>> Verônica Machado
>> Sara Bueno - Especial para o Correio
Às 10h30, lá vem José Segundo, 19 anos, subindo no ônibus de Sobradinho 2 em direção à Rodoviária do Plano Piloto. Sobe os degraus, desvia das pessoas até chegar à catraca e se encaixa entre um e outro passageiro na condução lotada. O barulho do motor é irritante, mas para os ouvidos dos acostumados já não faz diferença. O gerente de vendas resolve, então, competir com o ronco do transporte: aumenta o volume do celular até o último nível e faz todas as 70 pessoas, em média, adotarem ; sem querer ; um rap como trilha sonora da manhã.
;Os fones de ouvido me incomodam;, explica o jovem. ;Não me importo de ouvir música alta porque é um lugar público, tenho direito de expressão.; José teve mais de 10 aparelhos de telefone e na hora de comprá-los faz questão do recurso de áudio com potência. Rap e reggae são os principais estilos na lista de reprodução. Se alguém não gostar; ;É só pedir com educação que eu desligo;, garante. E aí está o problema: educação. Será que ela começa no pedido para abaixar o volume ou em usar os tais fones?
Para Gabriela Faula, consultora de imagem, é importante observar a etiqueta social no geral. Como na hora de se comportar à mesa, as atitudes com dispositivos móveis também devem ser levadas em consideração. ;Quando a pessoa comete gafes, ela provavelmente vai repetir as mesmas atitudes quando estiver no ambiente profissional, que pode proporcionar maiores prejuízos;, explica. Um dos motivos para agir de maneira errada e nem perceber muitas vezes é o que a especialista chama de ;tecnologia egoísta;.
Em uma reunião familiar, na qual tem sempre uma pessoa entretida com o tablet, o celular ou o smartphone; ou cada um procurando um passatempo próprio, sem compartilhar, são exemplos do efeito da tecnologia egoísta. Gabriela acredita que o isolamento que os eletrônicos proporcionam destrói a sensação de bem coletivo. A dica da consultora para escapar das armadilhas dos modos ruins é se colocar no lugar da outra pessoa: ;Imagine se essa situação seria positiva se você estivesse do outro lado.;
O empresário Sávio Kzam, 36 anos, está 24 horas conectado no smartphone, tablet e notebook. Assim que acorda navega na internet e, quando não está ocupado com obrigações diárias, checa notícias, e-mails e mídias sociais. ;Mas tenho bom senso;, diz. ;Durante conversas ou reuniões, só atendo o celular se for algo importante. Não ouço música no aparelho e me incomodo quando as outras pessoas atendem o telefone enquanto conversam comigo, porque demonstra desinteresse;, comenta.
O pior dos pecados para o empresário é o perigo de tuitar no trânsito. Ele conta que as pessoas recriminam esse tipo de atitude, mas inventam desculpas para fazer o mesmo. Para tentar mudar isso, ele sugere uma educação desde a infância. ;Os pais são sempre os responsáveis. E não basta falar, tem que dar o exemplo;, diz, categórico.
O sobrinho do empresário, Victor Amaral, 14 anos, concorda. Os dedos frenéticos no iPhone parecem ter um motivo: ;É muita informação disponível;, conta. O pai impõe limites e não deixa usar os aparelhos na hora das refeições. ;Acho ruim quando a pessoa tenta falar ao telefone e comigo ao mesmo tempo porque não dá para entender nada. Mas não acho falta de educação;, opina. A culpa dos exageros? Para o estudante, é tarefa dos pais ensinar. ;Mas, se o colégio puder ajudar, melhor ainda.;
A culpa
Quanto a isso, as opiniões se dividem. Uma pesquisa encomendada pela Intel com 2 mil adultos norte-americanos mostra que 96% dos professores dizem que são os pais que devem ensinar a seus filhos e 64% dos pais dizem que as escolas devem oferecer aulas sobre o uso correto da tecnologia. A especialista em marketing pessoal Licia Egger comenta que esse é um problema recente e que, por isso, famílias e colégios não sabem como resolver.
;O ideal é que empresas, escolas e pais não temam colocar regulamentos ao usar o aparelho. Isso não significa perder liberdade, apenas colocar regras que facilitem;, diz Egger. A consultora Gabriela Faula acrescenta que, se as crianças forem bem instruídas em casa, terão a atitude correta na escola.
O responsável pela disciplina escolar do colégio Marista em Brasília, Vinícius Glauco, diz que a escola faz uma orientação no início do ano letivo. Caso o aluno utilize o celular de maneira inadequada dentro de sala de aula, recebe advertência escrita para os pais. E, em caso de reincidência, pode ser suspenso. ;O uso do aparelho dentro de sala de aula tira a atenção do aluno e o prejudica pedagogicamente. Mas antes e depois das aulas é permitido, desde que não viole o princípio de não incomodar os demais;, afirma. Escutar música alta nos corredores, por exemplo, é proibido.
``Durante conversas, só uso o celular se for algo importante. Me incomodo quando as outras pessoas atendem o telefone enquanto conversam comigo``
Sávio Kzam, 36 anos, empresário
Exemplos mal-educados
; Digitar mensagens e e-mail ou brincar com jogos enquanto estiver conversando com outra(s) pessoa(s), ou mesmo se estiver participando da interação, sem conversar de fato;
; Interromper uma conversa para atender uma ligação ou responder uma mensagem que não seja realmente importante e, pior ainda, demorar-se e deixar a outra pessoa esperando;
; Jogar ou escutar música com som ambiente, e não fone de ouvido. Independente se estiver com volume baixo, invade o espaço do próximo,
que não optou por escutar aquilo. Isso ocorre muito em lugares como aeroportos, aviões, elevadores, transportes públicos e salas de espera. Até mesmo quando usar fone de ouvido, devemos nos atentar ao volume do som.
*Fonte: Gabriela Faula, consulta de imagem
O poder das conversas alheias
Os pesquisadores da Universidade Cornell, em Nova York (EUA), chamaram participantes para um jogo que exigia atenção e concentração. Aqueles que estavam na presença de uma conversa entre duas pessoas tiveram melhor desempenho em relação aos que ficavam ao lado de alguém falando ao celular. O estudo concluiu que o cérebro, involuntariamente, tenta completar o que o interlocutor telefônico da pessoa ao nosso lado está dizendo. Enquanto as informações fizerem sentido, a conversa puxará nossa concentração.