Turismo

Deserto de Wadi Rum é reconhecido pela ONU como patrimônio da humanidade

postado em 17/08/2011 11:35

Em meio à paisagem arenosa, montam-se as tendas, onde, à noite, serão servidos jantares rústicos ao som de alaúde e tambor

Que tal chegar a um lugar e encontrar um grupo beduíno em barracas portáteis, todas produzidas à base de pele de cabra? Ah, é uma pena: essas são raríssimas. Há exemplares apenas para mostrar a turistas cri-cris, daqueles tão curiosos que surpreendem (e incomodam) até os guias turísticos. Mas as tendas clássicas de lona, cuja cor de base agrega-se naturalmente ao marrom desértico e árido, estão lá na encantadora reserva de Wadi Rum, sul de Amã.

As barracas são, ainda hoje, os bens principais dos beduínos. Além, é claro, de camelos, ovelhas, cabras e, obviamente, do ar quente dos fins de tarde dourados, do frio gelado das madrugadas, dos pios meio agourentos das corujas, das estrelas que servem como cobertores, do silêncio encantador das auroras... Ah, meu Deus!

É verdade: na areia pedregosa, ;enfeitada; por raras touceiras de mato rasteiro, os legítimos representantes dos povos nômades árabes ; de etnias como a Zalabia ; agora são hoteleiros. Sim: suas ;casas; são hotéis, alguns de muito bom gosto, decorados com jarros, iluminados por velas e forrados com tapetes e capazes de receber até 100 pessoas por noite.

As luzes são apagadas à meia-noite e, com isso, aparecem muriçocas, pernilongos ou... Aliás, sabem como se chama muriçoca em árabe? Opa, não precisa chamar, elas surgem de todos os lugares, sem convite.

Wadi Rum: 740km2 de encantos citados na Bíblia e no Corão

Um dos hotéis de beduínos mais charmosos ; e um dos mais luxuosos ; é o Captain;s Desert Camp. Há quem diga, e ninguém nega (nem deveria), que lá se hospedou Kate Middleton, hoje duquesa-mulher do príncipe britânico William.

A alimentação servida é trivial clássica: iogurte, arroz e, obviamente, os pães redondos sem fermento. A carne ; como o carneiro assado por quatro horas sob a areia ; é banquete com acompanhantes, quem sabe, seculares: cebolas, cenouras (raras) e batatas.

É uma pena que o Corão seja tão seguido à risca e não haja, em nenhuma hipótese, nem uma taça de vinho sequer... Ainda mais porque há uma dupla musical, com alaúde (sempre triste e enigmático), e um tambor (espécie de atabaque) surdo e melancólico.

Bem, mas ela, a carne, aparece todas as noites nos acampamentos. E com direito a encenações, poses para fotos... Como se fosse um cerimonial sem cerimônia. Aliás, atender turista deve ser algo cerimonioso, no sentido de excesso de gestos e fru-frus ; ou, apenas para ficar no mundo árabe, salamaleques.

Não, mas não confunda atenção na medida ou conforto com luxo. Os beduínos entendem que o vestir é um ato importante, sublime, até: todos os homens usam um longo ;vestido; cáqui, complementando o visual com uma correia de couro no peito e, claro, o paninho quadriculado sobre a cabeça.

Camelos
Os camelos são, digamos assim, feinhos. Mas extasiam os ocidentais pelo ineditismo, e os nativos sabem muito bem disso. Por isso, simpaticamente dizem de cara: o ;seu; camelo, mister, é o Samir (pode ser Toufik, Amir ou outro nome árabe qualquer). Detalhe: enquanto puxa o camelo, o guia (Alian) atende ao telefone celular... Bem, e lá está o Samir à espreita, rinchando simpático. Não há quem resista. Por uma volta de uma hora, o beduíno cobra 15 dinares (cerca de US$ 35).

Ah, e o passeio termina com o pôr do sol. Os hóspedes de todas as tendas são levados a um pequeno monte, uma elevação perto de dunas, para apreciar o que, para quem conhece uma praia do Ocidente, é o maior espetáculo da Terra. O silêncio é quebrado por cliques de câmeras, um espirro do camelo, o ronco de uma picape 4x4 ao longe... Nunca um bocejo.

E o que mais há para fazer? A picape mais nova para alugar deve ter uns 30 anos de uso. Mas o que importa? O passeio (uns R$ 150 por carro, com quatro pessoas, dependendo da estação) é muito interessante: você vai mais longe, e a sensação é de estar perdido (ou encontrado, depende de seu estado de espírito) numa imensidão lunar. Dá até para pensar: por que só agora Wadi Rum ; que soma 740 quilômetros quadrados ; foi declarado pela Unesco como novo Patrimônio Mundial da Humanidade?

Nos trechos percorridos pelos jipes e pelas picapes fora de estrada, ficamos sabendo ; e vemos ; como surgiu o belo: montanhas desenhadas pela natureza, com ajuda fundamental do vento, das poucas chuvas, dos grãos de areia que se encontram entre si; Há montes, aliás, de 1,7 mil metros (o planalto onde fica o Distrito Federal não passa dos 1,1 mil metros). Mas as escaladas só são recomendadas para especialistas, com ajuda de guias confiáveis;

Não há somente por lá aquela beleza feita por Deus. Respira-se, além de ar quente e seco, muita história. O Wadi Rum foi palco da famosa revolta árabe do início do século 20 (1917-1918), que, em função da Primeira Guerra Mundial, configurou outro Oriente Médio. Eis que, aí, entra a saga do tenente inglês T. E. Lawrence, contada no filme Lawrence da Arábia, de David Lean, rodado no Wadi Rum.

Fenômeno superlativo
A Unesco, vinculada à Organização das Nações Unidas (ONU), entende que o lugar tem significado cultural inestimável. ;É um fenômeno natural superlativo (a redundância é dos analistas) de grande importância estética.; Esse tipo de reconhecimento tem como objetivo preservar a integridade de certos lugares naturais, a exemplo dos glaciares na Argentina, ou históricos, como Ouro Preto e Olinda, no Brasil. Em Wadi Rum, foram alvo da preservação a flora e a paisagem (com suas impressionantes gargantas, vales e as inesquecíveis rochas divinamente trabalhadas) e a história. O lugar é citado na Bíblia e no Corão, abriga ruínas de templo nabateu, escritos rupestres e... Bom, o que mais? Ninguém explicará: o Wadi Rum precisa ser visto, olhado, admirado, respirado...

Longo e belo
O filme Lawrence da Arábia, de 1962, tem incríveis 222 minutos. E mais: não há atrizes. Mesmo assim, tornou-se um clássico, uma referência de qualidade em superproduções. Baseado em Os sete pilares da sabedoria, de T. E. Lawrence (1888-1935), tornou conhecidos nomes como os do diretor David Lean, do ator Peter O;Toole (o Lawrence), de Maurice Jarre (autor da trilha sonora), de Omar Sharif e por aí vai. Em 1963, levou várias estatuetas do Oscar: melhor filme, diretor, edição, direção de arte, fotografia (depois que se conhece o lugar, começa-se a acreditar que essa categoria é perfeita para a película) e trilha sonora. O filme conta a história de jovem tenente britânico que se juntou aos rebeldes árabes para combater os turcos.

Fique atento

Como qualquer deserto, o Wadi Rum tem um clima meio instável. Prefira viajar agora: setembro e outubro (dá para organizar tudo ainda, sim). Ou em abril e maio do ano que vem. A temperatura nesses meses sobe durante o dia e esfria à noite, mas, sinceramente, alguém reclama de 15;C na Lua, digamos assim?

Vastos, como deuses

;...Para ver as faixas horizontais cor-de-rosa/
e castanhas, e cremes, e vermelhas/
que davam aos penhascos um tom geral avermelhado/
encantando-nos com os diversos desenhos/
de finas pinceladas/
de cor mais clara ou mais escura/
traçados sobre o corpo liso das rochas...;

T.E. Lawrence, escritor britânico, contando, em diário escrito antes de ir para as batalhas contra os turcos, no início do século, como eram os passeios no lugar

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