. É melhor do que criar um código de encriptação diretamente no marca-passo;.
Shyamnath Gollakota, líder do estudo, afirmou ao Correio que o próximo passo da equipe é colaborar com profissionais de saúde e fabricantes de implantes para tentar produzir o gadget de forma comercial. ;Além disso, acreditamos que nosso design do escudo pode proteger muitos implantes médicos, como marca-passos e neuroestimuladores, em um paciente ao mesmo tempo;, acrescenta. Por isso, Gollakota mostra interesse em desenvolver um protótipo que ofereça múltipla proteção.