Em meio aos anos turbulentos da Segunda Guerra Mundial, o Rio de Janeiro tornou-se palco de uma série de intervenções arquitetônicas subterrâneas. Elas permanecem até hoje, invisíveis aos olhos da população. Diversos prédios residenciais e comerciais da zona sul da cidade receberam bunkers antiaéreos, construídos como medida de proteção diante das ameaças internacionais que rondavam o Atlântico Sul. Essa fase peculiar da história urbana ganhou destaque recentemente. Isso porque pesquisas revelaram detalhes e curiosidades desses abrigos subterrâneos, concebidos para garantir a segurança de milhares de cariocas.
O surgimento dos bunkers nas estruturas dos edifícios reflete um cenário de medo e precaução, motivado principalmente pelo avanço dos conflitos mundiais. Essas construções, equipadas com cozinhas, banheiros e sistemas elétricos próprios, foram planejadas conforme exigências oficiais, buscando proteger famílias inteiras em situações de perigo iminente. Muitos desses espaços, esquecidos nas décadas seguintes, acabaram adaptados para outros usos, como garagens ou depósitos, embora algumas características originais ainda possam ser identificadas em certos endereços históricos da cidade. Em alguns casos, registros históricos apontam que até mesmo cinemas e hotéis da cidade incorporaram áreas de refúgio em seus projetos, reconhecendo a necessidade de acolher um público ainda mais amplo diante da possibilidade de ataques.

Por que os bunkers foram construídos no Rio de Janeiro?
A construção dos abrigos subterrâneos no Rio de Janeiro não foi uma escolha aleatória. Em 1942, por meio de decreto-lei, o governo brasileiro determinou medidas rígidas de defesa passiva antiaérea, prevendo desde abrigos em prédios até instruções para cidadãos sobre como agir durante um ataque aéreo. O contexto internacional era de extrema tensão: ataques de submarinos alemães a embarcações brasileiras afetaram profundamente cidades costeiras, principalmente a então capital federal, aumentando o clima de insegurança e urgência por proteção civil.
Os prédios de maior porte, localizados em bairros como Copacabana, Ipanema e Flamengo, destacavam-se pela obrigatoriedade de incluir espaços blindados em seus projetos arquitetônicos. Na época, esses abrigos tornaram-se, além de itens de segurança, símbolos de status e modernidade. Anúncios de imóveis mencionavam explicitamente a presença dos bunkers, destacando-os ao lado de outros atrativos arquitetônicos para a elite carioca. Curiosamente, relatos da época mostram que, além dos edifícios residenciais, grandes escolas, como o Colégio Andrews e instituições hospitalares, também incluíram abrigos em suas instalações para garantir a proteção de alunos, pacientes e funcionários.
Como funcionavam os abrigos subterrâneos construídos na década de 40?
Os bunkers criados durante a década de 1940 possuíam especificações técnicas bastante rigorosas. Previsto para resistir a bombardeios, cada espaço era equipado com uma estrutura reforçada e independente. Muitos desses ambientes comportavam centenas de pessoas, sendo preparados para abrigar moradores por períodos prolongados, caso necessário. Alguns exemplos, como o abrigo da Galeria Menescal em Copacabana, demonstravam capacidade para quase mil ocupantes, contando com áreas de preparo de alimentos, instalações sanitárias e, em casos pontuais, subestações elétricas exclusivas. Além disso, alguns abrigos incluíam estoques de mantimentos e medicamentos de emergência, visando garantir a sobrevivência durante cercos de longa duração.
Além dos espaços coletivos, campanhas de conscientização eram promovidas incentivando a construção de trincheiras privadas em quintais residenciais. Panfletos e mensagens veiculadas em rádio detalhavam orientações práticas, reforçando a ideia de corresponsabilidade na autoproteção em tempos de conflito. A convivência com essa arquitetura defensiva tornou-se parte do cotidiano urbano, refletindo o impacto da guerra sobre a vida civil no Brasil. Em paralelo, cursos de primeiros socorros e simulações de evacuação eram realizados em escolas e centros comunitários a fim de preparar a população para eventuais emergências.
Por que parte dessa história permaneceu esquecida por tanto tempo?
A transformação do uso desses espaços após o término da Segunda Guerra Mundial auxiliou no esquecimento histórico dos bunkers cariocas. Gradualmente, os antigos abrigos antiaéreos foram convertidos em garagens, depósitos ou áreas técnicas, perdendo seus traços originais. A ausência de registros visíveis, como placas ou sinalizações, colaborou para que muitos moradores sequer desconfiassem da existência dessa camada histórica sob seus prédios. Além disso, o crescimento acelerado da cidade nas décadas seguintes e as reformas urbanas contribuíram para que muitos desses espaços fossem definitivamente descaracterizados ou até mesmo demolidos.
Nos últimos anos, no entanto, a busca por vestígios da Segunda Guerra no cenário urbano do Rio vem ganhando novo fôlego. Pesquisadores e curiosos vêm mapeando, divulgando e promovendo visitas guiadas aos locais, tornando possível a redescoberta desse patrimônio escondido. Esses esforços resultaram em projetos digitais, como o “Bunker Paradies”, que auxiliam na preservação e valorização da memória urbana associada ao conflito global, apresentando mapas, relatos e documentos históricos para consulta pública. Ademais, algumas iniciativas têm buscado envolver escolas locais, promovendo concursos de redação e exposições temáticas para envolver as novas gerações na valorização desse capítulo da história carioca.

Quais os impactos dessa redescoberta para a memória urbana carioca?
A revitalização do interesse pelos bunkers subterrâneos contribui para uma compreensão mais ampla da história do Rio de Janeiro e de seus habitantes. Ao trazer à tona episódios pouco abordados dos tempos de guerra, a cidade passa a resgatar não apenas estruturas físicas, mas também memórias coletivas. A partir desses relatos, novos olhares se voltam para o passado das construções e para detalhes muitas vezes ofuscados pela rotina e pelo tempo. A redescoberta desse patrimônio também impulsiona estudos de arquitetura e urbanismo, criando oportunidades para o desenvolvimento de roteiros culturais e atividades educativas que dialogam diretamente com o cotidiano da população.
- Preservação histórica: A recuperação de informações sobre abrigos antiaéreos reforça a importância de manter viva a memória de períodos marcantes para o país.
- Identidade urbana: O reconhecimento desses espaços agrega valor ao patrimônio arquitetônico dos bairros consagrados da zona sul carioca.
- Educação pública: Projetos de visitação e divulgação promovem maior conhecimento entre moradores, estudantes e pesquisadores sobre o impacto da Segunda Guerra em solo nacional.
- Turismo de memória: A existência e divulgação dos bunkers têm impulsionado um novo segmento do turismo histórico no Rio de Janeiro, que atrai visitantes interessados em compreender as marcas da guerra na paisagem urbana brasileira.
Ainda que muitos desses espaços tenham mudado de função e aparência, o registro e a sinalização de sua existência representam passos fundamentais para o entendimento e a preservação da história urbana do Rio de Janeiro.






