Roberta Machado
postado em 22/04/2014 11:05
De zero a 1.600 km/h em 55 segundos. Essa é a marca que uma equipe de engenheiros do Reino Unido espera atingir em 2016, quando o carro supersônico Bloodhound vai percorrer um percurso de 12km no Deserto de Hakskeen Pan, na África do Sul. Na última semana, o grupo publicou, no Journal of Automobile Engineering, o mais recente dos estudos que vão preceder essa aventura: uma série de cálculos de computador que procuram prever o impacto que o carro vai sofrer ao superar a velocidade de uma bala. Os resultados serão usados para aperfeiçoar o modelo, que encara seu primeiro teste prático no ano que vem.[VIDEO1]
O empreendimento, que começou em 2008, está reinventando a aerodinâmica e levando as leis da física ao limite. O projeto foi modificado várias vezes e, hoje, é uma mistura de engenharia espacial, aeronáutica e de Fórmula 1. Modelos computacionais influenciaram no formato do nariz, no motor a jato, no tamanho das asas, na configuração das rodas e, inclusive, no formato do veículo. A questão é que, a mais de 1.600km/h, os engenheiros precisam se certificar de que ele não vai decolar depois de ultrapassar a velocidade supersônica.
No caso, as simulações ajudaram os especialistas a entender que é mais fácil manter o veículo no chão ao mudar a traseira e não o nariz dele. ;O processo de design aerodinâmico não ocorreu isolado do desenvolvimento de outros aspectos do design do veículo. Muitas das decisões mais importantes nesse aspecto foram ajustes, balanceando os requisitos da performance dinâmica, a estrutura, os sistemas de controle e as interfaces de motor do carro;, aponta o trabalho publicado recentemente.
Existem jatos que ultrapassam 3.500km/h, mais do que o dobro da velocidade esperada para o Bloodhound. Mas, na Terra, alcançar níveis tão altos é muito mais difícil do que no ar. ;O que existe é um problema de aerodinâmica. O efeito de compressibilidade do ar se torna muito pronunciado e você forma uma onda de choque. A resistência ao avanço do veículo aumenta bastante. Então, preciso de muito mais energia para fazer com que ele avance ainda mais nessa condição supersônica;, descreve Marcelo Alves, do Centro de Engenharia Automotiva da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP).
Em uma ironia da engenharia, a equipe precisou recorrer ao conhecimento de aeronáutica para manter o veículo firme no chão. ;Basicamente, ele é um avião. Tem mais engenharia de avião do que de um automóvel convencional;, compara o especialista. Em termos de ousadia, no entanto, a aventura representa mais perigo que o lançamento de um foguete. ;As cápsulas com astronautas já foram lançadas várias vezes. Conhece-se bem o que acontece e, às vezes, ainda tem acidente. Mas esta é a primeira vez que se atinge esse recorde de velocidade.;
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Três motores
Essa mistura de carro, foguete e avião conta com três motores, que formam um potente sistema híbrido: a turbina de um caça do tipo Eurofighter Typhoon, um foguete que vai dar a propulsão inicial ao carro e um motor de Fórmula 1, cuja função é alimentar o veículo com combustível. O artigo também ressalta que o supersônico está em fase de fabricação e que não deve sofrer grandes mudanças até o teste de 2015. Na ocasião, os engenheiros vão colocá-lo para correr a 1.280Km/h, uma velocidade suficiente para quebrar o atual recorde de velocidade terrestre.
Os engenheiros ainda devem fazer algumas outras simulações para entender como será a resposta do veículo em situações como o acionamento dos freio e dimensionar o choque que o veículo terá com o chão. O método de simulações, ressalta o artigo publicado pela equipe, foi fundamental para a performance, em 1997, do supersônico Thrust, o detentor do atual recorde de maior velocidade terrestre.
;Uma característica significativa no projeto Thrust SSC trata-se da maneira como a fluidodinâmica computacional foi aplicada para guiar o processo do design aerodinâmico;, ressaltam os engenheiros, no artigo. A equipe Bloodhound também conta com alguns dos principais integrantes do grupo responsável pelo recorde do Thrust ; inclusive Andy Green, o piloto que se tornou o único homem a ultrapassar a barreira do som sem sair do chão.
Utilidade
E Green deve continuar sendo o orgulhoso dono do título de motorista mais rápido do mundo por muito tempo. A pesquisa Bloodhound tem o objetivo de levar a tecnologia ao limite, não de criar uma série de carros supersônicos que fazem o percurso Brasília;Recife em 1h20. ;Você não vai ver ninguém andando tão cedo em uma velocidade como essa, assim como ninguém anda numa velocidade de carro de Fórmula 1;, ressalta Alessandro Borges de Sousa Oliveira, professor do curso de engenharia automotiva da Universidade de Brasília.
Além da quantidade de energia necessária para chegar a essa velocidade (são mais de 980l de combustível consumidos em apenas 20 segundos), a corrida supersônica exige uma pista perfeitamente plana e livre de obstáculos e acaba com a vida útil das peças em um piscar de olhos. O especialista brasileiro acredita que o projeto será um ótimo teste para o desenvolvimento de novos materiais e o aperfeiçoamento de vários componentes de um veículo, que vão do design da estrutura à estabilidade de direção.
;Temos algumas soluções que vêm de projetos extremos como esse. Você já tem carro hoje usando fibra de kevlar, fibra de carbono, poliuretanos de alto desempenho em elementos da suspensão. São materiais que vêm de avanços tecnológicos de carros de Fórmula 1, de uma categoria extrema como essa, de quebra de velocidade;, exemplifica Oliveira. ;O projeto extremo é ótimo para a engenharia. A gente sempre tem de ter certos desafios que são até um pouco fora da realidade do dia a dia para avançar.;
Além dos progressos da engenharia, a equipe britânica espera usar o projeto como uma forma de promover a ciência, a tecnologia e a matemática entre os jovens do Reino Unido. Por isso, o carro supersônico será tema de eventos e visitas em escolas britânicas até o grande evento, daqui a dois anos.
Cenário ideal
O deserto africano foi escolhido por ser coberto por uma grossa camada de lama endurecida. O material é forte o suficiente para suportar a fricção das rodas de titânio do carro supersônico, e liso o bastante para não interferir com o veículo. Mesmo assim, mais de 6t de pedras tiveram de ser retiradas do caminho do Bloodhound para a formação da pista de corrida perfeita.