postado em 26/01/2011 08:00
;Quem é que sobe a ladeira do Curuzu?/Sou eu, sou eu/E a coisa mais linda de se ver?/É o Ilê Aiyê;. Difícil achar quem nunca tenha ouvido estes versos do primeiro bloco afro da Bahia, o Ilê Aiyê, na voz de artistas famosos. O grupo, fundado em 1974, é reconhecido como grande representante da cultura afro no estado baiano. Este ano, o Ilê Aiyê fará uma homenagem aos mineiros, com o tema Minas Gerais, símbolo de resistência. Dessa vez, as letras das canções trarão Xica da Silva, Milton Nascimento, Chico Reis, Aleijadinho e outras importantes figuras das Gerais para a boca dos foliões. O Ilê Aiyê, que significa ;mundo negro;, é soteropolitano e surgiu no bairro da Liberdade, que tem a maior população negra do país. Antonio Carlos dos Santos, conhecido por Vovô desde criança, fundou o bloco com o amigo Apolônio Souza de Jesus Filho, já falecido. O apelido de Antonio Carlos surgiu quando, num dia chuvoso, ele foi à escola de paletó. Os colegas notaram a vestimenta muito grande e disseram que ele parecia mais velho: virou Vovô já aos 9 anos. ;Criamos o bloco para combater o racismo no carnaval da Bahia. Nos grandes clubes, só havia gente branca. No primeiro carnaval em que desfilamos, em 1975, saíram 100 pessoas. Hoje contamos com 3 mil integrantes;, relata Vovô.
Desde que surgiu, o Ilê Aiyê sempre homenageia países, culturas africanas e as revoltas negras no Brasil ; que contribuíram para o fortalecimento da identidade étnica e da autoestima do afrodescendente brasileiro. No ano passado, Pernambuco foi o destaque do bloco. Angola, Revolta dos Búzios (também chamada de Revolta dos Alfaiates) e a Bahia já tiveram a sua vez.
Custos da alegria
Para levar Minas Gerais para as ruas de Salvador, a organização enviou um grupo até o estado a fim de pesquisar a riqueza afra do estado. Vovô conta que ele e seus companheiros ;começaram um namoro; com os cantores Milton Nascimento e Vander Lee para se apresentarem no carnaval baiano. As vozes mineiras, no entanto, não vão completar a homenagem às Gerais no carnaval do Ilê Aiyê. A tarefa ficou para a estrela Margareth Menezes.
;Do nosso Festival de Música, selecionamos duas canções, entre 100 inscrições, divididas em tema e poesia para representar o carnaval do ano. Além disso escolhemos a Deusa do Ébano, entre 60 candidatas. A vencedora recebe um prêmio de R$ 2 mil;, explica o fundador do grupo. No total, o carnaval do tradicional bloco custa cerca de R$ 1,1 milhão, e o pré-carnaval, aproximadamente R$ 400 mil. Segundo Vovô, todo o dinheiro é arrecadado por meio de leis de incentivo, patrocínio de empresas e o pagamento de carnê dos 3 mil membros fiéis, até este mês. O carnê custa R$ 450, dividido em nove vezes.
O Ilê Aiyê não se restringe a promover a alegria na comunidade: a cidadania é uma preocupação constante do grupo. Na sede, são realizados diversos projetos sociais, que atendem cerca de 1,2 mil pessoas: escola de alfabetização, de canto, dança e profissionalização. O Ilê ainda está à frente do programa de rádio Tambores da Liberdade, que tem por objetivo divulgar a música e a cultura afro-brasileiras.
ARTIGO
Atrás do trio elétrico eu sempre vou
Irlam Rocha Lima
Folião desde criança, saía fantasiado de mascarado pelas ruas de Barreiras, no oeste baiano e me integrava a blocos de índio que brincavam no salão de festas do Dragão Social, clube que faz parte da história daquela cidade. Já em Brasília, ao lado de companheiros jornalistas, cumpri o percurso entre o bar Chorão, na 302 Norte e a W3 Sul, no início dos desfiles do Pacotão.
Em minha primeira incursão ao carnaval de Salvador, no começo dos anos 1970, me juntei à multidão que saía atrás do trio elétrico Caetanave, ao som de frevos como Chuva, suor e cerveja, Filha da Chiquita Bacana e, claro, Atrás do trio elétrico. E também o ano em que todos pulávamos embalados por Pombo Correio e Chão da praça, de Moraes Moreira, com o autor cantando em cima do Trio Elétrico de Dodô e Osmar.
Tempos depois, ao voltar à folia baiana, os blocos já desfilavam cercados por cordas. Começava o reinado da axé music que, antes de se espalhar pelas ruas, era ouvida nos ensaios, em locais fechados. À época, o mais concorrido era o Ensaio geral, que o Chiclete com Banana comandava no Bahiano de Tênis. De tão animado, levava os pacientes de um hospital que fica em frente ao clube às janelas para assistir.
Frequentei ainda o ensaio da Timbalada no Candeal Ghueto Square, que, durante quase 10 anos, marcou época. No popular e musical bairro, Carlinhos Brown, o anfitrião, recebia celebridades, gente famosa e foliões anônimos que se jogavam na pista de dança. O grande barato era dar a volta no Gueto ; na verdade em torno do palco, instalado no meio do democrático espaço, onde hoje funciona a Escola de Música Pracatum e o estúdio Ilha dos Sapos.
Enquanto Brown migrou para o Museu dos Ritmos (na região do Comércio, na Cidade Baixa), onde, há três anos, criou o Sarau do Brown, o Olodum mantém-se firme e forte com seu ensaio há mais de duas décadas, no Largo Pedro Arcanjo, Pelourinho. Por experiência própria, recomendo-o com entusiasmo.
Quem vai ali pode encontrar desde Ivete Sangalo, Daniela Mercury, Cláudia Leitte, Margareth Menezes e atores do Bando de Teatro Olodum até turistas vindos de Itália, Alemanha, França, Portugal, Argentina e de diferentes regiões do país. E todo mundo se junta aos baianos nessa onírica celebração pré-carnavalesca.
Ensaios
Os tambores já rufam em Salvador, nos ensaios dos grupos afros. Se você está programando uma viagem à capital, considere fazer este programa. Veja os horários dos ensaios do Ilê e dos outros grupos, escolha o seu e caia na pré-folia baiana.
Cortejo Afro
Todas as segundas-feiras até o carnaval, a partir das 21h, no Largo Tereza Batista (Pelourinho). Ingresso: R$ 60 (inteira) e R$ 30 (meia).
Ilê Aiyê
Todo sábado, a partir das 21h30, na sede do grupo (Rua do Curuzu, 228, Liberdade; 71-2103-3400). Ingressos: R$ 30 (camarote) e R$ 15 (pista).
Olodum
Todos os domingos até o carnaval, das 18h às 22h, no Largo Pedro Archanjo (Pelourinho). Ingressos: R$ 40 (inteira). Todas as terças-feiras até o carnaval, a partir das 21h30, no Largo Tereza Batista (Pelourinho). Ingressos: R$ 80 (inteira).
Timbalada
De 6 e 20 de fevereiro e 13 de março, no Museu du Ritmo (Avenida Jequitaia, 1, Comércio, antigo Mercado do Ouro), a partir das 18h. Ingressos: R$ 75 (pista) e R$ 150 (camarote).