Tecnologia

Para especilistas, projeto brasileiro para regular a web é mais democrático

Gláucia Chaves
postado em 30/01/2012 08:00

Considerada por muitos como ;terra de ninguém;, a internet pode não continuar assim, tão livre, caso sejam aprovados projetos de lei que buscam traçar limites para o uso da rede. No centro da polêmica, estão medidas como as propostas antipirataria on-line Stop Online Piracy Act (Sopa) e Protect Intellectual Property Act (Pipa), que tramitam no Congresso dos Estados Unidos e preveem o bloqueio de sites contendo conteúdos protegidos por direitos autorais. No Brasil, o Projeto de Lei n; 84/99, de autoria do então senador (hoje deputado federal) Eduardo Azeredo (PSDB-MG), tipifica crimes cometidos na rede, mas foi apelidado por ativistas digitais como um ;AI-5 Digital;, em referência ao mais duro conjunto de decretos da época da ditadura militar brasileira, que dava poderes quase imperiais ao presidente da República. Especialistas acreditam, contudo, que o Marco Civil da Internet, um projeto de lei apresentado pelo governo federal, pode servir como um caminho menos tortuoso na busca por uma legislação responsável, mas não draconiana.

Diferentemente das propostas norte-americanas e do projeto de Eduardo Azeredo, o Marco Civil da Internet foi feito com intensa participação popular. Pedro Abramovay, professor da Fundação Getulio Vargas do Rio de Janeiro (FGV/RJ) e ex-secretário nacional de Justiça, explica que a principal motivação para a criação do Marco Civil veio do debate acerca do projeto de lei contra cibercrimes. ;O projeto do Azeredo tinha semelhanças com o Sopa;, alega. ;Era a primeira lei sobre internet no Brasil e, em vez de afirmar direitos, transformava a internet em caso de polícia.; Após uma imensa mobilização virtual de internautas furiosos, que exigiam um projeto que garantisse os direitos dos usuários, Abramovay conta que o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva solicitou ao Ministério da Justiça ;que elaborasse um projeto sobre a internet que não fosse uma regulação penal, mas um marco civil;.

Abramovay frisa que, embora as legislações citadas falem sobre liberdade, direitos e deveres na internet, as diferenças entre elas são gritantes. ;O Sopa foi encomendado pela indústria para proteger a propriedade intelectual, em uma tentativa desesperada de lutar contra um novo arranjo econômico e social;, justifica. ;Já o Marco Civil nasceu de baixo para cima. Foi a pressão da sociedade que fez com que o presidente Lula nos mandasse elaborar o projeto.; Durante a concepção da proposta, qualquer pessoa poderia postar comentários no site oficial da iniciativa para ;ajudar; o governo a montar o texto. Da polícia ao governo, passando por organizações não governamentais (ONGs), o texto recebeu mais de 800 sugestões, só na fase inicial. ;Foi a primeira vez no mundo que isso aconteceu;, resume Abramovay. O Correio tentou entrar em contato com o deputado Eduardo Azeredo por telefone e e-mail para falar sobre a proposta, mas não obteve resposta até o fechamento desta edição.

Carlos Affonso Souza, vice-coordenador do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV/RJ, diz que, ao possibilitar que todos os atingidos pelo projeto ; sociedade, governo e produtores de conteúdo ; participassem da criação do texto, o Marco Civil tornou-se uma proposta mais madura que as demais. ;É claro que ele vai passar pelo processo legislativo tradicional, mas tem uma virtude original que os outros não têm: a pluralidade de versões;, argumenta. Todos os lados da mesma moeda apresentados de uma só vez, segundo o especialista, é algo que ajuda a romper a ideia de lobby como normalmente visto ; ou seja, entidades que pressionam decisões governamentais em prol de interesses privados. ;Quando todos os interessados demonstram suas intenções publicamente, não há desvantagem;, completa.

Direitos fundamentais

Ainda que versem especificamente sobre propriedade intelectual, Carlos Affonso Souza explica que o Sopa e o Pipa, caso aprovados, não atuarão apenas nesse campo. Esse é, aliás, um dos principais defeitos das leis, de acordo com o especialista e com vários outros defensores da chamada internet livre. ;Essas leis afetam também a regulamentação dos direitos fundamentais na internet;, defende Souza. Para ele, a tentativa americana de regulamentar os direitos autorais de maneira parcial gera conflitos, pois as medidas afetarão também outros pontos, como a liberdade de expressão, acesso à educação e à cultura, por exemplo. ;O Marco Civil fez o caminho inverso;, compara. ;Enquanto o Pipa e o Sopa atingem esses direitos fundamentais, o Marco trabalha a favor desses direitos.;

Se já tivesse sido aprovado, Souza diz que o Marco Civil seria suficiente para livrar o Brasil da obrigação de ter que seguir regulamentos aprovados em outros países. Ainda há, entretanto, um longo caminho antes que o projeto saia do papel. O texto está em discussão na Câmara dos Deputados.

Marcello Cavalcanti Barra, sociólogo e especialista em ciência, tecnologia e educação da Universidade de Brasília (UnB), avalia que o que mais chama atenção no processo de criação de leis para a internet no mundo todo é a antecipação brasileira ; que não foi, segundo ele, uma atitude tão altruísta como pode parecer. ;O Marco Civil não surgiu por boa vontade do governo. Veio porque os hackers se mobilizaram;, afirma. ;Ainda assim, o Brasil, um país subdesenvolvido, atrasado economicamente, começou o processo antes dos EUA.;

Para ele, toda a confusão em torno do Sopa, do Pipa e do projeto de Eduardo Azeredo pode até ser benéfica para o Brasil, pois recoloca a questão do Marco Civil na pauta de discussões dos governantes e da sociedade. ;Nesse momento, o projeto se fortalece. Isso é um motivo para que as pessoas fiquem atentas e se organizem para opinar;, analisa. Gabriel Silva, superintendente de Tecnologia da Informação e Comunicação da Universidade do Rio de Janeiro (UFRJ), diz que o cerne de todos os debates acerca de leis verdadeiramente justas para a rede ; e que não é abordado corretamente ; deveria ser descobrir como punir o responsável por crimes virtuais sem sacrificar a liberdade de expressão.

Gabriel Silva reforça que equacionar essas duas questões principais é a única maneira de se alcançar ;uma internet socialmente aceitável;. Para tal, é preciso também desconectar a discussão do fator econômico ; ou, em outras palavras, deixar de fazer com que os ganhos monetários se sobressaiam aos interesses comuns a todos. ;A economia nos EUA está em franco descenso. É a queda do império;, diz. ;Eles têm uma economia que cada vez tem menos pujança. Atos como o Sopa e outras medidas regulatórias buscam claramente garantir o faturamento da indústia americana.;

Entenda as leis

Projeto de Lei n; 84/99
Proposta contra cibercrimes, de autoria do então senador Eduardo Azeredo (PSDB-RJ).

O que propõe

; Os provedores são obrigados a armazenar por três anos todos os dados para eventuais investigações policiais.

; Os provedores devem denunciar crimes às autoridades responsáveis, mediante decisão judicial.

; Disseminar vírus, roubar senhas de terceiros e divulgar ou usar indevidamente dados pessoais passariam a ser crimes, com pena de um a três anos de prisão.

; Além da produção de material com pedofilia, armazenar e divulgar imagens ou vídeos desse também passariam a ser crimes.

; Falsificações de dados eletrônicos, atentados contra a segurança de serviços de utilidade pública, bem como a inserção ou a divulgação de códigos maliciosos seguidos de dano também seriam contravenções.

Projeto de Lei N; 2126/2011
Marco Civil da Internet

Principais propostas

; Informações armazenadas por sites e provedores poderão ser usadas em investigações, porém, blogs e sites menores terão regras flexíveis, uma vez que não têm como armazenar pelo período estabelecido.

; Autoridades policiais ou administrativas podem aumentar o período de armazenamento, mas o Poder Judiciário deve ser acionado 60 dias antes.

; O projeto estabelece que devem ser respeitadas a liberdade de expressão, a pluralidade, a diversidade, a colaboração, a proteção à privacidade e aos dados pessoais, bem como a livre iniciativa e concorrência.

; Os intermediários que permitem a publicação do conteúdo, como sites e blogs, não serão responsabilizados pelo material, a não ser que não cumpram uma eventual determinação de retirar o conteúdo ilegal.

Stop Online Piracy Act (Sopa) e Protect Intellectual Property Act (Pipa)
Projetos de lei antipirataria on-line que tramitam no Congresso dos EUA

Principais propostas

; O Departamento de Justiça dos Estados Unidos e os detentores de direitos autorais estariam autorizados a obter ordens judiciais contra sites que divulgam materiais protegidos por copyright.

; Sites com conteúdos considerados ilegais pelo governo americano seriam excluídos arbitrariamente e sem direito à defesa de páginas de busca e deixariam de receber apoio financeiro de sites de pagamento on-line.

; Preveem o bloqueio do Domain Name System (DNS), servidores que convertem o nome do site em número de IP ; o ;endereço; do site na internet.

; Penas de até cinco anos de prisão para quem compartilhar conteúdo pirateado por 10 ou mais vezes, ao longo de seis meses.

Fontes: página oficial da Câmara dos Deputados, site US Government Printing Office (gpo.gov) e página Marco Civil da Internet (culturadigital.br/marcocivil)

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