Estar no México durante a celebração do Dia dos Mortos (2 de novembro) é como desembarcar no Rio de Janeiro em plena folia carnavalesca. Ou flagrar as vitrines nova-iorquinas repletas de enfeites de Natal e bonecos de neve. A experiência ultrapassa a esfera das revelações turísticas e ganha um tom de intimidade. É como espiar pela fresta uma das características mais vívidas da alma mexicana.
No país, a morte significa festa, e essa constatação é tão antiga quanto seus sítios arqueológicos, sua alegria e sua exuberância natural. Há registros de que, há pelo menos 3 mil anos, as civilizações pré-hispânicas celebravam a passagem para o mundo espiritual de forma divertida e inusitada aos olhos dos estrangeiros. Enquanto esse ritual é visto de forma mórbida pela maioria das culturas, no México, representa o momento de reencontrar os que já se foram. Acredita-se que todos retornam do além para uma visita regada a comida, bebida e dança, sobre as lápides dos cemitérios. ;Desde crianças, crescemos com o rito da morte ao lado;, revela o antropólogo e guia turístico Adolfo Cortes.
As celebrações começam em 1; de novembro, quando se comemora o Dia de Todos os Santos. De acordo com a crença local, nesse dia as almas das crianças retornam. Por isso, as ruas são tomadas por uma meninada que não tem medo de maquiagem carregada e fantasias de personagens um tanto assustadores. Levadas pelas mãos dos pais, imitam vampiros, múmias, bruxos e personagens de filmes (como Chucky, o boneco assassino, e Willy Wonka, de A fantástica fábrica de chocolate). Vale tudo, desde que seja em tons sombrios, com olheiras realçadas a lápis preto. No dia seguinte, quando as almas dos mais velhos voltam a esta dimensão, os adultos repetem o ritual.
Não há festa completa sem alguns itens de primeira necessidade para os mexicanos. O mais onipresente deles é o altar. Construído em três níveis, está sempre perto de uma janela (para facilitar a entrada dos mortos). Os copos d;água servem para acalmar a longa viagem dos espíritos, que se guiam pelo perfume de uma flor de pétalas alaranjadas, a cempasúchil. Para agradar aos homenageados, comidas e bebidas de sua preferência também são ofertados, além de velas, plantas e fotos.
Os altares não são erguidos apenas nas casas. Em lojas, museus e até mesmo escritórios, uma mesa é sempre destinada às oferendas. As ruas e os monumentos (especialmente estátuas e bustos) são cercados por cruzes, velas e flores. Se no Brasil as festas juninas são enfeitadas com bandeirinhas típicas, geralmente feitas em papel de seda, no México, o mesmo material é recortado em grafias alusivas a caveiras, imagem-símbolo de toda a festança. Esses orifícios no papel, acreditam os fiéis, permitem que as almas passem através da celulose. Em todos os lugares, é possível encontrar o pan de muertos (ou pão dos mortos), geralmente assado em formato de coração, jacaré ou borboleta, e recoberto por uma camada de açúcar cristalizado.
Nesse período, os brindes mais comuns são as caveirinhas de açúcar (também feitas de chocolate ou amaranto, um tipo de grão). As caveiras foram alçadas ao posto de expressão máxima da celebração pelo gravurista mexicano José Guadalupe Posada. Usando a técnica de água-forte, ele eternizou o esqueleto de uma mulher (batizada de La Catrina), envergando um chapéu pomposo e distintivo da alta sociedade, lembrando que a morte anula qualquer diferença social.
A imagem foi reproduzida pelo pintor Diego Rivera em um de seus famosos murais e acabou simbolizando a data. Em trajes e materiais diferentes, as miniaturas da musa controversa dominam as lojas de presentes do país e é difícil voltar para casa sem uma caveirinha na bagagem. As catrinas também inspiram fantasias e concursos. Em um famoso museu da cidade, a comemoração deste ano envolvia vestir-se de Catrina tropical.
Nem os políticos e as pessoas que ocupam a vida pública escapam da brincadeira. As caveiras políticas tratam de criar epitáfios (frases para decorar túmulos) ou rimas que ironizam a situação do país. ;Como tu te vês, eu me vi. Como tu me vês, tu te verás;, dizem os mexicanos, assumindo o papel dos mortos. No país, em vez de flertar com a melancolia, seus habitantes andam de mãos dadas com o grande mistério que começa quando a vida se extingue. (MM)
A fé em Guadalupe move até o turismo
peregrinação é importante dentro do turismo do país. Todas as preces se encontram na Basílica de Nossa Senhora de Guadalupe, na Cidade do México. Segundo estimativas, é o segundo santuário religioso mais visitado do planeta (atrás apenas da Basílica de São Pedro, no Vaticano).
A visita começa pelo ponto mais místico do centro de peregrinação. Logo na entrada da basílica, há um altar a céu aberto, destinado à limpeza da alma e à purificação espiritual e corporal. Ali, crianças são salvas de mau olhado e religiosos fazem seus pedidos, entre velas e flores.
A história começa em 12 de dezembro de 1531, quando a virgem faz uma aparição para o índio Juan Diego, pedindo a ele para comunicar ao bispo do México que uma templo em homenagem a ela deveria ser construído no local. Ele usou seu manto para desenhar a visão, e a observação dessa pintura é, até hoje, o ponto alto da visita.
O próprio material, fibra de agave, planta típica do país, se deteriora com rapidez, durando, no máximo, 20 anos. Mas o tecido de Juan Diego não dá sinais de se desfazer até hoje.
Assim como outras regiões da Cidade do México, o ponto onde foi erguida a primeira igreja (cuja construção começou em 1531, mesmo ano da aparição) também afunda. Um novo templo foi construído entre 1973 e 1976: é a única igreja circular do país, com nove capelas ao redor da nave central. Em cada uma delas, são realizadas missas independentes, e um estudo de acústica permite que, mesmo sem nenhuma divisória nos ambientes, o som das orações não se misture.
Além do roteiro básico de uma visita à basílica, o turista pode topar com algumas surpresas. Em dias de celebrações especiais, é possível topar com povos de regiões remotas e origem exótica circulando pelos templos e recantos do santuário. Um exemplo são os indígenas da aldeia Oxchuc, nos Chiapas, sul do México. Com suas roupas coloridas, forradas por gibeiras de couro, chapéus rústicos, peles de animais, máscaras, defumadores, berrantes e apitos, esses descendentes dos povos maias ; que, em sua terra natal, nem sequer se deixam fotografar ; revelaram à curiosidade alheia o exotismo de seus rituais sagrados. (MM)