postado em 21/11/2019 04:08
[FOTO1]No imaginário dos automóveis, a Ferrari é uma lenda. Carros caprichosamente construídos e desenhados, rápidos, elegantes, cujos modelos mais antigos atingem hoje preços impensáveis em leilões ; e os novos começam na casa dos milhões. Ou seja, uma Ferrari é coisa para pouquíssimos, que se submetem a indicações de outros proprietários e fila de espera. Uma magia confirmada nas pistas de corrida e para a qual nem mesmo o cinema ficou imune. Não à toa, os carros da casa do ;cavalino rampante; viraram tema de filme e foram coadjuvantes de luxo em pelo menos quatro produções: o recém-lançado Ford x Ferrari, Rush ; no limite da emoção e os já clássicos As 24 horas de Le Mans e Grand Prix.
A história de Ford x Ferrari é apropriada para o cinemão americano: os carros vermelhos imbatíveis nas pistas representavam não apenas o estado da arte, mas, sobretudo, a turrice de um empreendedor que, mesmo em precárias condições financeiras, não se dobrou à grande montadora. Assim, o gigante de Detroit decide esmagar o garagista italiano mal-humorado e arrogante em seu próprio terreno, com algo (em tese) melhor.
Ford x Ferrari é uma história do capitalismo. A General Motors passara a mandar no mercado americano com seu elegante e jovial Chevrolet Corvette, esportivo que atendia uma nova classe social europeizada e que rompia aos poucos o provincianismo. A saída encontrada pela Ford foi a compra de um pequeno fabricante italiano para fazer frente a GM e retomar o domínio das vendas.
Os principais personagens do filme admiravam, e até invejavam, a herança de Maranello: Carroll Shelby e Ken Miles sabiam que as máquinas italianas não podiam ser reproduzidas na escala desejada por Henry Ford II, pois perderiam a essência. Mas não se furtaram a ajudar no desenvolvimento de algo com cara própria, capaz de tirar Enzo Ferrari do conforto.
Essa admiração já havia sido retratada em As 24 horas de Le Mans, dirigido por Lee H. Katzin, e Grand Prix, de John Frankenheimer. Em comum com Ford x Ferrari, um rol de atores de primeira linha, alta qualidade técnica (música, fotografia), diretores com carreiras sólidas (mas não exatamente top shelf, exceto por Frankenheimer). De diferente, o roteiro do filme com Matt Damon e Christian Bale é muito superior aos dos outros dois.
Mas, quem assiste as três películas, não está exatamente preocupado com a qualidade das atuações, ou com a profundidade da história: quer é ver carros voando a mais de 300km/h em cenas onboard, para se sentir o próprio piloto; ou as máquinas de motores brutos, com oito ou 12 cilindros, capazes de despejar centenas de cavalos no asfalto; e ouvir os roncos dos altos giros, pontuados por músicas bem construídas, que tornam as cenas uma excitação absoluta. Isso, os filmes têm de sobra.
Grand Prix: o auge do automobilismo?
A trilha para a ação nas pistas foi aberta por Grand Prix, de 1966, que retrata a temporada de 1965 da Fórmula 1. A história passa pela Ferrari, cujo commentadore Enzo é vivido por Adolfo Celi. Os pilotos da casa são o grande Yves Montand e o galã italiano António Sábato, que faz o papel do aprendiz de feiticeiro do companheiro de equipe, um veterano campeão francês cansado e desapontado com o circo das corridas.
Como antagonista, o piloto americano vivido por James Garner, que depois de ser demitido da BRM por quase matar o companheiro de equipe, em Mônaco, se humilha pedindo uma vaga na Ferrari, mas é acolhido por um magnata japonês, vivido pelo formidável Toshiro Mifune, e sua estreante equipe ; referência a Soichiro Honda e à breve participação da montadora na F1, nos anos 1960.
O filme reúne um elenco estelar: tem ainda Brian Bedford, Jessica Walter, Eva Marie-Saint e Françoise Hardy. Isso entre os atores, porque pilotos de verdade fizeram figuração: Graham Hill, Phil Hill, Jochen Rindt, Jo Siffert, Chris Amon, John Surtess e Dan Gurney, todos craques da categoria, estão em várias cenas, ;atuando;.
Interessante notar que Montand, Garner e Sábato realmente pilotaram os carros de F1, resultado de uma arquitetura que usou Fords GT40 (sim, o personagem onipresente de Ford x Ferrari) como suportes de câmera para as cenas de corrida. Por tudo isso, esqueça as tramas paralelas de amores feitos e desfeitos, invejas e ressentimentos ; não têm a menor importância. E observe que as Ferrari e seus pilotos, para variar, são os grandes antagonistas.