Tecnologia

Técnica usa postagens no Twitter para monitorar chuvas e enchentes

Estudo da Universidade de São Paulo ajuda no monitoramento de enchentes

Victor Correia*
postado em 02/07/2018 06:00
Combinada com o método tradicional de vigilância, a solução previu o risco de enchente com 71% de precisão: sem ela, taxa caiu para 39%
Quando o tempo fecha, você corre para as redes sociais e posta uma foto da chuva que o impediu de sair de casa ou aliviou o calor? Saiba que o desabafo poderá ajudar os meteorologistas a melhorar as previsões. É o que pretendem cientistas do Instituto de Ciências Matemáticas e da Computação, o ICMC, da Universidade de São Paulo, São Carlos. Eles criaram uma técnica que analisa milhões de mensagens no Twitter em busca de indícios de chuvas em uma região e ajuda no monitoramento e resposta a situações de desastres, como enchentes.

A ideia é que o sistema trabalhe em conjunto com os métodos tradicionais, que usam equipamentos específicos para medir a quantidade de chuva. ;Na prática, nós temos duas possibilidades: coletar dados de onde não existem esses sensores ou de onde a resolução de dados é muito baixa;, afirma Sidgley Camargo, pesquisador do ICMC e um dos envolvidos no estudo. ;O ideal é que a gente tenha um pluviômetro a cada quilômetro porque a chuva não é um fenômeno uniforme. A cidade de São Carlos, por exemplo, tem três sensores. Não é suficiente.;

Sidgley Camargo e colegas analisaram quase 16 milhões de tuítes em busca de palavras relativas ao fenômeno, como chuva, arco-íris e pancada de chuva, e relacionaram os textos com as ocorrências registradas em regiões de São Paulo. A lógica é simples: se várias pessoas mencionam enchentes em um mesmo bairro no mesmo período de tempo, é provável que o problema esteja acontecendo. Nos testes, as informações também foram comparadas a dados do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais.

Resultados da pesquisa foram publicados nas revistas Societal Geo-innovation, em 2017, e na Computer & Geosciences, neste ano. O primeiro artigo mostrou que as mensagens ocorrem em um intervalo de 10 minutos antes e depois de um evento climático. Isso significa que as pessoas falam tanto sobre os sinais que precedem uma chuva, como nuvens cinzentas e ventos fortes, quanto sobre as consequências do fenômeno.

Já o artigo mais recente mostra a capacidade da técnica de melhorar as estimativas. Quando combinadas, as informações do Twitter e as dos sensores tradicionais alcançaram precisão de 71% ao estimar a vazão de um rio ; um importante indicador do risco de enchentes ;, contra 39% quando se usou apenas o método tradicional.

Apesar dos resultados, Camargo ressalta que se trata de uma ferramenta adicional. ;Essas mensagens estão relacionadas à chuva e são percepções das pessoas, não dados quantitativos. A intenção é buscar uma nova fonte de dados para complementar o sistema atual. Em alguns casos, a gente consegue pegar uma informação mais concreta, como uma garoa fina, que os aparelhos não registram.;

Risco bots


Para o professor Demerval Soares Moreira, coordenador de operações do Instituto de Pesquisas Meteorológicas da Universidade Estadual Paulista (Unesp), a iniciativa é um passo importante. ;É uma área que pode crescer muito e pode ser útil. Principalmente em uma cidade grande, se um grupo de pessoas começa a falar de granizo, você sabe onde isso está acontecendo. A nuvem pode ir também para outra região da cidade;, diz. Além da praticidade, o mecanismo se adapta à realidade de várias cidades brasileiras. Moreira diz que o ideal seria ter um conjunto de sensores funcionando em tempo real, mas os pluviômetros e os radares são aparelhos de instalação e manutenção caras.

Fabrício Benevenuto, professor do Departamento de Ciência da Computação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), acredita em iniciativas do tipo e se dedica a elas. ;Temos experiências nessa área desde 2010. Nós fizemos um trabalho para o monitoramento de dengue. Outros cientistas no Japão usaram a técnica para terremotos. Em situações de crise, nas redes sociais, as pessoas se mobilizam. É o que chamamos de ;prever o presente;.;

Segundo o professor, porém, há um desafio muito grande a ser superado: o ruído. Em todas as redes sociais, existem grandes números de perfis que não são criados por pessoas, mas por sistemas automáticos, conhecidos por bots. ;A mesma facilidade que os pesquisadores têm para coletar dados, os bots têm para fabricá-los. É preciso retirar o ruído que polui essas informações. Talvez, ninguém queira burlar um sistema que monitore enchentes. Mas, certamente, há interesses em um de monitoramento político.;

* Estagiário sob supervisão da subeditora Carmen Souza

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