Tecnologia

Tecnologia brasileira permite criação de roupa repelente e que evita odor

Nanopartículas criadas por brasileiros podem ser incorporadas a tecidos e fazer com que, ao mesmo tempo, peças de roupa sejam repelentes, controlem o calor e evitem o mau cheiro. Opções atuais são importadas e não agregam todas as propriedades

Carolina Monteiro*
postado em 01/04/2019 06:00
Nanopartículas criadas por brasileiros podem ser incorporadas a tecidos e fazer com que, ao mesmo tempo, peças de roupa sejam repelentes, controlem o calor e evitem o mau cheiro. Opções atuais são importadas e não agregam todas as propriedades

Uma nanotecnologia desenvolvida para tecidos promete controlar o calor, o odor e repelir insetos. Tudo em uma mesma roupa ou em peças separadas. Além disso, os materiais utilizados no produto são totalmente nacionais, não provocam impacto ambiental nem causam alergia. A novidade tecnológica é uma criação da empresa paulista Nanox, em parceria com a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), e está em fase de testes. A previsão é de que comece a ser comercializada ainda neste ano.

A ideia surgiu devido à grande demanda nacional por tecidos com tecnologia acoplada. O material brasileiro nanotecnológico (em escala equivalente à bilionésima parte do metro) é composto por três soluções ; refletivo solar, antimosquito e antiodor ;, que podem ser aplicadas em qualquer base de tecido, como roupas de cama, vestuário, tendas, colchões e carpetes. As utilidades podem ser incorporadas individualmente ou em conjunto, conforme a escolha da indústria têxtil que as adquirir. Hoje, a maioria das opções com essas propriedades, além de importada, as oferece separadamente.

O processo de integração das nanopartículas ao tecido é o mesmo para as três propriedades, apesar das funções distintas. O aditivo antimosquito age de três maneiras. É repelente, liberando inseticidas e mantendo os insetos afastados do tecido. Provoca também o efeito patas quentes, que aquece os pontos de contato entre o mosquito e o tecido. Por último, há o efeito paralisante, que imobiliza o inseto se o contato persistir.

O aditivo antiodor tem propriedades bactericida, antimicrobiana e autoesterilizante. Ao serem incorporadas às fibras de tecidos, essas nanopartículas eliminam a ação de micro-organismos como bactérias, fungos e ácaros, o que permite a inibição do mau cheiro e evita o amarelamento da peça.

Já o aditivo refletivo solar é um produto inédito no mercado. Ele funciona como um microespelho, refletindo a radiação solar que incide sobre o tecido. Esse efeito é imperceptível aos olhos humanos e controla o calor das roupas, pois dispõe de proteção UV.

Segundo Juan P. Hinestroza, professor de ciência de fibras na Universidade de Cornell em Nova York, aditivos antimosquito e antiodor são utilizados por indústrias têxteis no mundo inteiro. Por outro lado, o refletivo solar é uma novidade até para o mercado internacional. ;Eu gosto da ideia de usar a nanotecnologia como uma ferramenta para refletir a radiação solar nos tecidos. É bem interessante e inovador;, avalia.

Resistência a lavagens


Segundo Guilherme Carvalho, químico, físico e coordenador do projeto, o diferencial dessa nanotecnologia é o pronto atendimento às demandas do mercado nacional. Em particular, ressalta ele, as nanopartículas antimicrobianas apresentam maior resistência à lavagem, à temperatura e à abrasão, em comparação a outros produtos químicos convencionais. ;Por ser um material nanotecnológico de alta eficiência, ele traz vantagens como a concentração de uso muito menor, o que reduz drasticamente o impacto ao meio ambiente;, acrescenta.

Professora de engenharia têxtil da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Késia de Oliveira ressalta que o uso de nanotecnologia na indústria têxtil está em fase de consolidação no Brasil. ;A cada dia, as indústrias estão vendo a necessidade de se implementar novas tecnologias ou se reinventar em processos criativos e produtivos que utilizam a nanotecnologia;, explica.

Além de agregar valor ao produto final, o investimento permite, por exemplo, acabamentos funcionais e melhor duração do produto. Além disso, gera oportunidades de negócios, reduz os custos e oferece tecnologias mais eficazes e amigáveis ao meio ambiente. ;A nanotecnologia é excitante e desperta muitas pesquisas desafiadoras. Ela vai nos impactar mais ainda no futuro;, aposta Késia de Oliveira.

Palavra de especialista

À espera de soluções

;A ação de repelência a insetos, o acabamento de proteção UV (solar) e o efeito antiodor são as propriedades, talvez, mais procuradas para a confecção de produtos têxtil atualmente. Isso se dá pelo fato de haver uma necessidade por parte das indústrias em atender às necessidades de um mercado de grande volume. O aditivo antimosquito, por exemplo, é um produto que a população necessita com urgência, pois pode contribuir para o controle da proliferação de mosquitos, até mesmo os perigosos. Mas a utilização da nanotecnologia na área têxtil vem se destacando também em outras linhas, como nos processos de tingimento, estamparia e produção de filamentos sintéticos (polímeros) com funcionalidades específicas em peças de vestuário final e, inclusive, em tratamento de efluentes gerados por setores produtivos têxteis;
Késia de Oliveira, professora de engenharia têxtil da Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Testes promissores

As soluções nanotecnológicas foram testadas em peças de uso universal, como malhas e tecidos planos. Contudo, faltam experimentos em humanos com os tecidos acabados. A expectativa é de que eles ocorram em breve, mas apenas usando aditivos antiodor e o refletivo solar. Segundo os pesquisadores, como o princípio ativo (permetrina) do antimosquito é usado há muitos anos e é reconhecidamente eficiente, só se faz necessário quantificar a substância no tecido logo após a aplicação e as lavagens para, assim, verificar se está dentro de um nível de eficiência.

Todos os resultados obtidos até o momento foram positivos. Tecidos com partículas do refletivo solar, ao serem expostos aos raios solares, apresentaram redução de até 6,5;C na temperatura, em comparação com peças tradicionais. Com o antiodor, a equipe conseguiu reduzir em 99,9% o crescimento microbiológico.

De acordo com o coordenador-geral do projeto, Guilherme Carvalho, em todos os testes foram utilizadas camisetas divididas ao meio. Uma metade da peça tinha o princípio ativo e a outra, não. Com o aditivo antiodor, voluntários avaliaram o cheiro na roupa após um tempo determinado de uso e atribuíram nota de zero a 10. Também foram feitos experimentos de controle de crescimento de micro-organismos. Com o aditivo refletivo solar, foi aferida a temperatura da camiseta depois de ela ter sido usada. Dessa forma, pôde-se quantificar a transmitância de radiação da peça.

;Os aditivos já estão prontos para a comercialização, mas isso vai se transformar em tecido e, depois, em uma peça de roupa. Tudo depende das empresas têxteis que os estão aplicando;, conta Guilherme Carvalho. Segundo ele, em média, um tecido com a tecnologia tem valor aumentado entre 10% e 15%, considerando o preço da peça tradicional.

Até 15%
Aumento estimado no custo do tecido quando são agregadas as nanopartículas funcionais

Pijama monitora o sono

Sensores captam mudanças de pressão constante e dos batimentos cardíacos
Ter uma boa noite de sono melhora o desempenho de tarefas diversas durante o dia, além dos benefícios para a saúde. Supervisionar a qualidade do descanso, porém, não é simples. Um grupo de pesquisadores aposta no uso de pijamas para facilitar o processo. A roupa de dormir ganhou sensores embutidos e autoalimentados, capazes de fazer o monitoramento contínuo e discreto da pulsação, respiração e postura do usuário. Com essas informações, médicos podem detectar problemas e propor soluções.

O chamado Phyjama tem cinco remendos discretos, compostos por sensores e interconectados por fios de nylon banhados de prata e protegidos com algodão. A fiação de cada remendo termina em uma placa de circuito, que é colocada no mesmo local do botão da roupa. Os dados recolhidos são enviados a um receptor usando um pequeno transmissor bluetooth, que faz parte do circuito do botão.

Há dois tipos de sensores: um que identifica mudanças de pressão constantes, como a do corpo de uma pessoa contra a cama, e outro que capta pequenos sinais balísticos do coração. Essa última função é inédita, segundo a líder dos pesquisadores, Trisha L. Andrews. ;Tivemos que integrar discretamente elementos sensoriais e fontes de energia portáteis em roupas de uso diário, mantendo o peso, a sensação, o conforto, a funcionalidade e a estrutura de tecidos familiares;, complementa.

Vapor reativo


A chave para o pijama inteligente é um processo chamado de deposição de vapor reativo. Esse método permite sintetizar um polímero e, simultaneamente, depositá-lo no tecido na fase de vapor para formar vários componentes eletrônicos e, em última análise, sensores integrados. Ao contrário da maioria, os filmes de polímero eletrônico depositados por vapor são resistentes à lavagem e ao desgaste, suportando rotinas de fabricação têxteis mecanicamente rígidas.

A equipe de Trisha L. Andrew testou a peça em voluntários e validou as leituras dos sensores de forma independente. Ela estima que o produto possa estar no mercado dentro de dois anos e custar entre US$ 100 e US$ 200. Detalhes do trabalho serão apresentados hoje, no encontro da Sociedade Americana de Química.

Para idosos

Agora, o grupo trabalha na ampliação da tecnologia visando o uso de sensores eletrônicos portáteis para evitar quedas de idosos. Nesse caso, o equipamento vai monitorar os passos dos usuários e enviar feedbacks que possam ser analisados por parentes, médicos ou profissionais de casas de repouso e lar de idosos, por exemplo.
* Estagiária sob supervisão de Carmen Souza

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