Tecnologia

Lente de contato monitora níveis de glicose no sangue e aplica medicamentos

Solução inteligente libera medicamentos parar tratar o diabetes e monitora os níveis de glicose no sangue do usuário. Cientistas coreanos testaram o dispositivo em coelhos e obtiveram resultados promissores

Correio Braziliense
postado em 04/05/2020 06:00
Solução inteligente libera medicamentos parar tratar o diabetes e monitora os níveis de glicose no sangue do usuário. Cientistas coreanos testaram o dispositivo em coelhos e obtiveram resultados promissores
Alguns problemas de saúde incuráveis demandam cuidados rotineiros. É o caso do diabetes, que acomete 9,3% da população mundial, segundo a International Diabetes Federation. Para facilitar a vida de milhões de pacientes que enfrentam essa doença crônica, cientistas da Coreia do Sul desenvolveram uma lente de contato que consegue monitorar os níveis de glicose no sangue do usuário e também aplicar medicamentos. A tecnologia, apresentada na revista americana Science Advances, foi testada com sucesso em coelhos. Segundo os criadores, ela precisa de aprimoramentos, mas, no futuro, poderá ser usada, inclusive, no tratamento de outras complicações médicas.

As lentes de contato inteligentes são feitas de polímeros biocompatíveis, que não agridem o organismo, e integram biossensores, sistemas de entrega de medicamentos e de comunicação de dados. “Elas contêm um biossensor eletroquímico— usado para monitorar substâncias e moléculas e que gera resultados em tempo real —, um sistema flexível de entrega de medicamentos, um sistema de transferência de energia sem fio e um sistema de comunicação remota por radiofrequência”, detalham, em comunicado, os autores no estudo.

Para testar a nova tecnologia, os pesquisadores inseriram as lentes nos olhos de coelhos com diabetes. Em seguida, injetaram duas unidades de insulina para monitorar as alterações provocadas pela intervenção. A abordagem foi repetida ao longo de 63 dias, a fim de que a equipe observasse, entre outros fatores, se a lente se mantinha estável. “Conseguimos resultados muito positivos nesse período, o que mostra como o material é aceito pelo organismo dos animais, que é muito semelhante ao dos humanos”, avaliam.

Em uma segunda etapa, as lentes inteligentes passaram a liberar genisteína — uma droga usada para tratar o diabetes — e a medir a concentração do medicamento na córnea das cobaias uma hora depois da administração do remédio. Os cientistas constataram que a tecnologia liberou o medicamento de forma tão eficaz quanto uma injeção ocular, um dos recursos usados atualmente para a tarefa. A equipe também usou uma câmera térmica infravermelha para monitorar a segurança da tecnologia e observou pouca variação na temperatura da lente.

Marco Antonio Grivet, professor do Centro de Estudos em Telecomunicações da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (CETUC/PUC-Rio), destaca que o trabalho é mais uma pesquisa do campo do teranóstico, que é a combinação das palavras terapêutico e diagnóstico. “Trata-se de um novo e muito recente campo da medicina, que consiste no uso de uma terapia especificamente direcionada”, explica. “Os esforço de médicos, cientistas e engenheiros nessa direção têm sido enormes. É só olharmos o número de publicações científicas associadas existentes na literatura.”

Para  o especialista brasileiro, o enfoque de soluções em escala atômica e molecular é um dos pontos mais importantes do trabalho. “Essas lentes envolvem maciçamente o uso de nanotecnologia, que permite unir, em um único agente, a administração de um medicamento e o monitoramento da resposta a esse tratamento”, diz. “Esse item nanotecnológico tem  uma série de componentes, e toda essa parafernália precisa estar alojada na lente de contato sem impedir que o paciente tenha visão afetada. É simplesmente quase inacreditável.”


Tendência


Os pesquisadores destacam que, apesar dos resultados positivos obtidos com coelhos, são necessárias novas análises para revelar se as lentes de contato inteligentes poderão servir como um dispositivo para o monitoramento de doenças e aplicação de medicamentos em humanos. “Mesmo com a  pesquisa e o desenvolvimento completos de dispositivos portáteis de empresas globais em crescimento, a comercialização de dispositivos médicos sem fio para diagnóstico e tratamento de diabetes e retinopatia ainda é insuficiente”, enfatiza, em comunicado, Sei Kwang Han, líder da pesquisa e professor do Departamento de Ciência e Engenharia de Materiais da Universidade Postech, na Coreia do Sul.

Outros grupos de pesquisadores têm usado o mesmo tipo de tecnologia para desenvolver lentes de contato inteligentes para tratar distúrbios cerebrais, como Alzheimer, Parkinson e depressão. Segundo Sei Kwang Han, a tecnologia que a sua equipe desenvolve poderá ajudar também no tratamento de enfermidades além do diabetes. “Esperamos que, caso seja a primeira lente de contato inteligente sem fio capaz de auxiliar no tratamento de diabetes e retinopatia, ela contribua muito para o avanço de indústrias relacionadas”, afirma.

Para o professor brasileiro, um dos pontos que precisam ser melhor trabalhado no uso de dispositivos eletrônicos na área de saúde é a segurança. “Imagine que eu transmita instruções maliciosamente erradas para o microprocessador que controla o dispositivo. Poderei matar o usuário e ninguém perceberá. E essa ação pode não ser deliberada. Um ‘vírus’ pode ser instalado no programa executado pelo processador ou um hacker pode obter informações não autorizadas sobre a saúde de um paciente”, ilustra Marco Antonio Grivet. “Entramos em um terreno que não tem nada a ver com nanotecnologia e medicina. Trata-se de um aspecto muito importante nos dias de hoje: a segurança das informações, que deve merecer extrema atenção.”
 

Palavra de especialista 


Facilidade ao paciente  
“Acredito que esse tipo de recurso é algo que teremos disponível para uso daqui a alguns anos, e que poderá ser de grande ajuda, principalmente para pacientes que sofrem com doenças crônicas. Como no glaucoma, que é necessária a aplicação diária de medicamentos e, muitas vezes, a pessoa pode não se lembrar disso, se prejudicando. Não precisar da injeção ocular é outra vantagem, pois muitas pessoas têm pavor de agulhas. Outro ponto positivo é o de fazer o tratamento em casa, além do monitoramento constante. Isso faz com que possíveis danos possam ser evitados, o que dá mais tranquilidade ao paciente.”
Ramon Barreto, oftalmologista do Visão Hospital de Olhos, em Brasília

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