Entre as expressões mais marcantes e intrigantes do português brasileiro, “quinto dos infernos” ocupa um lugar especial por sua origem histórica e pelos sentidos que adquiriu ao longo dos séculos. Com raízes firmes no período colonial, essa frase possui um contexto fascinante, estreitamente ligado à cobrança de impostos no tempo do Brasil colônia e ao relacionamento conflituoso entre colonizadores e colonizados. Hoje, o uso cotidiano do termo esconde um passado de tensões e significados que ajudaram a moldar a identidade e o vocabulário nacional.
A história que envolve o surgimento dessa expressão remete ao século XVIII, quando o Brasil ainda era colônia de Portugal. Durante esse período, a exploração de ouro nas Minas Gerais destacou-se como uma das principais atividades econômicas, despertando o interesse da Coroa portuguesa, que impôs rígidos sistemas de arrecadação de impostos. O “quinto”, termo que se refere a uma quinta parte de toda riqueza extraída do solo, gerou uma série de enfrentamentos e deixou marcas profundas nas relações sociais, culturais e políticas da época.
O imposto do quinto e as origens da expressão
No ápice da mineração, a Coroa portuguesa instituiu o chamado imposto do quinto, exigindo que 20% de todo ouro extraído fosse destinado aos cofres reais. O controle sobre a produção era rigoroso, sendo realizadas fiscalizações diretamente nas casas de fundição, onde o ouro era derretido e convertido em barras já marcadas com o devido tributo. Esse processo não só alimentava os tesouros de Portugal, mas também fomentava um clima de desconfiança e ressentimento entre mineradores e autoridades coloniais.
Com o ouro devidamente recolhido, ele era transportado em embarcações rumo à Europa. Nesse trajeto, surgia o comentário entre os portugueses: “Lá vem a nau do quinto dos infernos!” A referência a “infernos” ligava-se ao território brasileiro — tido por muitos europeus, na época, como uma terra distante, misteriosa, hostil e de condições adversas tanto para quem ali vivia quanto para quem seria exilado. Assim, mandar alguém para o “quinto dos infernos” significava despachá-lo para o que se considerava o mais longínquo e indesejado dos destinos.
Por que o Brasil passou a ser associado ao “quinto dos infernos”?
A associação do Brasil ao “quinto dos infernos” tem explicação na visão europeia do período colonial. O território brasileiro era visto pelos portugueses como uma espécie de “limbo”, frequentado por condenados, desafetos do regime e aventureiros em busca de riqueza fácil. Não por acaso, muitos que vinham na condição de degredados eram transportados nas mesmas naus que levavam o ouro tributado pelo quinto.
Outra explicação, menos recorrente mas defendida por alguns estudiosos, inverte o ponto de vista: o “quinto dos infernos” poderia se referir a Portugal, na percepção dos colonos exasperados com o rigor da cobrança de impostos. Esse uso expressaria a indignação diante da exploração, identificando o verdadeiro “inferno” como o centro da autoridade opressora. Em ambos os casos, a frase carrega consigo a memória de um tempo em que relações econômicas e sociais eram marcadas por disputas e estratégias de sobrevivência.
Quais outras expressões surgiram no contexto do quinto?
O sistema de cobrança do quinto acabou gerando reações criativas entre os brasileiros, como o lendário “santo do pau oco”. Para evitar a entrega compulsória de grandes quantidades de ouro, muitos mineradores passaram a ocultar ouro dentro de imagens ocas de santos esculpidos em madeira. Essas peças religiosas, aparentemente inocentes, serviam como esconderijo e meio de transporte para contrabando de riquezas.
- Santo do pau oco: designava tanto as imagens quanto as pessoas que utilizavam esse artifício para ludibriar a fiscalização, transformando-se, posteriormente, em sinônimo de alguém falso ou dissimulado.
- Derrama: outro termo que surge na mesma época, a derrama não era um imposto, mas sim uma cobrança efetuada quando a meta anual de arrecadação não era atingida. O valor restante era cobrado de forma intensa, levando inúmeras famílias a perderem bens e até a liberdade.
Essas estratégias e expressões foram fundamentais na construção de uma identidade de resistência, mostrando a criatividade e o senso de justiça dos habitantes da colônia diante das adversidades impostas. Além desses termos, vale destacar que expressões de resistência se perpetuaram no vocabulário brasileiro, tais como “dar um jeitinho”, que, em diversos contextos, remete à astúcia para superar dificuldades impostas pelo sistema.
O que representa a expressão “quinto dos infernos” hoje?
Atualmente, mandar alguém para o “quinto dos infernos” é uma forma coloquial de expressar indignação ou rejeição, sem que as pessoas, na maioria das vezes, conheçam a origem histórica dessas palavras. O termo está profundamente enraizado na cultura popular e demonstra como acontecimentos do passado permanecem vivos na linguagem do presente. Portanto, a permanência da expressão no cotidiano destaca a força da herança colonial na construção da identidade brasileira.
O estudo do surgimento dessa expressão ajuda a compreender não apenas os fatores econômicos, mas as dinâmicas sociais e culturais que moldaram o português do Brasil. Explorações, tensões políticas, resistência e astúcia formam o pano de fundo de um vocabulário recheado de significados, cujo uso ultrapassa séculos. Tais curiosidades revelam a riqueza do idioma e contribuem para o entendimento das relações históricas entre Brasil e Portugal. Em suma, conhecer a origem de expressões populares é fundamental para valorizar a história e entender o presente.
Perguntas frequentes sobre “quinto dos infernos” e o contexto do quinto
- Como a expressão “quinto dos infernos” influencia a literatura e cultura brasileiras?
Em muitas obras literárias e produções culturais, a expressão é usada para reforçar ideias de repúdio, distância e sofrimento extremo, funcionando como símbolo da opressão histórica e da criatividade do povo brasileiro em transformar dor em linguagem viva. - Existem registros documentais do uso da expressão na época colonial?
Embora haja relatos orais e algumas menções indiretas em cartas e documentos coloniais, o uso popular só se consolidou mesmo a partir do século XIX, quando expressões da oralidade passaram a ser registradas por cronistas e escritores. - O imposto do quinto foi aplicado a outras riquezas, além do ouro?
Sim. Além do ouro, o imposto também incidiu sobre outros minerais e produções, como diamantes em regiões minerais estratégicas do Brasil Colônia, ampliando ainda mais o poder de arrecadação da Coroa portuguesa. - Como a população local reagia à fiscalização nas casas de fundição?
As reações variavam, mas, de modo geral, eram marcadas por desconforto, tentativas de burlar o sistema e até revoltas, como a famosa Inconfidência Mineira, que teve origem direta no descontentamento com o imposto do quinto e a derrama. - O que significa dizer que uma expressão é “marcada pela resistência”?
Significa que ela nasceu do confronto e adaptação da população diante de imposições, funcionando como instrumento de crítica, resistência e, até mesmo, de ressignificação dos sofrimentos históricos.
Entretanto, é importante ressaltar como esses elementos da história linguística continuam a reforçar nossa identidade cultural e a enriquecer o português brasileiro. Portanto, conhecer expressões como “quinto dos infernos” possibilita uma leitura mais profunda do imaginário coletivo nacional e um diálogo vivo com o nosso passado.










