Pesquisadores dos Estados Unidos criaram uma estrutura robótica fabricada a partir de tecido muscular esquelético, usando bioengenharia e uma impressora 3D. A máquina viva descrita na edição desta semana da revista Pnas é feita de uma mistura de hidrogel com o mesmo tipo de células encontradas em mamíferos e se move quando estimulada por cargas elétricas. O experimento, primeiro do tipo, pode acelerar o desenvolvimento da tecnologia que troca o metal por células animais. No futuro, defendem os autores, o método pode ser aprimorado para a criação de implantes inteligentes e de uso médico totalmente compatíveis com a estrutura do organismo humano.
O robô de apenas 6mm lembra uma lagarta. A estrutura básica do dispositivo é materializada a partir de uma impressora tridimensional, e, depois, esse arcabouço é preenchido com mioblastos, células percursoras das fibras musculares, de ratos. A mistura é completada com proteínas de fibrina e colágeno (presentes na cicatrização animal), um hidrogel e um fator de crescimento. A receita resulta em uma tira muscular tridimensional que fica presa por dois pilares da estrutura original, projetados para fazer o papel exercido pelos tendões nos organismos vivos.
;Tecidos biológicos evoluíram por milhões de anos para executar funções específicas. Estamos tentando empregar as propriedades deles para construir máquinas;, afirma Rashid Bashir, pesquisador da Universidade de Illinois e principal autor do artigo. ;Se pudermos aprender a usar o potencial da biologia para projetar e construir máquinas que podem executar funções úteis, vamos avançar nesse novo campo de máquinas celulares e biológicas;, acrescenta.
Contração
O pulso elétrico descarregado no robô atua como os sinais que estimulam estruturas vivas reais, induzido a contração e o alinhamento das células. A cada carga aplicada, os conjuntos de mioblastos reagem e fazem o dispositivo se arquear. Depois, ele relaxa, voltando ao estado natural. A repetição dessa rotina em uma baixíssima voltagem faz com que a máquina se arrastasse pela superfície como uma minhoca.
A grande dificuldade apontada pelos pesquisadores foi produzir a força necessária para que a estrutura saísse do lugar. Os cientistas também tiveram de testar vários modelos até descobrir qual faria o robô se mover mais rapidamente. ;A impressão 3D foi importante porque pudemos criar e imprimir diferentes designs em uma abordagem de engenharia avançada;, ressalta Bashir. O grupo experimentou estruturas simétricas e de lados com tamanhos diferentes para testar os diversos desenhos. Um projeto com lados desiguais fez com que um dos pilares do músculo se deslocasse mais com a contração, direcionando o conjunto.
A assimetria provou ser até 25 vezes mais rápida que os projetos de lados iguais. O modelo mais ágil alcançou a velocidade de 1,5 comprimento de corpo por minuto. A marca, 15 vezes mais lenta que uma lesma, pode parecer insignificante, mas impressiona pela naturalidade com que a máquina se move. No vídeo divulgado pelos pesquisadores, é possível ver a lagarta híbrida se contorcendo e relaxando numa dinâmica fluida que nada lembra as desengonçadas máquinas feitas de metal e plástico.
;Esse trabalho representa um importante passo no desenvolvimento e controle de máquinas biológicas que podem ser estimuladas, treinadas ou programadas para trabalhar;, ressalta Caroline Cvetkovic, pesquisadora do Departamento de Bioengenharia da Universidade de Illinois e coautora do trabalho. ;Para uma máquina ser capaz de executar funções mais elaboradas, ela precisa ser apta a se mover e produzir força, então nós começamos tentando controlar máquinas baseadas em músculos. É natural que começássemos de um princípio de design biomimético, tal como a organização inata do sistema musculoesquelético como um ponto de partida;, analisa.
Referência natural
Cientistas trabalham em projetos baseados em modelos biológicos há muitos anos, e, recentemente, essa linha de pesquisa rendeu frutos impressionantes. Os estudos exploram o uso de DNA, bactérias, tecidos e até mesmo esperma para obter movimento a partir de um estímulo externo. Alguns exemplos são mecanismos que lembram águas-vivas móveis feitas de músculo cardíaco produzido em laboratório.
Essa matéria-prima natural é dotada de uma habilidade inata de sentir e processar sinais e produzir força ; algumas das funções fundamentais da engenharia que nem sempre podem ser reproduzidas com simplicidade em um sistema artificial. Na teoria, máquinas biológicas seriam capazes de se adaptar ao ambiente e interagir com organismos vivos.
;Temos de mover na direção da próxima geração de materiais inteligentes, e estruturas biológicas são candidatos ideais para essa nova era de fabricação e design;, defende Ritu Raman, pesquisadora da Universidade de Illinois e também autora do estudo. O tecido músculo-esquelético usado no recente experimento exige um controle mais preciso, mas tem uma metodologia de fabricação flexível, que permite o uso de diversos tipos de células. Com ela, seria possível até mesmo integrar tecidos vascularizados a uma máquina biológica e distribuir nutrientes e oxigênio ao músculo que faz o dispositivo se mover.
Os autores do trabalho preveem que a nova técnica pode ser empregada na criação de máquinas que fazem todo o tipo de movimento, como bombear ou nadar. ;Podemos ir além, usando as habilidades dinâmicas das células de se reorganizarem e responderem a estímulos ambientais para impulsionar sistemas biológicos não naturais;, antecipa Raman.
A tecnologia tem aplicação certa também na área da medicina, que faria bom uso de uma geração de equipamentos especialmente projetados para administrar medicamentos, realizar cirurgias e até mesmo atuar como implantes inteligentes. Os robôs feitos a partir de tecido animal teriam ainda utilidade na interação com outros tipos de materiais, como na construção de sensores ambientais ou na compreensão dos princípios que a natureza impõe aos sistemas vivos de verdade.
Veja o vídeo do robô biológico se movendo:
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