O plenário do Supremo Tribunal Federal determinou, ontem, por unanimidade, que o governo federal atue para impedir o avanço da covid-19 nas áreas indígenas, referendando liminar que havia sido concedida pelo ministro Luís Roberto Barroso. Na decisão, tomada em junho, o ministro determinou que a União apresentasse um plano de ação voltado para as comunidades tradicionais.
No despacho, Barroso determinou que o governo deveria elaborar um plano para o enfrentamento e monitoramento da covid-19 nas áreas de reserva indígena. Além disso, deveria promover a criação de barreiras sanitárias para impedir o ingresso de pessoas não autorizadas, e garantir o acesso de todos os integrantes destas comunidades ao Subsistema Indígena de Saúde.
Essas medidas já haviam sido determinadas por Barroso, horas depois de o presidente Jair Bolsonaro vetar uma série de dispositivos da lei que regulamenta o combate ao novo coronavírus entre indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais. Com a confirmação, pelo plenário da Corte, do entendimento do ministro, mais uma vez o STF mostra unidade em julgamentos relacionados aos efeitos da pandemia.
“Não há dúvidas, mediante uma séria análise médica, científica, não há nenhuma dúvida do maior risco, do risco eminente, gravíssimo, à vida e à saúde dos povos indígenas em decorrência da expansão da pandemia da covid-19. Obviamente, este risco gravíssimo não é só relacionado ao modo de vida das comunidades indígenas, mas aqui há elementos diversos, diferenciais, que demonstram um risco maior. Consequentemente, nestas hipóteses, compete ao STF, no exercício de sua jurisdição constitucional, efetivar uma efetiva proteção às comunidades indígenas”, disse o ministro Alexandre de Moraes.
A ação analisada pelo plenário do Supremo foi apresentada pela ONG Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, junto de seis partidos de oposição: PSB, PSol, PCdoB, Rede, PT, PDT. De acordo com a ONG, já foram confirmados 22.325 casos e 633 óbitos por covid-19 entre os povos indígenas até as 12h de ontem.
“Nós não queremos guerra civil, não queremos mandar Marinha, Aeronáutica, Forças Armadas, Polícia Federal, enfim, todo o aparato do governo federal e eventualmente dos governos locais para, de repente, tirar tudo. Mas é a hora de nós avaliarmos, com precisão, o que está ocorrendo efetivamente, darmos uma satisfação para a sociedade brasileira e para comunidade internacional”, propôs o ministro Ricardo Lewandowski em seu voto. “O Brasil está sofrendo gravíssimos prejuízos, inclusive econômicos, na medida em que estamos permitindo a devastação da última reserva florestal da humanidade”.
De acordo com Barroso, também é obrigação do governo promover a “desintrusão” (retirada) de invasores nas áreas indígenas. Durante o julgamento, o ministro Edson Fachin defendeu que fosse determinado à União que realizasse ações imediatas para retirar estranhos de sete regiões protegidas. O magistrado entendeu que a situação do avanço do coronavírus entre os povos tradicionais torna a expulsão de invasores ainda mais importante. De acordo com a decisão do plenário, o governo deve promover a participação de entidades que representam os índios no debate sobre o plano de ações a ser colocado em prática.
Bolsa Família
Também por unanimidade, o plenário do STF decidiu proibir novos cortes no programa Bolsa Família enquanto durar o estado de calamidade pública em razão da pandemia. Os magistrados referendaram uma liminar do ministro Marco Aurélio Mello, concedida em março deste ano.
Além de manter os benefícios que já estão sendo pagos, o plenário também determinou que, após a pandemia, a concessão de novos benefícios deverá ser distribuída de maneira uniforme por todas as unidades da federação, sem discriminação. A ação julgada foi proposta pelos governos da Bahia, Ceará, Maranhão, Paraíba, Pernambuco, Piauí e Rio Grande do Norte. Os governos destes estados afirmaram que estavam recebendo menos recursos do programa.
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Líder do Alto Xingu não resiste à força do vírus
Morreu ontem, vítima da covid-19, o cacique Aritana Yawalapiti, 71 anos. Líder indígena do Alto Xingu, ele lutou contra a doença por pouco mais de duas semanas. Foi internado, primeiro, em uma Unidade de Terapia Intensiva, em Canarana (MT), e depois transferido para um hospital particular em Goiânia. Ele também era presidente do Instituto de Pesquisa Etno Ambiental do Xingu (Ipeax).
Antes de adoecer, o cacique lutava pela instalação de um hospital de campanha no Alto Xingu. Watatakalu Yawalapiti, sobrinha da Aritana e coordenadora do Movimento Mulheres do Xingu na Associação Terra Indígena do Xingu (ATIX), comentou a morte do tio. “É a perda de 98% da nossa língua. Significa para a gente muitos desmontes. Se a gente não ficar firme, a perda do meu tio Aritana significa a perda do Xingu inteiro”, lamentou.
Segundo Watatakalu, Aritana tentava, nos últimos tempos, construir um hospital de campanha no Alto Xingu. “Lutou até o último momento contra a religião do homem branco que estava entrando na nossa aldeia. É uma perda irreparável. É um buraco que se abre debaixo dos nossos pés”, salientou.
Por nota, a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) afirmou que a morte do cacique representa uma perda irreparável para os povos indígenas. “Cacique desde os seus tempos de juventude, Aritana (71 anos) lutou bravamente, desde a década de 1980, pela defesa dos nossos direitos”, afirma o texto.
Em 8 de julho, o presidente Jair Bolsonaro vetou 16 dispositivos da Lei 14.021/20, que cria o Plano Emergencial para Enfrentamento à Covid-19 nos territórios indígenas. A sanção veio sem a obrigatoriedade de o Estado dar às comunidades indígenas e quilombolas acesso à água potável, folhetos informativos, materiais de higiene, leitos hospitalares e de UTI, e respiradores mecânicos.
Ontem, o Supremo Tribunal Federal determinou que o governo não deixe os índios entregues à própria sorte. O coronavírus têm se mostrado letal entre os povos originários, que têm um sistema imunológico mais frágil contra algumas doenças. Para agravar a situação, o vírus tem atingido, principalmente, os mais velhos e lideranças de diversas etnias, como Aritana.
Mortos são mais de 97 mil; infectados, quase 3 milhões
Mesmo com diminuição no número de testes de covid-19 realizados nas últimas duas semanas epidemiológicas, o Brasil subiu no patamar de novas confirmações, com média móvel acima dos 45 mil casos diários. Ontem não foi diferente: foram registradas mais 57.152 novas infecções e o país se aproxima dos 3 milhões de infectados. A estimativa é que a barreira seja batida com o fechamento da semana 32, assim como a superação dos 100 mil mortos pela pandemia. Atualmente, são 97.256 brasileiros vitimados pelo novo coronavírus.
Enquanto a semana 29 registrou recorde de testes, com 144.993 aplicações, a 30 e a 31 tiveram 127.221 e 116.869 resultados por exames, respectivamente. Isso revela um descompasso quanto à confirmação de casos, pois foram nas duas últimas que ocorreu o maior número de positivos. “A medida que nós aumentamos a capacidade de testagem, a tendência é o aumento no número de casos”, justificou o secretário de Vigilância em Saúde, Arnaldo Correia, ontem, em coletiva do Ministério da Saúde.
Com a diversificação das formas de considerar um caso positivo e, consequentemente, aumentando o número de infecções, também é possível detectar doentes menos graves e nos primeiros estágios da doença. Essa combinação, segundo os técnicos da pasta, ao ser somada aos esforços dos profissionais de saúde, reflete no índice de recuperação. O Brasil é o país com maior número de curados e, ontem, ultrapassou a barreira de dois milhões.
No entanto, longe de estar controlada no Brasil, a doença se espalha e possui taxas de transmissão acima dos níveis de controle. Quase todos os municípios registraram casos e só 67 ainda não têm nenhuma infecção confirmada. Mas, quando se avalia as cidades que já confirmaram mortes, esse número é menor. “Temos 3.627 cidades com óbitos, sendo que 1.523 identificaram um óbitos na última semana. A maioria tem registros de um a 10 óbitos”, explicou Correia.
Ao observar os estados, 20 e mais o Distrito Federal têm mais de mil óbitos pelo novo coronavírus. Somente seis unidades da federação têm menos de mil vítimas da covid-19: Rondônia (918), Amapá (588), Acre (547), Roraima (532), Mato Grosso do Sul (442) e Tocantins (415). Quem lidera o ranking é São Paulo, com 24.109 óbitos pelo novo coronavírus. O Rio de Janeiro é o segundo, com 13.855 vítimas fatais. Os dois são os únicos com mais de 10 mil mortes.
Em seguida estão Ceará (7.867), Pernambuco (6.758), Pará (5.818), Bahia (3.736), Amazonas (3.317), Minas (3.195), Maranhão (3.103), Espírito Santo (2.646), Paraná (2.164), Rio Grande do Sul (2.163), Mato Grosso (1.945), Rio Grande do Norte (1.933), Paraíba (1.922), Goiás (1.830), Alagoas (1.633), Distrito Federal (1.572), Sergipe (1.525), Piauí (1.417) e Santa Catarina (1.306). Os números altos são reflexo da alta média móvel de mortes que o país mantém há sete semanas. Desde a 25ª semana epidemiológica, a média diária de óbitos registrados está acima de mil.
Defensores do ozônio vão ao MS
O ministro interino da Saúde Eduardo Pazuello recebeu, na última segunda-feira, médicos defensores da aplicação de ozônio em pacientes com covid-19. O suposto tratamento chamou a atenção depois de o prefeito de Itajaí (SC), Volnei Morastoni, que é médico, sugerir a aplicação pela via retal de pacientes infectados pelo coronavírus.
O Ministério da Saúde disse, em nota, que “o efeito da ozonioterapia em humanos infectados por coronavírus ainda é desconhecido e não deve ser recomendado como prática clínica ou fora do contexto de estudos clínicos”.
Médicos também analisam com preocupação a aplicação retal de ozônio. “Esta medida não tem nenhuma evidência científica. Até o momento, não temos nenhum medicamento comprovadamente eficaz e seguro nem para a prevenção nem para o tratamento da doença”, afirmou Leonardo Weissmann, consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia.
Em nota, o Conselho Regional de Medicina de Santa Catarina (CRM-SC) afirmou que médicos estão proibidos de prescrever ozonioterapia dentro de consultórios e hospitais por força de uma resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM 2181/2018). (BL e MEC)