Shirley Pacelli
postado em 25/01/2012 10:28
Se uma taça de vinho faz bem à saúde, o roteiro de vinícolas na Argentina garantirá muitos bons anos de vida, além de um deslumbramento permanente. Regiões desérticas ; como as províncias de Mendoza, a oeste, e Salta, ao norte ; são conhecidas pelo cultivo de uvas por meio de um complexo sistema de irrigação. Além de conhecer paisagens belíssimas, o turista tem a oportunidade de adentrar no universo da produção das bebidas dos deuses. O Correio visitou vinícolas da região e mostra o que há de melhor em cada uma delas.Tranquilo ; dito com aquele sotaque argentino, que provoca um sorriso no canto da boca ; é o adjetivo que melhor define a cidade de Cafayate, a 191km de Salta (capital da província de mesmo nome), localizada no norte do país hermano. A paisagem lunar, encantadora, já seria motivo suficiente para visitar a cidade de aproximadamente 12 mil habitantes. Mas, além das belezas da reserva natural Quebrada de Las Conchas, há a uva torrontés, que dá origem a uma variedade de vinho branco de aroma frutado, fresco e com notas cítricas ao paladar. Trata-se de um verdadeiro tesouro das terras situadas até 2 mil metros acima do mar e de clima seco, com chuvas de somente 200 milímetros por ano.
Mais que as observações próprias de sommeliers, as visitas às dezenas de bodegas da região oferecem o conhecimento do universo de produção da bebida dos deuses e a recepção cativante dos moradores do interior argentino. Para chegar a Cafayate, o portão de entrada dos brasileiros é o aeroporto de Salta, a duas horas de voo de Buenos Aires. De lá, mais três horas de carro ao destino.
Recomenda-se cruzar esse caminho de dia, para contemplar o horizonte vermelho das montanhas. A caminho da cidadezinha, na região da reserva natural Quebrada de Las Conchas, é obrigatória a parada em dois pontos: a Garganta del Diablo e o Anfiteatro. As formações rochosas esculpidas há 100 milhões de anos e de dimensões gigantescas rendem boas fotos.
Avisos de que é proibido pintar as rochas e que o local não é banheiro fazem a imaginação perceber o quanto o ponto já foi degradado. Respeite o que diz cada placa.
Butiques
Chegando a Cafayate, comece pelas bodegas butiques: menores, familiares e que exalam a paixão por vinhos. No Valles Calchaquies, encontra-se a Bodega Domingo Hermanos. Herdada por três filhos do casal Domingo e Molina (também nome de outra adega do grupo), mantém a fabricação de vinhos desde 1978. O patriarca chegou a ser prefeito de Cafayate.
Na propriedade, são 30 hectares de parreiras com até 60 anos. As bebês, como são conhecidas as plantas mais novas, de 2 anos, são tratadas com atenção por Carola Rymavicius, responsável pela recepção dos visitantes. ;Todo dia venho aqui e olho para elas. Já estão crescendo, são como meus filhos;, brinca a argentina, explicando os cuidados necessários com cada cacho. Uma curiosidade exclusiva da Domingo Hermanos está nas várias espécies de cactos que dividem espaço com as parreiras no terreno pedregoso.
A empresa produziu 110 mil litros de vinho no ano passado, dos tipos malbec, merlot, carbernet sauvignon e, claro, torrontés. A funcionária conta que, na época de colheita, em fevereiro, a rádio local convoca as pessoas para o trabalho temporário em cada bodega. Para armazenar o líquido, ainda são utilizados os antigos tanques de cimento de 15 mil litros. O aroma de vinho impregna o galpão. Beber uma taça diretamente da torneira de um desses recipientes é uma gostosa experiência.
A jornalista viajou a convite da Wines of Argentina
Origem
Há duas versões sobre o surgimento das uvas brancas torrontés. A primeira e mais difundida é que a fruta teria origem espanhola. Outras defendem que a variedade seja tipicamente argentina e tenha resultado do trabalho de insetos na polinização cruzada entre videiras do tipo moscatel e criolla chica. Esse vinho branco tem se tornado ícone de elegância no país, esbanjando delicadeza de aroma floral e sabor refrescante.
Técnica e tradição andam lado a lado
Depois de conhecer o que há do charme intimista dos vinhos, pode-se partir para uma bodega, digamos, mais turística: a Vasija Secreta. Fundada por espanhóis e atual propriedade de uma família de Salta, produz 600 mil litros de vinho por ano, com uvas de 72 hectares de plantação. Até 1977, o lugar estava em ruínas.
A visita se concentra no setor de produção, onde se conhecem desde os modernos tanques de aço inoxidável ; onde se armazena o líquido ; às máquinas que colocam rótulos nas garrafas. Mas nem tudo é só tecnologia. O espaço tem seu próprio museu, com um acervo de mais de 300 peças, como antigos tonéis de carvalho e máquinas agrícolas do século 19. A entrada é gratuita, mas cobra-se pela degustação. No restaurante, descobrem-se as melhores sugestões de vinhos da casa para acompanhar cada prato. É preciso fazer reservas.
Bonarda
Também vale uma visita à Nanni, adega especializada em produção orgânica, que não utiliza agrotóxicos. O empreendimento tem 114 anos e suas fincas, de 30 hectares de produção, localizam-se a 10km de Cafayate. Na alta temporada, cerca de 200 brasileiros passam pela bodega por dia.
Não deixe de provar um 100% bonarda ; tipo de uva antes utilizada somente como mistura em outras variedades ; e um torrontés tardio. Esse último é indicado para acompanhar sobremesas, pois tem sabor adocicado.
Para fechar o dia, uma grande bodega: El Esteco. São 400 mil litros de produção anualmente. Prestes a completar 108 anos, além de receber visitantes, ela oferece hospedagem. A grande construção, belíssima, tem diversos pátios com fontes e flores.
Lá são guardadas algumas relíquias, como tonéis de 60 anos, feitos de algarrobo ; antiga madeira usada para fazer barris ;, diferentes dos produzidos com carvalho europeu. O ingresso dá direito ao tour pelas fincas e pelos galpões de processamento, além da degustação de um número limitado de vinhos. (SP)