Tecnologia

Eletromagnetismo melhora captação de água pela coleta da umidade do ar

Eletromagnetismo melhora o sistema de captação de água pela coleta da umidade do ar. Os íons carregam eletricamente as gotículas e impedem que elas se dissipem. Solução criada nos Estados Unidos poderá ajudar no combate à crise hídrica

Victor Correia*
postado em 09/07/2018 06:00

Solução tecnológica pode abastecer a rede de fornecimento de água potável e melhorar o sistema de resfriamento de usinas termelétricas

Uma das principais estratégias para a obtenção de água em locais com pouca chuva é coletar a umidade do ar. Porém, a estratégia não é muito eficiente nem produz o líquido em grande quantidade. Agora, pesquisadores do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, o MIT, nos Estados Unidos, conseguiram aprimorar a técnica de forma relativamente simples.

Em estudo publicado recentemente na revista Science Advances, eles mostraram como campos eletromagnéticos podem ser usados para aumentar consideravelmente a eficiência do sistema tradicional, que usa redes de tecido ou de metal para condensar a umidade. Em um teste em pequena escala, a nova tecnologia conseguiu encher um recipiente de 30ml em 30 minutos. Sem o uso da eletricidade, apenas algumas gotas foram coletadas no mesmo período.

Embora a estratégia não seja adequada para o uso em grande escala, os pesquisadores afirmam que o método poderá ser utilizado em usinas termelétricas para diminuir a quantidade de água perdida pela evaporação, que fica na casa de milhares de litros por dia. Pela qualidade, o líquido recuperado também poderá até ser enviado a sistemas de água potável, ajudando a diminuir a crise hídrica em algumas regiões.

;Isso pode ser uma ótima opção para a crise global de água;, diz Kripa Varanasi, um dos autores do estudo e professor de engenharia mecânica no MIT. ;A tecnologia pode compensar a necessidade de 70% das instalações de usinas de dessalinização na próxima década;, completa.

Áreas litorâneas

Em geral, os sistemas adotados para obter água através da umidade são compostos por uma malha de plástico ou de metal estendida em um local com bastante névoa, como o litoral. As gotículas de ar entram em contato com o material, se condensam e escorrem para um coletor. Porém, chegam a esses reservatórios entre 1% e 3% da água que passa pela malha.

Os pesquisadores do MIT detectaram uma das causas para essa ineficiência: quando o vento passa pelos fios que compõem a trama, ele é desviado, como acontece nas asas de um avião ou na lataria de um carro em movimento. Dessa forma, grande parte das gotículas de água é lançada para fora do equipamento. Soma-se a essa perda o fato de que grande parte da umidade passa pelos pequenos buracos no tecido, não sendo coletada.

A nova técnica resolve esse problema ao bombardear o ar ao redor do sistema com íons e carregar eletricamente as gotículas de água. Depois, um campo eletromagnético atrai a umidade para a malha. Ela se condensa e a água é coletada pelo equipamento. Essa estratégia consegue coletar todo o líquido que se aproxima, aumentando consideravelmente a eficiência do processo.

Testes mostraram que a tecnologia captura entre 20% e 30% da água perdida em uma termelétrica, o que representa uma grande economia. ;Perde-se água destilada, que é da maior qualidade. É isso que estamos tentando capturar;, afirma Varanasi. Por ser destilado, o líquido poderá ser incluído no sistema de água potável de cidades ou ser usado nas caldeiras de usinas, que necessitam do recurso limpo. Por sua vez, a estrutura de resfriamento, que origina todo esse vapor, poderá funcionar com fontes de menor qualidade.

Resfriamento

Muitas usinas em cidades costeiras usam a água do mar para o resfriamento, o que possibilita que a criação funcione como uma espécie de usina de dessalinização, segundo Varanasi. Enquanto as instalações desse tipo gastam muita energia para separar o sal da água marinha, o sistema que captura o vapor das termelétricas teria operação 50 vezes mais barata, além da construção três vezes mais acessível, estimam os criadores.

Carlos Barreia Martinez, professor do Laboratório Thermo-Hydroelectro, da Universidade Federal de Itajubá, em Minas Gerais, ressalta que, apesar de não ser muito falado, o problema de resfriamento de termelétricas é crucial para o funcionamento delas. ;Se não há água suficiente, a usina para;, explica. ;Nas usinas do Maranhão, por exemplo, você usa uma grande quantidade de água em uma região que não tem muito esse recurso. A nova tecnologia recupera uma parte da água perdida usando eletricidade. Eu achei o rendimento e o custo de energia altos, mas é um projeto muito interessante;, avalia.

Os pesquisadores estão construindo uma versão em tamanho real para testes em uma termelétrica de gás natural que funciona dentro do MIT e fornece a maior parte da energia necessária para o funcionamento do câmpus. A intenção é que uma prova mais concreta do funcionamento da tecnologia possa incentivar outras empresas ou instituições a investir no sistema. Segundo Varanasi, o protótipo ainda aumentará a sustentabilidade do MIT. ;Isso pode ter um alto impacto no uso de água pelo câmpus;, afirma.

* Estagiário sob supervisão da subeditora Carmen Souza

No Brasil

Segundo a Plataforma de Energia, desenvolvida pelo Instituto de Energia e Meio Ambiente, a termelétrica Candiota 3, no Rio Grande do Sul, consome em média de 500 mil litros de água por hora. A Luiz Carlos Prestes, em Mato Grosso do Sul, 190 mil litros. Ao menos 75% dessa água é perdida como vapor.

O sistema, que funciona em uma caixa de vidro, foi testado no Deserto do Arizona, onde a umidade chega a 8%

Funcionando em condições desérticas

Existem diferentes estratégias para fazer a coleta de umidade ; das mais simples, como um pano esticado no caminho da neblina, às mais tecnológicas, como a desenvolvida pela Universidade da Califórnia, Berkeley, nos Estados Unidos. O dispositivo é uma caixa de vidro contendo um material altamente poroso conhecido como estrutura metal-orgânica (MOF, pela sigla em inglês). Segundo os criadores, a solução consegue coletar, em um dia, 200ml de água por quilograma de MOF e pode funcionar em condições desérticas.

;Não há nada parecido;, diz Omar Yaghi, um dos autores do projeto. ;Ele opera na temperatura ambiente, com luz do Sol, e você consegue coletar água no deserto sem gasto adicional de energia. Essa jornada nos permitiu transformar a coleta de água de um fenômeno interessante para uma ciência.; O teste foi feito no Deserto do Arizona, nos Estados Unidos, onde a umidade varia entre 40% durante o dia e 8% durante a noite. Para comparação, grande parte dos métodos de coleta requer umidade de no mínimo 50% para funcionar.

O MOF funciona porque sua estrutura prende a umidade facilmente e também a libera assim que é aquecida. Durante a noite, uma tampa da caixa de vidro em que está o material poroso é deixada aberta para permitir a circulação de ar pela estrutura. De dia, a caixa é fechada e exposta à luz do Sol. A umidade coletada pelo material é, então, liberada e acumulada no fundo do dispositivo.

Alumínio

A versão atual do MOF usa o metal zircônio, que é bastante caro. Porém, Yaghi afirma ter criado uma versão do material baseada em alumínio, que é 150 vezes mais barata e captura até duas vezes mais água. Assim, uma nova geração do dispositivo com um quilograma de MOF poderia encher o equivalente a uma latinha de refrigerante por dia no deserto. ;O maior avanço aqui é que ele opera em baixa umidade, porque é assim nas regiões áridas do mundo;, diz Yaghi.

Os detalhes do experimento foram divulgado recentemente na revista Science Advances. O próximo teste será feito com a nova versão do dispositivo no Vale da Morte, nos Estados Unidos, onde as temperaturas variam de 43;C a 20;C do dia para a noite, e a umidade noturna fica em torno de 25%.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação