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Cimento vivo: Pesquisadores desenvolvem material de construção sustentável

Material feito com areia e bactérias tem resistência semelhante à da argamassa comum. Micro-organismos usados na estrutura se multiplicam e dão origem a novas peças. Segundo americanos, um tijolo repartido pode se transformar em oito


Desde o século 19, quando começou a ser produzido, o cimento não sofreu muitas alterações em sua fórmula. Calcário, argila, escória siderúrgica e gesso são a base desse material essencial para a construção civil, porém poluente e altamente dependente de combustível fóssil. Mas isso poderá mudar em breve. Pesquisadores da Universidade do Colorado em Boulder, nos Estados Unidos, desenvolveram um material de construção sustentável e com uma característica bastante peculiar: ele é vivo.

O método, descrito na revista Matter, combina areia e bactérias. O resultado é um material com carga estrutural e função biológica. “Já usamos materiais biológicos em nossos edifícios, como a madeira, mas eles não estão vivos”, diz o engenheiro Wil Srubar, professor-assistente no Departamento de Engenharia Civil, Ambiental e de Arquitetura (CEAE) da universidade americana. “Então, nós nos perguntamos: por que não podemos manter a matéria-prima viva e deixar que a biologia faça algo benéfico?”, justifica. De acordo com ele, uma das vantagens de se usar bactérias é que elas se multiplicam, além de garantirem uma pegada de carbono mais baixa.

O concreto é o segundo material mais consumido no planeta, depois da água. Somente a produção de cimento — o pó para fabricá-lo — é responsável por 6% das emissões de CO2, sendo que, quando curado, o produto final libera dióxido de carbono. “Nosso método oferece uma alternativa verde aos modernos materiais de construção”, diz Srubar. No estudo, foram usadas cianobactérias do gênero Synechococcus. Sob as condições certas, esses micróbios verdes absorvem CO2 para crescerem e produzirem carbonato de cálcio — o principal ingrediente do calcário e cimento. Portanto, além de não gerar esse gás, o material o capturaria da atmosfera, o que Srubar considera um “bônus adicional”.

Para iniciar o processo de fabricação, os pesquisadores inocularam colônias de cianobactérias em uma solução de areia e hidrogel. Essa mistura foi adicionada a um molde. A gelatina solúvel retém a umidade e os nutrientes para que as bactérias proliferem e mineralizem um processo semelhante à formação de conchas do mar no oceano. Combinando os três, os pesquisadores criaram um material vivo sustentável que, de acordo com os testes, oferece resistência semelhante à argamassa feita de cimento.

“Usamos as cianobactérias fotossintéticas para biomineralizar o esqueleto do tijolo, por isso é realmente um material verde. Parece um material do tipo Frankenstein”, brinca Wil Srubar. “É exatamente isso que estamos tentando criar — algo que permanece vivo”, explica. O tijolo de hidrogel e areia não está apenas vivo, mas também se reproduz. Ao dividi-lo ao meio, as bactérias podem se transformar em duas peças completas, bastando adicionar um pouco de areia, hidrogel e nutrientes extras. Em vez de fabricar os tijolos um por um, a equipe demonstrou que um único pode reproduzir até oito tijolos. “O que realmente nos entusiasma é que isso desafia as formas convencionais pelas quais fabricamos materiais de construção estruturais”, diz o engenheiro. “Isso realmente demonstra a capacidade de fabricação de material exponencial.”

O tijolo produzido pelas cianobactérias precisa ser completamente seco para atingir a capacidade estrutural máxima; ou seja, a resistência. Porém, a secagem estressa os micro-organismos, comprometendo a viabilidade do material. Para manter a função estrutural e garantir a sobrevivência microbiana, o conceito de umidade relativa ideal e de condições de armazenamento é crítico. Utilizando a umidade e a temperatura como interruptores físicos, os pesquisadores podem controlar quando as bactérias crescem e quando o material permanece inativo para servir às funções estruturais.

Obra extraterrestre



O próximo passo para Srubar é explorar as inúmeras aplicações desse tipo de material. Ele prevê a introdução de bactérias com diferentes funcionalidades na produção de matéria-prima a fim de criar insumos para a construção civil com funções biológicas, como os que detectam e respondem a toxinas no ar. Outras aplicações incluem a construção de estruturas onde há recursos limitados, como o deserto ou até outro planeta.

“Em ambientes austeros, esses materiais teriam um desempenho especialmente bom porque usam a luz do Sol para crescer e proliferar com muito pouco ingrediente exógeno necessário. A exploração planetária vai acontecer de uma maneira ou de outra, e não vamos transportar sacos de cimento até Marte. Realmente acho que traremos biologia conosco assim que formos para lá”, acredita o engenheiro. “Nosso laboratório prepara o terreno para novos materiais interessantes que podem ser projetados para interagir e responder aos seus ambientes. Estamos apenas tentando dar vida aos materiais de construção, e acho que é a pepita dessa coisa toda. Estamos apenas no começo dessa nova disciplina. O céu é o limite”, acredita.

Para saber mais


Conhecimento milenar

Esquecidos durante o período medieval, quando a Europa se tornou essencialmente rural, os materiais de cimentação desempenharam papel vital e foram amplamente utilizados no mundo antigo. Os egípcios usavam gesso calcinado como cimento, e os gregos e romanos utilizavam cal produzida pelo aquecimento de calcário e adicionavam areia para fazer argamassa.

Os romanos descobriram que podia ser feito um cimento que se assentava sob a água, e isso era usado para a construção de portos. Esse material era produzido adicionando cinzas vulcânicas ao cal. Em lugares em que as cinzas vulcânicas eram escassas, como a Grã-Bretanha, usavam-se tijolos ou ladrilhos triturados. Os romanos foram, portanto, provavelmente os primeiros a manipular sistematicamente as propriedades de materiais cimentícios para aplicações e situações específicas.

Depois deles, o cimento ficou esquecido: na Idade Média, as cidades praticamente desapareceram. As grandes catedrais medievais foram claramente construídas por pedreiros altamente qualificados. Apesar disso, eles não tinham a tecnologia para manipular as propriedades de materiais cimentícios da maneira que os romanos haviam feito mil anos antes.

Com a Revolução Industrial, o cimento foi redescoberto. Joseph Aspdin registrou uma patente em 1824 para o Portland Cement, um material que ele produziu queimando argila finamente moída e calcário até que este fosse calcinado. Alguns anos depois, em 1845, Isaac Johnson fez o primeiro cimento Portland moderno, usando uma mistura de giz e argila a temperaturas muito mais altas, semelhantes às aplicadas hoje.