Victor Correia*
postado em 26/02/2018 06:00
Alguns problemas mecânicos no carro tomam uma proporção tão grande que é difícil ignorar os sinais. O veículo fica mais lento, demora para acelerar, vibra demais ou faz barulhos estranhos. Outros contratempos são mais delicados, e apenas um ouvido treinado consegue detectá-los. Há ainda os que aparecem apenas para equipamentos profissionais, durante uma revisão ou um exame mais detalhado na oficina.Pesquisadores do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos Estados Unidos, querem facilitar o trabalho dos mecânicos, e também a vida dos donos de carro. Eles trabalham no desenvolvimento de um sistema com o qual qualquer pessoa conseguirá descobrir até o mais sutil dos problemas, como um filtro de ar sujo, sem muito trabalho.
Em uma série de pesquisas ; a mais recente publicada na revista Engineering Applications of Artificial Intelligence ;, a equipe americana demonstra que a façanha é possível combinando ferramentas disponíveis em smartphones comuns e um algoritmo de inteligência artificial. Segundo os criadores, os aparelhos telefônicos mais modernos são tão sensíveis que será possível fazer um bom trabalho de detecção sem precisar recorrer a equipamentos profissionais.
A ideia é juntar as descobertas de quatro trabalhos já divulgados em um único aplicativo para smartphone. ;Cada técnica funciona de forma diferente, mas, no geral, nós coletamos dados de sensores sonoros ou de movimento e ensinamos a algoritmos de inteligência artificial como são os dados característicos de um problema. Nosso software aprende essas ;impressões digitais; e pode detectar o tipo de falha que um veículo tem ao compará-las com dados históricos;, explica Joshua Siegel, um dos autores da pesquisa mais recente, que usou o sistema para verificar a condição de filtros de ar.
As peças de um carro produzem vibrações e sons únicos. Se estão com algum problema, esses padrões mudam, o que pode ser detectado pelo celular, segundo os cientistas do MIT. Falhas nas velas de ignição do motor, por exemplo, criam barulhos e vibrações mais fortes do que o normal. Em um filtro de ar sujo, cria-se um som mais agudo quando o ar tem pouco espaço para passar. Além desses sinais sonoros, o algoritmo utiliza dados de GPS e do acelerômetro do aparelho para monitorar as vibrações.
;Problemas na ignição foram detectados com 99% de precisão e nenhum falso positivo;, conta Siegel. ;Para desbalanceamentos nas rodas, houve mais de 90% de precisão. A pressão dos pneus, que podemos detectar entre cinco estados de calibração possível, teve mais de 80% de acerto. Para a condição do filtro, que é a mais difícil para um smartphone detectar, nós tivemos pouco menos de 80% de precisão;, complementa.
Pontos estratégicos
Os testes foram feitos com carros alugados de diferentes marcas, cujos defeitos foram provocados pelos pesquisadores. Para detectar problemas no motor, por exemplo, é preciso captar o som de dentro do capô colocando o smart-phone sobre a peça, na parte de fora. O motor fica ligado, e o carro, parado.
A checagem sonora da condição dos pneus é um processo um pouco mais complicado. O celular deve estar em um suporte fixo instalado no painel do carro, como os utilizados por motoristas de aplicativos de carona, e o veículo deve andar por alguns minutos para a coleta suficiente de dados.
Siegel chama a atenção para a utilidade preventiva da solução. ;Por meio do uso de monitoramento em tempo real, somos capazes de detectar pequenos problemas antes que eles se tornem grandes;, explica. ;Além disso, uma detecção precoce pode economizar dinheiro em combustível, reduzir a chance de uma quebra e tornar o veículo mais confortável ao diminuir barulhos e vibrações inconvenientes.;
Prevenção
Segundo Evando Leonardo Silva Teixeira, professor da Faculdade de Engenharia da Universidade de Brasília (UnB), no câmpus do Gama, soluções similares já são utilizadas na indústria. ;Usando o celular, foi um dos primeiros trabalhos que vi;, complementa. ;Há uns três, quatro anos, essas técnicas eram impossíveis em um celular. E, dependendo da forma como elas foram feitas agora, ainda são impossíveis;, pondera.
O professor explica que existem três formas de fazer a manutenção de um automóvel: a corretiva, a preventiva e a preditiva. A primeira, e muito comum, ocorre quando se conserta algo que quebrou. A preventiva é a mais recomendada, mas também apresenta algumas falhas. ;A indústria faz estudos em cima de uma série de dados e diz que um componente deve ser trocado de tempos em tempos;, explica Teixeira. ;No caso do filtro de ar, é a cada 10 mil quilômetros. Mas se você está em uma cidade com um ar relativamente limpo, você está trocando o filtro sem precisar, ao mesmo tempo em que, se você dirige em um lugar com muita poeira, muita terra, o indicado é trocá-lo um pouco antes;, ilustra.
Com a manutenção preditiva, por outro lado, pode-se verificar constantemente a condição de uma peça e trocá-la apenas quando necessário. O princípio proposto pelos cientistas do MIT é o mesmo por trás do que sustenta as idas regulares ao médico a fim de evitar problemas graves de saúde. Porém, o que até agora só era possível com equipamentos sofisticados tem potencial para ser carregado no bolso. ;A ideia que os pesquisadores estão buscando é utilizar um dispositivo que você tem à mão, em vez de botar mais equipamentos no carro, o que aumentaria o preço;, afirma Teixeira.
Segundo Siegel, por enquanto, a solução desenvolvida por ele e os colegas consegue detectar problemas comuns de motor e suspensão. ;Mas há muito mais a caminho, como o diagnóstico para freios e até defeitos na superfície das estradas;, adianta. ;Nós continuamos a coletar dados para tornar nosso software mais robusto, para que ele possa ser usado em qualquer veículo com rodas ; seja uma motocicleta, um carro ou um caminhão, usando gasolina, diesel ou eletricidade. Assim que tivermos mais dados, devemos ser capazes de lançar um aplicativo para smartphones em pouco tempo;, diz.
* Estagiário sob a supervisão da subeditora Carmen Souza