Em ambientes corporativos competitivos, a trajetória até o cargo de direção executiva costuma ser associada a alto desempenho, visão estratégica e resultados consistentes. No entanto, casos recorrentes de CEOs que falham sob forte exposição pública levantam uma questão recorrente: por que alguns profissionais chegam ao topo mesmo sem demonstrar resultados sólidos ao longo da carreira? Esse fenômeno, muitas vezes descrito como “fracasso para cima”, ajuda a entender como determinados perfis se beneficiam de mecanismos internos das organizações, mesmo quando a entrega concreta fica aquém do esperado. Em suma, entender essa dinâmica se torna essencial para qualquer empresa que deseja construir lideranças mais responsáveis e sustentáveis.
A partir dessa dinâmica, a palavra-chave “fracasso para cima” ganha relevância para explicar carreiras marcadas por promoções sucessivas, apesar de históricos irregulares. Em vez de ser um evento raro, diversos estudos em psicologia organizacional indicam que se trata de um reflexo de como a liderança é avaliada em muitas empresas. Nessas estruturas, discurso firme, visibilidade e controle da narrativa costumam pesar mais do que métricas objetivas de desempenho, abrindo espaço para distorções na seleção de executivos.
O que é “fracasso para cima” na liderança corporativa?
O chamado fracasso para cima descreve a situação em que um executivo acumula promoções, convites para cargos estratégicos e protagonismo institucional, mesmo após resultados fracos ou projetos malsucedidos. O conceito concentra-se menos em um erro pontual e mais em um padrão: falhas recorrentes que não impedem, e às vezes até impulsionam, a ascensão profissional. Em vez de interromper a trajetória, cada revés é reinterpretado como experiência valiosa, reposicionamento de carreira ou “aprendizado estratégico”. Então, a imagem de “profissional resiliente” ganha destaque, enquanto a análise fria dos números e impactos concretos perde espaço.
Esse processo tende a se manifestar de forma mais intensa em níveis hierárquicos altos, em que a relação entre decisões individuais e resultados corporativos fica menos visível. Em grandes organizações, decisões complexas envolvem múltiplos atores, sistemas antigos e fatores externos, o que torna mais difícil atribuir responsabilidades diretas. Nesse contexto, a figura do líder pode se proteger com explicações convincentes, relatórios sofisticados e argumentos sobre condições adversas de mercado. Entretanto, quando ninguém avalia de maneira sistemática o que funcionou e o que fracassou em cada ciclo, o fracasso para cima encontra terreno fértil para se consolidar como algo quase “natural” na carreira executiva.
Por que o fracasso para cima acontece com tantos CEOs?
O fracasso para cima entre CEOs não surge por acaso. Ele é favorecido por um conjunto de vieses e práticas comuns nos processos de promoção e recrutamento executivo. Um dos fatores mais citados é a valorização excessiva da confiança em detrimento da competência comprovada. Profissionais que se comunicam com segurança, assumem o crédito por vitórias e apresentam narrativas consistentes sobre suas decisões tendem a ser vistos como líderes sólidos, mesmo quando os indicadores objetivos não sustentam essa percepção. A forma como o líder se apresenta muitas vezes pesa mais do que o que ele realmente entrega.
Além disso, a responsabilidade tende a se distribuir de forma assimétrica. Em períodos de bons resultados, o crédito costuma subir para a cúpula, reforçando a imagem de liderança forte. Quando os resultados ficam negativos, a explicação frequentemente se dilui em fatores como equipes pouco alinhadas, restrições orçamentárias, crises econômicas ou “heranças” de gestões anteriores. Essa assimetria cria um colchão de proteção para executivos de alto escalão, permitindo que sua reputação permaneça preservada por longos períodos. Portanto, enquanto a conta recai sobre níveis intermediários, a narrativa do topo permanece relativamente intacta.
Outro elemento que favorece o fracasso para cima é a leitura feita sobre mobilidade de carreira. Mudanças frequentes de empresa, sobretudo entre grandes corporações, podem parecer sinal de ambição, dinamismo e capacidade de adaptação. Passagens curtas por diferentes cargos de direção, mesmo com resultados modestos, são facilmente apresentadas como “ciclos completos de mudança” ou “misões cumpridas”. Sem uma investigação detalhada sobre o impacto real de cada passagem, recrutadores e conselhos acabam se guiando por marcas fortes no currículo, títulos inflados e redes de relacionamento influentes. Então, um histórico irregular se transforma em narrativa de “liderança transformadora”, ainda que os dados contem outra história.
Como o fracasso para cima se consolida na trajetória até o topo?
Ao longo da carreira executiva, o fracasso para cima se fortalece à medida que a visibilidade aumenta. Funções de grande exposição, como direção de unidades de negócio globais ou liderança de projetos estratégicos, ampliam tanto sucessos quanto problemas. Mesmo quando os resultados ficam abaixo do esperado, a associação do nome do líder a marcas conhecidas e a iniciativas de alto perfil pode reforçar a ideia de experiência robusta em cargos de grande responsabilidade. O prestígio da marca e do projeto muitas vezes ofusca a avaliação real do desempenho.
Esse processo se facilita por sinais superficiais, porém valorizados em processos seletivos, como:
- Cargos de direção em empresas multinacionais ou listadas em bolsa;
- Participação em conselhos, comitês e fóruns de alto nível;
- Rede de contatos com investidores, reguladores e figuras de destaque;
- Capacidade de conduzir narrativas de “transformação” ou “virada estratégica”.
Em muitos casos, uma combinação de linguagem técnica, apresentações bem estruturadas e domínio de indicadores selecionados cria a impressão de desempenho consistente. Assim, mesmo projetos com retorno limitado podem ser comunicados como avanços relevantes, desde que alinhados ao discurso esperado pelo conselho de administração e pelos acionistas. Entretanto, quando a organização não adota métricas claras de sucesso, nem revisões pós-projeto rigorosas, ela contribui diretamente para que o fracasso para cima continue premiando mais a retórica do que a realidade.
O que muda quando o fracasso para cima chega ao cargo de CEO?
O cenário se altera quando a pessoa assume a função de CEO. Nesse nível, os amortecedores que protegiam a reputação de líderes anteriores se tornam mais escassos. A avaliação passa a se concentrar em indicadores como lucratividade, geração de caixa, preço das ações, clima interno e decisões de corte de custos ou investimento. A margem para atribuir insucessos exclusivamente a terceiros ou a fatores externos tende a diminuir. Portanto, a narrativa já não basta: o mercado, o conselho e os funcionários esperam evidências concretas de criação de valor.
Traços que antes pareciam trunfos, como autoconfiança extrema ou foco quase exclusivo na narrativa, podem se transformar em riscos sob escrutínio contínuo de conselhos, investidores, reguladores e funcionários. Decisões estratégicas passam a ter consequências mais imediatas e visíveis, como reestruturações, demissões em massa ou perda de participação de mercado. Nesses casos, o histórico de “fracasso para cima” pode se expor com mais clareza. Então, o líder que avançou mais pela imagem do que pelo impacto real enfrenta uma realidade menos tolerante e muito mais orientada a fatos.
Como construir uma carreira de liderança sem depender do fracasso para cima?
Para futuros líderes, a principal alternativa ao fracasso para cima é uma trajetória baseada em resultados verificáveis e responsabilidade clara sobre os desfechos. Em vez de depender apenas de reputação e visibilidade, executivos podem buscar funções em que a ligação entre decisões e impactos se torne mensurável, ainda que isso envolva maior exposição a riscos de curto prazo. Em suma, uma carreira sólida precisa se apoiar menos em percepções subjetivas e mais em entregas que qualquer pessoa consiga checar.
Algumas práticas são frequentemente associadas a carreiras mais sustentáveis em direção à alta liderança:
- Documentar evidências de impacto: registrar indicadores antes e depois de projetos, metas cumpridas, ganhos de eficiência e resultados financeiros decorrentes de decisões específicas. Portanto, o executivo cria um histórico que resiste melhor a questionamentos.
- Assumir responsabilidade por erros: reconhecer falhas, explicar o que aprendeu e demonstrar ajustes concretos na forma de atuar. Então, o erro deixa de ser tabu e passa a fortalecer a credibilidade do líder.
- Buscar feedback estruturado: solicitar avaliações formais de pares, liderados e superiores, em vez de depender apenas da própria percepção sobre desempenho. Entretanto, o líder precisa transformar esse feedback em planos de ação visíveis.
- Equilibrar narrativa e dados: apresentar histórias claras sobre estratégias adotadas, sempre ancoradas em métricas e evidências. Em suma, a comunicação continua forte, mas deixa de mascarar a realidade.
- Priorizar profundidade sobre volume de cargos: valorizar períodos com entregas consistentes em vez de acumular passagens rápidas por diferentes funções apenas para compor o currículo.
Ao longo do tempo, carreiras ancoradas em resultados concretos tendem a oferecer maior resiliência quando os desafios do cargo de CEO se tornam visíveis. Em um cenário em que o fracasso para cima ainda encontra espaço em diversas organizações, a combinação de transparência, responsabilidade e desempenho mensurável se torna um diferencial relevante para quem deseja exercer liderança de forma duradoura e alinhada às exigências atuais do mercado. Em suma, quem constrói sua trajetória sobre fatos, e não apenas sobre discursos, enfrenta melhor tanto as crises quanto o escrutínio inevitável do topo.
FAQ sobre “fracasso para cima” na liderança corporativa
1. O fracasso para cima acontece apenas com CEOs?
Não. Embora o fenômeno fique mais visível em cargos de CEO, ele também ocorre em níveis de diretoria, gerência sênior e até em áreas técnicas com muita exposição. Em suma, sempre que a organização valoriza mais quem se comunica bem do que quem entrega resultados claros, o risco de fracasso para cima aumenta.
2. Como uma empresa pode reduzir o risco de promover líderes que fracassam para cima?
A empresa precisa conectar promoção a indicadores objetivos, revisões de resultados e avaliação 360° estruturada. Portanto, conselhos e RH devem exigir evidências concretas de impacto, análise de projetos anteriores e referências detalhadas de desempenho, não apenas currículos e apresentações bem-feitas.
3. O fracasso para cima significa que aprender com erros não faz sentido?
De forma alguma. Aprender com erros continua fundamental. Entretanto, o problema surge quando a organização romantiza falhas recorrentes sem corrigir padrões de decisão, sem medir impactos e sem ajustar comportamentos. Em suma, aprendizado real exige mudança comprovada, não apenas um novo discurso.
4. Como um profissional pode saber se está “fracassando para cima”?
Alguns sinais: promoções frequentes sem metas claras cumpridas, dificuldade para mostrar números concretos de impacto, carreiras muito marcadas por narrativa de “transformação” sem indicadores robustos e feedbacks superficiais, sempre positivos, mas vagos. Portanto, se o profissional não consegue detalhar resultados mensuráveis, vale acender o alerta.
5. Conselhos e investidores podem identificar esse padrão antes de contratar um CEO?
Sim. Então, eles podem aprofundar due diligence de carreira, analisar indicadores dos negócios sob responsabilidade do candidato, comparar discurso com resultados históricos e ouvir múltiplas fontes (pares, subordinados e superiores anteriores). Em suma, quanto mais cruzamento de dados, menor a chance de contratar alguém que apenas se beneficiou do fracasso para cima.










