Tecnologia

Game mistura história de bullying a narrativas bíblicas adulteradas

Polêmica é minimizada por sistema de desafios aleatórios, que tornam cada partida única, e pela jogabilidade fácil

postado em 18/10/2011 19:19
Polêmica é minimizada por sistema de desafios aleatórios, que tornam cada partida única, e pela jogabilidade fácil

Quantos jogos de tiro em primeira pessoa você conhece? Qual a diferença entre todos eles? E entre os games de terror? Entre os jogos de plataforma? Na verdade, todos estes obedecem a determinadas fórmulas. O pulo do gato é justamente pegar os elementos clássicos e dar um toque especial, que destaque seu título dos demais concorrentes. No universo comercial dos videogames, existem alguns ingredientes mágicos que contribuem para o sucesso de um produto. Sangue espalhado pela tela, por exemplo. Ou elementos que subvertam alguma religião ou mitologia. Um pouco de humor negro, talvez. E itens colecionáveis, claro.

A soma desses quatro trunfos gerou o independente Binding of Isaac. Produzido por Edmund McMillen ; uma das mentes por trás de Super Meat Boy ; e Florian Himsl, o game já afasta boa parte do público (e atrai outra parcela) com sua história controversa. O protagonista, Isaac, é um garoto completamente transtornado, abusado pela família e pelos colegas. Quando sua mãe ouve uma voz ;divina;, pedindo o sacrifício do filho em troca de salvação, Isaac é obrigado a se esconder em um porão, que revela seus piores traumas e pesadelos.

Qualquer semelhança com a parábola bíblica não é mera coincidência. A história do sacrifício de Isaque ; filho do profeta Abraão ;, retratada em pinturas de Rembrandt e Caravaggio, encontra em Binding of Isaac uma de suas mais pervertidas releituras. Para combater seus traumas ; personificados em zumbis, insetos e outras criaturas ;, o personagem-título não usa metralhadoras ou magias, mas lágrimas de pavor. Entre uma fase e outra, testemunhamos a agonia de Isaac e seus pesadelos, em que sofre bullying dos colegas e apanha de sua genitora.

Vício
Tranquilo, não? Não. O visual cartunístico e com pouca elaboração gráfica não ameniza o banho de sangue, dejetos e cadáveres que tomam conta da tela ao longo das batalhas. O game segue à risca as regras do estilo rogue, tão famoso em jogos dos anos 1980 e 1990 e eternizado em franquias como Zelda e Diablo. As fases são geradas aleatoriamente, assim como a ordem dos chefões. Para os itens mágicos (aqui, pílulas e cartas de tarô), o efeito associado a cada cor varia a cada novo jogo.

E o principal: a morte do personagem é permanente, sem chance de continuidade ou de vidas extras. Morreu, começa tudo do zero. Apenas os itens colecionáveis ; mais de 100 ; sobrevivem na tela inicial. Também não é possível parar o jogo na metade e continuar depois. Quando se sai do game, Isaac pergunta: ;Vai mesmo me deixar morrer?;. A escolha é sua.

Assim como na produção anterior de McMillen, a dificuldade é responsável pelo vício. Completar o jogo uma única vez já exige 20 ou mais tentativas. Em seguida, é preciso zerar novamente com os outros três personagens controláveis para buscar os achievements. O modo aleatório de geração de fases e inimigos garante uma experiência única a cada novo jogo, impedindo que Binding of Isaac caia na mesmice. Os controles são simples, quase intuitivos: direcionais para andar e atirar, e dois botões de armas especiais.

A trilha sonora, disponível na loja virtual Steam por um mísero dólar (cerca de R$ 1,74), é assinada por Danny Baranowsky ; responsável por ambientar Super Meat Boy, Anthony Saves the World e outros títulos independentes. Em meio à música sombria, toques de música infantil tornam tudo ainda mais surreal. Os efeitos sonoros não chamam muita atenção, resumindo-se ao som de monstros sendo destroçados e um ou outro grunhido.

A cada detalhe, a narrativa toma contornos mais absurdos. A comida de cachorro encontrada pelo protagonista dá pontos de saúde. As brincadeirinhas esbarram no limiar entre o sarcasmo e o péssimo gosto. O uso de cartas de tarô e pílulas coloridas em meio a uma história adaptada dos textos bíblicos deixa clara a intenção provocativa do criador. No meio de tanto caos, ainda sobra espaço para sentir pena de Isaac, e até mesmo desistir de fechar o jogo (repare que o protagonista nem ao menos tem olhos pidões, típicos dos mascotes de animação infantil).

No esquema ;ame ou odeie;, é difícil passar imune a ideias tão absurdas. Para quem consegue ignorar as ofensas religiosas e o humor francamente questionável ; e encontra nisso um trunfo ;, Binding of Isaac surge como uma opção barata e eficaz para longas madrugadas de jogatina.

Produção: Edmund McMillen e Florian Himsl

Desenvolvimento: Edmund McMillen

Plataforma: PC e Mac

Número de jogadores
: 1 (single-player)

Preço: US$ 4,99 (cerca de R$ 8,68) no Steam

ERRATA
Na última semana, publicamos o review de Diablo III com ;classificação indicativa livre;. Na verdade, o Ministério da Justiça considerou o jogo não-recomendável para menores de 16 anos.

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