postado em 14/11/2011 08:43
Cada vez mais as revoluções tecnológicas invadem o mundo da medicina. Entre aparelhos de ressonância magnética, robôs que ajudam em cirurgias e dispositivos como marca-passos constantemente em evolução, não há como fugir da tecnologia em um hospital. Essas inovações chegaram inclusive à patologia ; estudo das alterações em estruturas de células, tecidos e órgãos ; e, consequentemente, à oncologia, especialidade médica que analisa cânceres. Um novo software, desenvolvido na Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, escaneia imagens de tecido mamário para procurar mais de 6 mil características que indiquem se uma pessoa tem um tumor e qual a severidade da doença. A pesquisa que resultou na criação do programa de computador C-Path foi publicada ontem na revista especializada Science Translational Medicine. O sistema é considerado por seus criadores como o primeiro modelo computadorizado de patologia com potencial para ser usado clinicamente.Em entrevista ao Correio, o especialista em anatomia patológica Andrew Beck, desenvolvedor do C-Path, explica que o software funciona executando uma série de etapas de processamento de imagens microscópicas para identificar células de câncer e de tecido conjuntivo no tecido das mamas. ;Ao identificar essas estruturas, o programa mede milhares de características de células de câncer e de estroma (ver infografia) e a relação que elas mantêm entre si. Então, ele aplica métodos estatísticos para essas medições, a fim de saber a melhor combinação de dados e predizer as chances de sobrevivência do paciente;, descreve.
Segundo Beck, ele e seus colegas de pesquisa desenvolveram o programa porque acreditavam que uma análise computacional do câncer de mama poderia levar à detecção de novas características da doença, que não são analisadas por patologistas, mas poderiam ser importantes. ;Desse modo, teríamos como usar essa análise para auxiliar os médicos no diagnóstico do problema de saúde e avaliar o grau de gravidade do tumor;, explica o norte-americano. Ele ressalta que, quando utilizou o programa de computador, se surpreendeu ao notar que as características do formato (morfologia) das células estromais estavam diretamente ligadas às chances de o paciente voltar a ter câncer ou ao tempo de vida estimado que ele ainda tinha. Hoje, afirma o pesquisador, apenas as características das células de câncer são usadas na hora de detectar a doença.
Inteligência artificial
A especialista em bioinformática da Universidade de Brasília (UnB) Tainá Raiol conta que o uso da tecnologia na área de saúde muitas vezes fica limitado a programas de computador voltados para processos administrativos e a softwares de equipamentos hospitalares. ;Associar procedimentos classicamente utilizados em diagnósticos clínicos, como a visualização de lâminas histológicas ; lâminas de vidro que contêm tecido humano e são observadas em microscópio ;, ao processamento computadorizado de imagens vai acelerar e melhorar a precisão dos diagnósticos médicos;, estima a pesquisadora, que trabalha com projetos ligados ao uso de softwares que permitem a análise de material genético no intuito de conhecer novos genomas.
Para ela, o C-Path e programas do tipo ajudariam os patologistas a fazer o diagnóstico de câncer. Tainá descreve que, nesse programa, ;a análise é feita a partir da técnica de Machine Learning, baseada em inteligência artificial, de forma que o computador aprende a retirar parâmetros da imagem da lâmina, classifica o grau do tumor e relata um prognóstico associado ao nível de agressividade do câncer;. Ela lamenta que o uso de softwares do tipo seja tão recente, especialmente no Brasil.
O oncologista João Nunes, do Centro de Câncer de Brasília (Cettro), contudo, pondera que softwares como o C-Path, que usam modelos matemáticos para calcular potenciais riscos de tumores, apresentam taxa de erro considerável, ;porque não há exatidão na área de saúde, ciência que abrange exatas e humanas;. Para ele, um médico precisa tomar decisões sobre a saúde do paciente de forma global. ;Você precisa interpretar as informações, não apenas coletar dados;, relata.
Nunes explica que fazer avaliação de risco e diagnóstico de câncer é um processo investigativo. ;São necessárias várias informações, de várias fontes, para fazer um laudo conclusivo;, destaca. Embora acredite que ferramentas como o software podem ajudar os médicos, ele alerta que são necessários mais testes que o tornem válido para ser usado no dia a dia dos laboratórios e consultórios.
Mais abrangente
Um dos próximos passos do grupo de pesquisadores de Stanford, conta Beck, é aplicar o método de análise feito pelo sistema em dados de moléculas do organismo, em vez de focar apenas na morfologia das estruturas celulares. ;Ao integrar esses dois dados, esperamos identificar a base molecular para as características importantes que encontramos nas estruturas que observamos;, detalha. ;Também planejamos estender o sistema para a análise de imagens microscópicas de mulheres com lesões mamárias pré-cancerosas;, acrescenta Beck. Ele diz, ainda, que espera utilizar o software para prever as respostas dos pacientes a tratamentos quimioterápicos.
Ameaça constante
Entre os diversos tipos de câncer existentes, o de mama é o segundo mais frequente no mundo e o mais comum entre as mulheres. Anualmente, o câncer de mama é responsável por 22% dos casos da doença entre mulheres, mas, se detectado precocemente, a taxa de sobrevida ; sobrevivência da pessoa após detectado o tumor ; depois de cinco anos é de 61% entre a população mundial. No Brasil, estimativas do Instituto Nacional de Câncer (Inca) mostram que, em 2010, cerca de 49,2 mil pessoas foram diagnosticadas com esse problema de saúde.