O Brasil se consolida como país que vive por mais tempo o descontrole da covid-19 no mundo. No momento em que completou três meses com a doença ativa circulando em todo o território nacional, o país subiu mais um patamar em relação ao número absoluto de casos e mortes pelo novo coronavírus. Ontem, após registrar o maior número de confirmações e óbitos pela doença em 24 horas, o Brasil ultrapassou 2,5 milhões de infectados e a marca dos 90 mil mortos. O recorde ocorreu um dia após a pasta relatar instabilidades no sistema computacional de São Paulo para exportar os números do estado. Mais 69.074 diagnósticos positivos e 1.595 vidas perdidas foram incluídos no balanço nacional da covid-19 feito pelo ministério ontem, contabilizando 2.552.265 de doentes e 90.134 fatalidades.
Sem controle da taxa de transmissão e longe de possuir um isolamento social efetivo em diversos estados, o Brasil apresenta aumento de casos em todas as regiões do país, da 29ª para a 30ª semana epidemiológica, concluída no último sábado com recorde de acumulados em sete dias. Com a atualização, pesquisadores do Imperial College de Londres observaram que o Brasil voltou a registrar aumento na taxa de transmissão (Rt). A pandemia em território nacional, que pela primeira vez apresentava crescimento lento, voltou ao patamar de expansão acelerada da doença, o pior nível. A avaliação calcula que o Rt brasileiro é de 1,08, ou seja, cada grupo de 100 infectados transmite o vírus para outras 108 pessoas.
Na análise anterior, o Brasil chegou perto de conseguir alcançar o controle da transmissão, com Rt de 1,01. Taxas abaixo de 1 retiram o país do nível de descontrole. No último fechamento, registrou 319.653 casos e 7.677 mortes. Anteriormente o acumulado foi de 235.010 infecções e 7.303 óbitos. Com isso, o país se mantém pela 14ª semana entre os países com transmissão ativa, sendo a nação das Américas com maior tempo de permanência neste patamar. No rol dos 58 países avaliados por registrar transmissão ativa, o Brasil tem a 25ª pior marca.
O pesquisador José Alexandre Diniz Filho, professor do departamento de ecologia da Universidade Federal de Goiás (UFG), explica que a taxa de transmissão é fundamental para auxiliar na definição da flexibilização, capacitação das unidades de saúde e projeções. “Esses indicadores em macro-escala, baseados em telefonia celular, estão capturando o padrão geral de mobilidade da população. Há outros fatores que podem ser importantes para controlar o número de transmissões, como o uso de máscaras, ausência de aglomerações, medidas de higiene pessoal, mas os vários estudos mostram que tudo isso é mais efetivo quando há, também, uma redução da mobilidade da população, que é realmente o que esses índices estão medindo”.
Diniz lidera um grupo de pesquisadores que se debruça em aferir a interlocução entre os diferentes fatores de prevenção. O grupo relacionou o número médio de transmissões (Rt) da covid-19 e o índice de isolamento social (inloco) de Goiás em um artigo ainda sem revisão de pares e, portanto, sujeito a alterações. Eles concluíram que as medidas de distanciamento social reduzem efetivamente o número de reprodução da covid-19, ainda que seja precoce mensurar o quanto, já que fatores como o uso de máscaras e higienização entram na balança. “Todos os efeitos combinados tendem a reduzir as transmissões. Mostramos no artigo que, em Goiás, só esse fator explica mais de 50% da variação no número de transmissões e essa correlação aparece principalmente das maiores cidades e com mais casos”, explicou.
Dificuldades
O que faz com que a combinação das medidas e a verificação da eficácia seja tão complexa é a novidade do vírus e seu poder de propagação, aliado com as altas taxas de letalidade. “Essa é uma epidemia de difícil controle, por ser altamente transmissível, contar com pessoas assintomáticas e pré-sintomáticas que ficam perpetuando a transmissão. O vírus ainda não está controlado e as medidas de controle que não foram tomadas lá no início precisam ser incorporadas enquanto a epidemia está ativa”, alertou o especialista em gestão da saúde da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Adriano Massuda.
Segundo o especialista, a única maneira de bloquear a epidemia é o diagnóstico precoce de casos aliado ao isolamento dos infectados e ao rastreamento dos contatos. “Em doenças transmissíveis com caráter epidêmico, é preciso olhar a taxa de transmissão e as taxas de morbidade e letalidade. As ações de saúde pública possíveis para essas doenças são a vacina, provocando uma imunidade artificial, e o bloqueio da transmissão. A mais antiga delas é a quarentena: o jeito de promover o controle da transmissão, um conhecimento secular, como a humanidade aprendeu a enfrentar as doenças epidêmicas. Lamentavelmente, temos um sistema de saúde que poderia estar sendo utilizado de uma melhor maneira para bloquear a doença, mas está faltando coordenação”, criticou.
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