No final do século XIX, a capoeira enfrentou um longo período de marginalização no Brasil. Considerada perigosa e associada à criminalidade devido ao seu vínculo com grupos de resistência negra, a prática foi proibida oficialmente após a abolição da escravatura. As autoridades reprimiam rodas e treinos, enquadrando praticantes como vadios ou bandidos. Apesar de todo o estigma, a capoeira permaneceu viva de maneira clandestina, resistindo à repressão em diferentes estados do país durante décadas.
Ao longo de sua história, a luta sempre esteve atrelada à cultura afro-brasileira. O cenário adverso fez com que mestres e praticantes recorressem à dissimulação para manter a tradição. Roda de capoeira se transformava em roda de samba; instrumentos musicais eram escondidos e nomes de movimentos passavam por alterações para ludibriar as autoridades. Essas estratégias demonstram a adaptabilidade e a força do jogo de corpo, que sobreviveu mesmo sob intensiva vigilância policial.

Por que a capoeira foi proibida?
A repressão à capoeira teve motivações sociais e políticas marcantes. Após o fim da escravidão em 1888, o país vivia um período de transição, com grande parte da população negra vivendo em situação de vulnerabilidade. Muitos ex-escravizados recorriam à capoeira como forma de expressão, defesa e afirmação cultural. A classe dominante, porém, enxergava a arte marcial como ameaça à ordem pública e à moral vigente.
Em 1890, o novo Código Penal da República incluiu artigo específico criminalizando a prática da capoeira. O entendimento das autoridades era de que a atividade estimulava violência e desordem, especialmente em grandes cidades como o Rio de Janeiro e Salvador. A proibição resultou em prisões, perseguições e, em casos extremos, castigos físicos e banimento de importantes mestres da capoeira.
Como conquistou reconhecimento oficial?
Apesar da perseguição, a capoeira não desapareceu. A transformação começou na década de 1930, quando figuras como Mestre Bimba e Mestre Pastinha impulsionaram novas formas de ensinar e apresentar a modalidade. Mestre Bimba investiu na formalização de uma metodologia, abrindo a primeira academia reconhecida de capoeira regional em 1932, em Salvador. Já Mestre Pastinha destacou a valorização da capoeira angola, resgatando seus aspectos tradicionais e culturais.
- Regularização: O ensino passou a ser institucionalizado em academias, com regras definidas e novas apresentações públicas, o que auxiliou no processo de aceitação social.
- Valorização cultural: O movimento de resgate das tradições africanas e a aproximação com pesquisadores ajudaram a luta a ganhar status de símbolo nacional.
- Reconhecimento oficial: Aos poucos, autoridades brasileiras reavaliaram o papel da capoeira, até que, em 2008, foi registrada pelo IPHAN como Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil. Em 2014, a roda de capoeira foi reconhecida pela UNESCO como Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade.
Quais elementos compõem a identidade cultural da capoeira?
O universo vai além dos movimentos acrobáticos e das lutas corporais. Ela reúne música, dança, canto e ancestralidade como pilares centrais. Os toques dos berimbaus, atabaques, pandeiros e agogôs dão ritmo ao jogo, enquanto as cantigas tradicionais reforçam a memória coletiva e a resistência do povo negro no Brasil.
- Instrumentos musicais: O berimbau é considerado o coração da roda de capoeira, definindo o jogo e o tipo de movimento executado.
- Roda: Espaço circular onde os praticantes realizam seus movimentos, cercados por outros capoeiristas que cantam e batem palmas.
- Oralidade: Os ensinamentos, mitos e histórias são transmitidos oralmente de geração para geração, preservando tradições e saberes ancestrais.

Por que a roda de capoeira foi declarada Patrimônio Cultural?
A decisão de declarar a roda de capoeira como Patrimônio Cultural Imaterial decorreu de seu papel fundamental na construção da identidade brasileira. A prática contribui para a inclusão, o respeito à diversidade e o reconhecimento das matrizes africanas presentes na cultura nacional. O título busca garantir não só a preservação da arte, mas também o fortalecimento das comunidades de mestres e praticantes em todo o país.
O percurso da capoeira, do banimento à consagração, revela uma história de resistência e reinvenção. Atuando como ponte entre passado e presente, a capoeira dialoga com diferentes gerações, promovendo integração social e valorização da memória coletiva. O reconhecimento internacional reforça o compromisso de preservar essa expressão tão singular, marcada pela musicalidade, expressão corporal e conexão com as raízes africanas do Brasil.








